Cruzei-me com ela à saída do supermercado. Perguntou-me se ia trabalhar. Espantei-me, abri o telemóvel para confirmar as horas e disse:
-Não. Está quase na hora, não está? São quase seis.
Nisto mostro-lhe o relógio: 18.01h.
O trabalho começa às 18.30. Ela ainda ia entrar no elevador, passear pelos corredores do supermercado, tirar o que pretendia e de seguida dirigir-se às caixas de pagamento. Ensacar tudo e voltar a descer no elevador até o parque de estacionamento. Depois tinha de conduzir até ao emprego. Está certo, que é coisa para 10 minutos. Mas subtraindo esse periodo ao tempo estimado que lhe levaria a fazer as compras e talvez contando com algum imprevisto, quais as reais probabilidades dela conseguir chegar a tempo de começar pontualmente o trabalho?
Tenho verificado que ética profissional é coisa para burros.
Na noite anterior ambas estivemos a fazer o mesmo turno mas ela saiu 20 minutos mais cedo. Sem dizer nada a ninguém. Pela altura em que eu saí, já um minuto atrasada, tive de correr para a paragem com receio de perder o transporte. Por essa altura já ela estava de pijama, provavelmente deitada na cama, a descansar. Os chefes deste meu outro emprego nocturno nada dizem e a impunidade é recorrente. Isto é correcto??
Sim, ter brio no que se faz e cumprir as regras é para burros. Custa-me dizer isto, mas é o que verifico. A todos digo e repito que defendo que se deve fazer o melhor trabalho possível, ter dedicação e gosto pelo que se faz. Não me sinto feliz por perceber que os certos são as excepções. Eu estou errada neste ponto de vista. Contudo, não consigo conter-me, não consigo mudar-me. Continuo a ser dedicada a qualquer coisa que faça, prestativa, ávida por aprender e disponível para fazer o que seja.
A geração mais nova tem uma perspectiva muito diferente da minha. Pelo menos é o que observo nos mais jovens com quem já tive de trabalhar. Não foi um prazer, foi exasperante. São miúdos com idade para ter juízo que aparecem no emprego para não fazer nenhum. Fazem os possíveis para nada fazer. São peritos em fingir que estão ocupados, fingir que fazem coisa alguma. E isso exaspera-me.
Não cumprem os requisitos, cometem erros demasiado simples para serem ignorados, no entanto são. A "desculpa" que os adultos dão é que são "jovens". O que também me exaspera. Se não aprenderem enquanto ainda são jovens (e não são tanto assim), vão aprender quando??
Deviam saber que, se não cumprem os mínimos exigidos, são demitidos. Mas aqui saem imunes das baldas que dão. O que na realidade estão a praticar é o melhoramento das técnicas de nada fazer e ser pago por isso tanto quanto aquele que faz.
O EMPREGO MATINAL:
Já havia para vir falar deste tópico, por o achar de grande relevância. Todos no meu actual emprego são pessoas decentes, mas o jovem rapaz que devia fazer o mesmo que eu, depressa começou a mostrar que era um baldas. Além disso, começou a demonstrar atitudes pouco recomendáveis, como queixar-se que está cansado, dar-me ordens sobre o que devo fazer insinuando que não faço as coisas como deviam ser feitas e um belo dia, quando cheguei da minha hora de almoço como habitualmente, um minuto mais cedo, ele pôs-se a falar alto para todos escutarem, que eu cheguei 20 minutos atrasada. Ao invés de o mandar dar uma volta e dizer-lhe que não devia atirar pedras se os seus telhados são de vidro, dei-lhe resposta:
-"Não. Eu saí daqui era 12.20. São 13.19 portanto até estou um minuto adiantada.
Ele insistiu, em voz alta, na recriminação. Contrariando-se inclusive, desta vez dizendo que estava atrasada 15 minutos, ao invés dos 20 que proclamou inicialmente. Total falta de credibilidade. Eu não gostei, mas relevei. Não gostei porque a postura dele não lhe permitia estar cheio de moral, para começar. Ele não é pontual. E depois, aquilo mais ou menos que confirmou as suspeitas que estava a ter de que havia nele o sentido de controlo e observação absoluto. A procura de uma falha na outra pessoa, como se aquele puto de 21 anos com apenas um mês ali a mais que eu mandasse alguma coisa, tivesse autoridade.
Já não estava a gostar da sua postura. também por outros motivos.
1- O trabalho é pesado e eu notava que ele ia propositadamente aos itens leves, deixando os pesados para mim. E insinuava que eu é que fazia isso. O que não é verdade, pois mesmo sendo mulher, trabalho como "homem". Todos sabem que existem limites de força na mulher que o homem não possui. Mas também todos sabem que isso nunca impediu nenhuma mulher de fazer fosse o que fosse. Uma mulher é até capaz de levantar um camião pela traseira para salvar o seu filho! A verdade é que o género feminino não se detém diante de nada, o trabalho árduo não assusta as mulheres, têm-no feito continuamente por séculos e séculos.
Já os homens... me desculpem, mas têm um gene calão que não se cansam de exibir. São fisicamente mais fortes, sem dúvida. Os músculos e os esteróides em maior número proporcionam-lhes isso. As mulheres, têm menos destas duas coisas e também têm dois seios à frente do peito que lhes torna a experiência de transportar pesos um pouco diferente da masculina. Imaginem, por exemplo, qual seria a sensação de ter os testículos pressionados cada vez que pegam em caixas pesadas que têm de elevar acima do pescoço - essa é a sensação semelhante com o fazê-lo tendo os seios comprimidos. Mas nada disso detém as mulheres de dar o seu melhor e até, exceder as expectativas.
O gene calão masculino anda muito ativo na juventude. Seja ela inglesa ou não. O rapaz em causa é polaco. Muito calão, doutorado nas artes de fingir que trabalha. Passa as horas todas a andar de um lado para o outro, fingindo-se ocupado e desaparece amiúde. Quando faz algum, é o mínimo possível. E escolhe o trabalho fácil. Geralmente o que só implica ficar diante de uma máquina e pressionar um botão.
Para isso conta com a ajuda e cumplicidade de duas pessoas com quem conseguiu forjar uma amizade. Um chefe da sua nacionalidade e outro superior que é muito relaxado e ele mesmo tenta fazer o menos possível. Os dois são muito cúmplices e é repulsivo perceber o quanto um encobre o outro. Na realidade, a repulsa que sinto é verificar o quanto o rapaz se esconde debaixo das saias das "mães" para não fazer nenhum. Isso decepciona-me. Tão básico! A sua atitude de manipular a situação laboral, recorrendo aos amigos, que não lhe negam as vontades de nada fazer. Basicamente é: "deixa a portuguesinha ali a fazer isso e tu vens comigo pressionar botões".
E ele safa-se.
Ocorreu-me não aparecer um dia, só para ter de ser ele a fazer o trabalho que lhe compete em primeiro lugar. Mas não consigo falhar. Tenho ética. Também estive para ficar uma semana a sair mais cedo, para que fosse ele que precisasse de dar ao litro no fecho. Coisa que não estava a fazer, bem pelo contrário. Eu saia fatigada, pronta para ir para a cama e mais nada, e ele todo airoso, ainda ia dar uma volta, passear...
Arrependo-me de não lhe ter dado essas lições. A semana passada, contudo, a sua preguiça insultou-me e fui ter com o que lhe encobre - que é o nosso chefe, pedindo-lhe para sair uma hora mais cedo. O rosto do homem ficou quase branco... Ele é relaxado, costuma dizer que eu posso fazer o que quiser, sem problemas... mas ali estava eu a pedir para sair mais cedo - o que em princípio não devia constituir problema algum porque essa benesse foi sempre concedida ao miúdo sem qualquer hesitação, e o rosto dele, que é indiano, empalideceu e em espanto, disse:
-"Nããooo... temos muito trabalho para fazer".
Concordo em ficar até o final do turno. Nisto vejo o puto a aproximar-se do chefe e os dois iniciam aquela conversa cúmplice que se sabe só de olhar que não é sobre trabalho. Tenho a certeza que o chefe contou-lhe que eu pedi para sair uma hora mais cedo. Sabem o que aconteceu?
-O rapaz pegou na mochila e foi ELE que saiu uma hora mais cedo!!
Sem nada me dizer. E eu fiquei ali sozinha, a ter de fazer o trabalho todo.
Não me convenceu que aquilo não foi intencional para me prejudicar. Fui ter com o chefe, que geralmente anda sempre a espreitar quando lhe convém, mas quando o puto desapareceu, ele também se fez de ocupado. Esperei e perguntei direto:
-"O rapaz foi embora?"
-"Foi. (pausa). Ele tinha pedido de manhã".
Mentira- pensei cá comigo. Porque se tivesse pedido, a reação dele ao meu pedido teria sido diferente. Teria sido informar-me que eu não podia sair mais cedo, porque o outro já o ia fazer. Mas ele nada disse. Porque não era verdade. A cumplicidade dos dois faz com que o puto possa fazer o que lhe apetecer e sair imune. Provavelmente, também iria ser pago por aquela hora. Tudo o que é trabalho árduo, ele esquiva-se. A tudo o que é trabalho extra, ele esquiva-se. Só quer fazer o "dele" - mas esse quem o faz sou eu, e agora também um outro rapaz que o veio substituir durante as bem-vindas férias que o puto (espero) já está a tirar.
Terminei o meu trabalho e rumei ao escritório da supervisora. E fiz o que nunca fiz na vida: Disse que não estava contente por trabalhar com o rapaz e expliquei-lhe o sucedido. Também lhe disse que ele se queixava de cansaço mesmo chegando atrasado ao trabalho por duas horas, recriminando o meu desempenho, que por essa altura já tinha três horas de árduo trabalho a mais que ele.
Outra coisa que me repulsa é saber que ele ganha dinheiro às custas do MEU trabalho. Quando disse que ele tem telhados de vidro, refiro-me ao facto de ele não cumprir horários e estar sempre a esquivar-se por motivos dúbios. Devia começar a trabalhar às 8h da manhã, mas raramente chega a horas. Ninguém lhe diz nada. No segundo dia do meu trabalho, ele surgiu depois das 10h e nem sequer ligou a avisar. Todos me perguntavam por ele, como se eu soubesse. No dia seguinte, decidiu não aparecer. Depois, sabendo que as segunda-feiras são as mais atarefadas, apareceu por volta das 9.30h e antes do meio-dia, chegou-se a mim e disse que ia fazer outro trabalho noutro lado e depois ia ao dentista. Ou seja: duas horas depois de chegar, já estava a baldar-se ao trabalho que lhe foi designado, juntou-se a outro departamento e ficou sentado, a mexer no telemóvel. Sem fazer nenhum. Eu, ainda nova ali, sem prática e assustada com o volume de trabalho, vi-o sem nada fazer, fui ter com ele e perguntei se estava ocupado. Ele respondeu:
-"Precisas de ajuda?"
-"Sim!"
Riu-se e respondeu prontamente:
-"Eles (os superiores) te ajudam". E voltou a olhar para o telemóvel, na posição de sentado.
Chegando a hora de almoço, fui perguntar-lhe se eu podia ir primeiro, assim, quando ele se fosse embora, eu já tinha almoçado e o trabalho não sofria quebras. MAS o gajo não queria ficar a trabalhar enquanto eu ia almoçar, qual quê! Achei que foi intencional, ele queria sobrecarregar-me de trabalho árduo, físico. E assim provar, lá de uma forma retorcida dele, que ele é que era bom.
Mas a realidade é que força não é coisa de mulher mas resiliência é! Nunca que uma mulher fugiu de trabalho árduo. Tem essa capacidade no seu ADN desde que o mundo é mundo. E ele não passa de um jovem a querer ser macho-pavão... Muita energia na primeira hora, atinge logo o pico e depois o resto do tempo não dá nada. Se ao fim de apenas duas horas presente no emprego já está cansado e a querer ir almoçar... o que dizer de mim, que cheguei três horas antes dele??
Contudo, é ele que sai vitorioso. Todos eles saem, os calões.
Esta postura correcta e dedicada, até hoje, não me valeu para quase nada. Vale-me uns elogios, uns reconhecimentos. De resto...
Na prática, não melhorei de vida, não melhorei a condição financeira e não tenho nenhuma alavanca laboral. Ele, por seu lado, tendo-se amigado com dois fulanos, pode sempre pedir-lhes para lhe fazerem o favor de falarem bem a seu respeito. Vai ser considerado quando existir um cargo melhorzinho. Por amizade... Já funciona para ter de trabalhar muito menos. Ele só está a especializar-se na arte. E se um dia chegar a um posto de chefia, vai armar-se em ditador, como se alguma vez tivesse sido exemplo para alguém.
Não é sempre assim??
Falei em repulsa. O que mais me repulsa é saber que ele ganha às minhas custas. Cada vez que ele vira as costas ao trabalho que devia executar, sou eu que cumpro essa parte. No final do mês, ele ganha mais do que aquilo que contribuiu. E eu, menos. Faço todas as horas extraordinárias que conseguir. Ele balda-se o máximo que consegue. E é mais grave porque os horários não são controlados por ninguém em específico. E se a chefe for perguntar ao superior se ele cumpriu aquele horário, ele confirma. Tenho a certeza que não ia desmentir.
Acontece que somos nós que colocamos as horas em que começamos e terminámos o trabalho. O próprio rapaz disse-me, no início, que metia as horas que queria. Ou seja: nos dias em que chega às 10h da manhã ao invés das 8, aproveita-se que já ninguém se lembra ao certo para colocar uma hora na qual ainda estava na cama a dormir. Aproveita e também não coloca a hora extra de almoço que tirou para ir "resolver assuntos". Houve um dia que ao retornar do meu almoço, vejo-o de mochila nas costas a dizer a outra pessoa que vai embora. A mim, que sou parceira dele, não me disse nada. Simplesmente abandonou o trabalho, com o argumento que "não havia nada para fazer". Quando chego ao posto, há coisas para fazer. Pergunto se já estavam ali para ser feitas quando o rapaz decidiu sair e a resposta foi positiva. Ele simplesmente deixou a batata quente nas minhas mãos e foi embora. Ninguém lhe disse nada. Recriminam-no pelas costas, mas deixam-no fazer o que bem entender.
E isso só alimenta ainda mais a sensação de impunidade e poder que os calões sentem. E com toda a legitimidade. Porque se ninguém lhes dá uma reprimenda quando merecida, só faz com que se sintam mais no direito de continuar a ser calões.
Em todas estas ocasiões em que ele se balda, quem lá ficou a laborar fui EU. A burra de carga, a profissional, a solidária. E o que é pior: sabendo que ele ia receber dinheiro por isso!
Concluo, com muita pena minha, que a errada sou eu.
Pessoas como eu não chegam longe. São pisadas e usadas por outros. Só isso. Perdem saúde porque fazem tanto. Quem está certa é esta juventude de não-fazer-nenhum e esperar-receber-fortunas-por-isso. Eles estão certos. E por mais que eu tente fazer-lhes entender o meu ponto de vista, no fundo, acho que eles é que estão certos. De que adianta ser pontual, ter ética? Trabalhar arduamente? Sair de um emprego e entrar logo noutro?
Quando se pode trabalhar em part-time e descansar o restante do tempo?
Eles estão certos.