Segundo o Google, hoje é dia de Terry Fox (1958). Aquele corredor Canadiano que fez uma maratona com uma perna artificial. Acabou por não a terminar, porque o cancro que lhe levou a perna aos 18 anos, tinha regressado e tomado conta dos seus pulmões. Morreu no ano seguinte, com a surpreendente idade de 22 anos.
Um bebé!
Ainda tanto para viver...
Pode ter vivido uma curta vida mas, ao decidir correr uma maratona para angariar 1 dólar por cada Canadiano, tornou-o imortal, porque para sempre será lembrado por isso. Terry foi apenas mais um dos muitos que teve de enfrentar essa terrível doença. Seria apenas mais um entre tantos, não tivesse ele decidido chamar a atenção para a necessidade de encontrar uma cura para o cancro, angariando fundos ao percorrer o país de uma ponta à outra. Conseguiu, com a corrida, angariar 24.17 milhões, cumprindo o objectivo a que se propôs.
De lá para cá (faleceu em 1981) bilhões e bilhões têm sido angariados para esse fim. Encontrar a cura para o cancro!! Uma doença que afecta milhares por todo o planeta. Biliões de euros, dólares, Yens... incontáveis campanhas, corridas, etc. Tanto bilião dado e estamos no mesmo patamar que a luta contra a fome: na mesma.
Isso não vos revolta?
Terry durante a "Maratona da Esperança"
Não vos parece difícil de acreditar que, em tantas décadas de multiplas pesquisas em incontáveis laboratórios e com tantos biliões injectados para esse fim, não surja uma cura?
E queremos nós uma vacina para o Covid...
Terry angariou dinheiro - aquela fortuna - porque ele, à semelhança de muitos outros que também se viram no seu lugar - acreditava que, com dinheiro, descobria-se a cura em breve. A tempo de se curar com ela.
Saí da clínica em direcção ao jardim. Numa escadaria onde, na semana anterior, devido ao muito calor, sentei-me para abrigar-me à sombra, tomar um gole de água e falar ao telemóvel, vi cães. Não dois, ou três, mas quatro!
Como aquela zona do Parque das Nações tem um café com esplanada no topo dessas escadas, inicialmente pensei tratarem-se de animais com dono. Nem me ocorreu que aquela quantidade de cães fossem de rua.
Dois repousavam à sombra, deitados na calçada. Outro estava a beber (e de que maneira!) água deixada num contentor plástico, bem ao lado do caixote de lixo onde fui despejar um lenço de papel. E o quarto aguardava, pacientemente, vez, atrás da cadela que bebia água. Quando me aproximei do caixote, a que bebia água sobressaltou-se e afastou-se. Afastei-me eu e a segunda cadela de pé aproveitou para beber água. Com a mesma ânsia que a primeira, pareciam estar com muita, muita sede. Foi então que percebi: eram animais de rua.
Alguém deixou ali um balde com água para eles saciarem a sede. E ao lado, se repararem na imagem, está um daqueles cestos que os estabelecimentos comerciais recebem, onde costuma vir armazenado fruta ou vegetais. Estava vazio mas decerto que continha comida. Para mim, quem pensou nestes animais trabalha num supermercado ou restaurante.
Atravesso a estrada para a rotunda cheia de árvores na qual me senti tão bem na semana anterior, em direcção ao jardim da Ponte. Nisto um homem faz-me sinal. Ignoro, penso que não é comigo. Porque haveria de ser?
-"Posso fazer-lhe uma pergunta?" - diz ele entre a máscara.
Não entendo bem o que poderá um desconhecido, naquelas circunstâncias, querer comigo, uma transeunte. Indicações? Não conheço bem a zona e ele pareceu-me local.
-"Sim?" -respondo.
-"Foi ali colocar água para os cães, não foi? Acho bem mas porque é que não colocam água aqui entre as árvores, ou ali (mais afastado?). Os cães já atacaram pessoas a sair do autocarro".
A rotunda arborizada, onde um quinto cão devorava
algo comestível que lhe foi deixado
O problema dele era ter os cães próximos da sua habitação. Mesmo à entrada de um prédio. Que fossem para a rotunda, ou para o passeio perto do muro... Também há ali sombra. Mas que não deixassem água ou comida perto das casas.
(Se calhar é porque é longe para a pessoa que os lá foi colocar, não é tão prático transportar aquele peso ainda mais longe dali)
O homem pediu desculpa e afastou-se. Eu segui caminho, desistindo de ficar na rotunda por uns instantes a fazer um relato e fiquei a pensar na falta de humanização versus o sentido de propriedade. Não que ache que o homem estava contra os animais receberem um gesto que provavelmente lhes salvou a vida num dia tão quente. Mas, claramente, a sua prioridade residia em afastá-los da sua vista.
Ontem o dia chegou aos 40 graus. Aqueles animais tinham tudo para morrer desidratados. Existiu uma alma caridosa no meio daqueles prédios para gente com dinheiro para ali viver, que lhes deixou água fresca. Parece que, hoje em dia, quem ousa ter este tipo de gestos é mais criticado que elogiado, como se estivesse a cometer um sério delito.
Duvido muito que aqueles cães atacassem fosse quem fosse. Não acreditei nessa parte da história do homem para justificar o seu interesse em mantê-los longe da vista. Os animais tinham mais medo de mim, humana, sobressaltando-se à minha passagem e aproximação, do que outra coisa. Encolheram-se ao meu ver, daquela maneira que só um animal que já foi enxovalhado e enxotado sabe reagir.
Qual é a minha perspectiva diante de animais abandonados ou de rua? Sou a favor da sua existência e DIREITO a viver com liberdade.
Não defendo que devam todos sair das ruas. Pelo contrário. Sei que por vezes precisam de cuidados médicos mas, ainda assim, defendo o direito que têm de viver em liberdade. Tenho pena mas nunca mais esqueço de um cão vadio que fazia vida sem querer fazer parte da casa de ninguém. Para se alimentar e ter companhia, contava com um número considerável de pessoas e ele sabia a quem recorrer quando queria. Se aparecesse ferido, alguém cuidava dele e depois ele desaparecia para parte incerta. Voltando a aparecer quando lhe dava vontade.
Prefiro um cão na rua, com possibilidade de se alimentar da caridade de muitos, do que vê-los amontoados em jaulas em canis ou saber que vão ser abatidos. Acho que têm o direito de viver soltos, tal como algumas pessoas também exercem esse direito. Penso ser desnecessário mais leis, ou melhores leis, ou mais peditórios de dinheiro para a defesa dos animais.
Vivo em Inglaterra, onde a realidade animal é diferente, mais rígida nas leis. Um dia percebi que nunca vi sequer um gato vadio na rua. - Nunca vi um cão ou sequer um gato de rua! A resposta que ouvi foi: "não há animais a viver na rua em Inglaterra, é considerado falta de humanidade".
A resposta escandalizou-me pela hipocrisia.
-"Mas pessoas a viver na rua já pode!"- tive vontade de ripostar.
Na cidade onde vivo, há muitas pessoas sem-abrigo. Todos os anos parecem aumentar. São homens, mulheres, jovens, menos jovens... a pedir dinheiro sem estender a mão e sempre a beber cerveja e a fumar. Tal como muitos outros que andam por ali a deambular, mas que devem ter pousio algures. A diferença é que o álcool e as drogas que estes consomem, vêm disfarçadas em garrafas de refrigerante somente no rótulo. E o sem abrigo não se dá a esse trabalho. De resto, faça chuva ou sol, dormem num chão de pedra, à mercê dos elementos da natureza.
Mas isto não é proibido em Inglaterra.
Já animais, que, ainda que domesticados, sabem viver no seu habitat de rua, não pode ser. Aposto que esta regra nasceu mais de pessoas que vêm os animais vadios como um incómodo social, uma inconveniência, algo que reflecte mal em si mesmos. Criaram então leis que nasceram disso e não na verdadeira preocupação ou amor por outro ser vivo.
No meu entender, as leis de protecção a animais que os ingleses têm só servem para pedir mais e mais dinheiro ao trabalhador. Na TV passam anúncios de peditórios para protecção de animais e não se ficam por caes ou gatos: é burros, cavalos cegos, papagaios... Parece-me que a toda a espécie do reino animal foi atribuída uma caridade exclusiva. E todas são um poço insaciável e por isso recorrem ao sentimentalismo barato e procuram chocar as pessoas, apelando ao seu sentido de horror e possível experiência pessoal.
Considero os anuncios televisivos de peditórios errados e pouco deontológicos. Não só usam situações extremas de sofrimento para pedir dinheiro, como definem uma quantia e logo informam que vai ser descontada MENSALMENTE. Cinco libras, costuma ser o mínimo. Ora, tentem lá separar 5 euros mensais e agora multipliquem isto por centenas de ajuda mensal e vejam quanto dinheiro não estão eles camufladamente a extorquir. Sim, porque considero que caridade é aquilo que a pessoa PODE dar, QUISER dar, QUANDO e POR QUANTO TEMPO desejar. Impor um valor mínimo e uma frequência devia ser ILEGAL. Pelo menos acho que é IMORAL.
Imoralidade é o primeiro adjectivo que uso para definir os anúncios de peditórios a animais que vejo em inglaterra, pois só mostram casos extremos. Usam imagens de animais nas piores condições possíveis de doença, cheios de trauma, feridas, sangue, sofrimento, amputações. Recorrem a imagens de um burro a carregar pesos, como se isso não fosse uma função própria para um animal, uma que o homem atribuiu a burros, touros, cavalos, bois, camelos etc, desde os primórdios do desenvolvimento, mesmo antes da mãe de Jesus montar num jumento rumo ao celeiro.
Para mim, quem usa esse tipo de situação singular para pedir continuamente dinheiro, não tem escrúpulos. E questiono muito este tipo de esquema.
Este tipo de anúncio já vai mais ao encontro do que considero correcto.
Mas encontrei-no no Youtube, está longe de ser o género que passa na TV Inglesa
Em Inglaterra, aqueles que têm animais, particularmente donos de cães, por vezes têm comportamentos de quem se acha com mais direitos. Isto pode parecer estranho, mas é o que acontece neste país em que os animais tem direitos que os donos querem fazer prevalecer.
Uma vez ia a sair do passeio para entrar em casa, quando uma mulher a puxar três cães por uma trela, se recusa a deixar-me passar. Tive de parar e dar prioridade a ela e aos cães, porque ela não os puxou ou mudou de direcção para me ceder passagem. Coisa que em Portugal se faz por instinto e cortesia. Depois de insistir em não se desviar e ter passado, ainda me diz que os cães são para andar na parte de dentro dos passeios. Não pela margem dos mesmos. Os cães com trela não podem andar na berma do passeio??
Os donos de cães lá, também têm deveres. Um deles é simples: têm de apanhar as fezes deixadas por estes. Todos cumprem. O que mais temem, realmente, não é isso. Os donos de animais temem outra lei. Uma muito comum, temida por empregadores em particular: o PROCESSO.
Por isso, cada vez que um cão num parque se aproxima de desconhecidos, os donos começam a chamá-los e, caso não impeçam a aproximação, começam a jurar que eles não fazem mal e pedem sempre DESCULPAS por o animal se aproximar e, às vezes, saltar para as pernas. Ficam mesmo com aquela expressão de medo e receio. Pedem muitas desculpas, falam severamente num tom grave com os cães de estimação.
Parece que é um crime os animais serem... animais. Têm todos de ter lições de comportamento e obedecer aos comandos do dono. Não há o livre arbítrio, não há aquela liberdade para o animal se expressar, como se um cão que vai cumprimentar uma pessoa no parque estivesse a cometer um delito. Haviam de ver o alívio no rosto dos donos quando, ao invés de reclamar e barafustar, limito-me a dar festinhas na cabeça do animal.
Este tipo de interacção só não é mal visto (ainda) se partir do humano. Se for o animal, que, como as crianças, gosta de se aproximar feliz e contente... é incorrecto. Indesejável.
Foi até aqui que a lei para protecção dos animais conduziu a sociedade inglesa.
50 libras por este brinquedo de um velho piano. Será um clássico? Ainda assim, isto são lojas para as quais as pessoas doam coisas que já não querem e os lojistas colocam à venda, sendo que parte dos lucros revertem para "caridade", seja lá o que isso na prática significar realmente. (Sou desconfiada, pois sou).
Mas pergunto eu: quem é que pagaria este valor? Por amor da santa!
Duas lojas ao lado desta, outra loja de caridade é capaz de ter à venda um armário guarda-vestidos em madeira, pelo mesmo valor. Haja discernimento.
Vinha do supermercado, onde fui comprar artigos em promoção. Alimentos que vendem a preço reduzido, por expirarem no dia. Este supermercado faz isso - acho que todos deviam fazer. Mas só um faz. Os outros, reduzem para preços altíssimos, um produto que vai para o lixo dali a horas. Este começa por manter 75% do valor inicial. Depois reduz para 50% e, finalmente, deixa ficar apenas 15%.
Escusado é dizer que não são poucas as pessoas que ficam a rondar as prateleiras até chegar o momento da grande redução. E eu sou uma delas, ahahha. Vou a um supermercado que não faz promoção e deixo 20 libras. No da promoção há quem lá vá TODOS OS DIAS e só compram a preços reduzidos. Nem cinco libras gastam. Hoje uma senhora pegou em várias caixas enormes que continham fruta e meteu no seu carrinho. Tinha 11 caixas, fora tudo o resto. Sabem quanto pagou pelas 11 caixas com fruta? Cinquenta e cinco cêntimos.
Sim, perceberam bem. Deliciosas maças ainda bem frescas por sinal, uma dezena delas por caixa. Um pomar de 110 maças por por meio euro...
Mas não é fácil. Não, não é. Pode não haver ninguém por perto mas assim que lhes "cheira" a coisa boa, "atacam" que nem doidas. Vi um funcionário a colocar um produto na prateleira das promoções de carne e fui espreitar. Eu estava ali mesmo ao lado dele. Era só me virar para a esquerda. Pois do nada, surgiu uma mulher e um homem. A mulher lançou as mãos a duas embalagens de carne cá com uma rapidez que mal tive tempo de ver o que se tratava. Aliás, aprendi que não é para escolher. É para tirar logo. A escolha vem depois. Se ficares a olhar e a decidir, ficas a olhar para um espaço vazio. Um segundo, tudo se vai.
Isto é engraçado - por enquanto, porque não vou lá todos os dias. Mas aquelas mulheres e homens vão. Porque seja lá quando eu lá for, elas estão lá sempre. São fixas. Não as vi lá quando pela primeira vez dei conta deste tipo de promoções. Mas elas são profissionais. Vão ali, vão a outros lados, recrutam familiares para ficarem na "guarda". Uma destas mulheres (muçulmana, por sinal) - a que hoje levou grande parte das caixas, recomendou-me que fosse todos os Domingos a um mercado, pois no final, para não terem de levar as caixas de fruta para casa, eles vendem ao desbarato. Uma caixa (sim, daquelas grades de madeira) vendiam a uma libra... Morangos, cerejas... disse-me ela.
Opá, só podem estar a gozar.
Mas se ela o disse, acredito. Tem experiência. Para quê quer tanta fruta, isso é que não faço ideia. Mesmo. Eu vou comprar para mim. Aliás, na primeira vez, por acaso, comprei para mim e para outros também. Já que estava tão barato, lembrei-me dos colegas na casa (na altura dois) com quem de vez em quando partilhava refeições. Como um deles pela manhã levava sempre uma sandes para ser o seu almoço ou chegava tarde e queria comer, comprei a pensar nas próximas refeições. Gastei umas cinco libras a comprar sandes e saladas a.... 20 centimos cada. Podem perceber que até trouxe em quantidade, ehehe. Ninguém sabia das promoções - muito menos eu. Até fiquei uns bons cinco minutos a aguardar que um funcionário aparecesse para que me explicasse porquê os artigos dentro de um carrinho de compras estavam à venda por 20 centimos. Queria saber se tinham sido comprometidos na sua integridade, se tinham ficado fora do frigorífico, por exemplo... Tão inocente!
Fui para casa toda contente, partilhei a novidade e a comida. No dia seguinte só tinha uma embalagem e meia de sandes para o almoço. Pois....! Acho que gostaram além da medida, pois na véspera eu só havia comido a metade da sandes em falta.
Mas a razão porque cá vim escrever não é esta. Está relacionada, mas não é o que cá me trouxe hoje. Porém, fiquem com esta por agora. Mais tarde contarei então o que aconteceu enquanto vinha a sair do supermercado...
Hoje no trabalho tive de lidar com um cliente que me emocionou. Era uma senhora africana que transportava uma criança fisicamente limitada, que terá nascido com problemas cerebrais que lhe afectavam seriamente. Aliás, a sua presença no Reino Unido devia-se somente aos tratamentos médicos que a filha precisava receber.
Uma menina que não dava para perceber se o era ou não. Imobilizada que estava na sua cadeira de bebé, ainda que já não fosse um. Com distrofia muscular e total incapacidade de comunicar oralmente.
A senhora chegou e eu era a portadora de más notícias: a viagem que ela tinha programado não era possível de realizar-se, devido ao que muitas vezes acontece: as companhias enganam as pessoas.
Mas eu sou apenas uma empregada que começou à pouco tempo na função e tenho de seguir instruções. Procurei ajudar a senhora e fui pedir informações sobre o seu caso. Um colega apenas me respondeu: "não causes problemas para ti. Diz-lhe para se dirigir para lá e ela que espere". O que para mim não fazia sentido algum. Alguma vez mandar uma pessoa esperar a chegada do que não vai chegar é fazer o teu trabalho?? A situação muito me incomodou. Junto com pessoas mais responsáveis foi-me dito que não podiam fazer nada e que ela tinha, basicamente, de "desvencilhar-se" sozinha.
Essa falta de humanidade para com alguém que, ainda por cima, já teve as "cartas da vida" tiradas com pouca sorte, desiludiu-me. Fiquei tão incomodada que nem podia mais lidar com a situação. Intencionalmente, afastei-me do local para não ter de me revoltar com a aparente falta de empatia e comecei a desejar que o final do turno chegasse o quanto antes.
Mas será que é normal no Reino Unido as pessoas não quererem envolver-se?
Conduzi a pessoa até uma outra e daí adiante afastei-me. Temia o lamento, o choro, a conversa interminável sobre infortúnios... e eu de mãos atadas. Mas devo dizer que a senhora, junto com o filho jovem e saudável que a acompanhava, tiveram uma postura em tudo diferente. Não se exaltaram, não se surpreenderam, não se exasperaram, não gritaram ou fizeram ameaças. Talvez já soubessem sobre a viagem e fingiram que não? Mas quem faria tal coisa? Enfim... Eu admirei-os porque, talvez fruto das suas lutas pessoais, coisas como estas deixam de ser tão importantes.
E devo dizer que, diante do infortúnio deles, até a minha própria fome e a ideia de ter o frigorífico vazio sem ter ideia do que lá por, me pareceu pequena. Eu ia seguir a minha vida, passar pelo supermercado, comprar algo para comer e dormir numa cama. E assim, de forma simples, resolvia as minhas necessidades mais imediatas. Eles não.
O meu turno já tinha terminado quando me cruzo com a senhora na área restrita aos funcionários. Vinha acompanhada de alguém que nunca vi antes e de imediato perguntei como estava a situação. A funcionária - claramente de uma hierarquia acima, é que respondeu. Tinham conseguido comprar uma outra viagem para o dia seguinte, mas a pessoa (com a sua filha com necessidades especiais) tinha de ficar a dormir na gare durante a noite. Tinham reunido umas tantas garrafas com água e iam indicar-lhe os locais mais reservados e quietos onde podia alojar-se enquanto aguardava novo transporte.
No regresso já no autocarro, fiquei a pensar na situação. Aquela falta de empatia inicial, a clara falta de vontade em envolverem-se nos problemas dos outros, afinal não era bem assim. Sempre foi feito algo, não deixaram a senhora, o seu filho adolescente e a sua filha deficiente à mercê da sua própria sorte. Alguma ajuda - ainda que pouca, foi facultada.
Será que eu devia voltar atrás? E dar à senhora algo para comer? Dinheiro? Se pudesse até lhe dava um teto para dormir. E reflecti que já era a segunda vez, em quarenta e oito horas, que esse pensamento me vinha à cabeça.
Aqui no UK sente-se que não nos podemos envolver muito. Ainda pensei em levar-lhe comida para ter mais do que águas para se aguentar durante a noite. Pensei mesmo regressar ao emprego, após 12 horas de trabalho, só para poder ajudar. Mas quis acreditar que outros ajudariam. Com comida sólida, com o que precisasse.
Como funcionária no local, ao me envolver pessoalmente, ainda que fora do uniforme, podia comprometer o meu emprego. Aqui não se podem correr riscos. E é considerado um risco tentar ajudar as pessoas dando-lhes, por exemplo, uma peça de fruta. Ou um pouco de sopa. Pensei nas sopas que temos na sala do pessoal, que saem de uma máquina de distribuição automática. Pensei em as oferecer à senhora. Mas depressa lembrei-me: "não porque saem quentes e se ela se queimar ou algo acontecer com a criança, pode processar o estabelecimento e eu posso ser demitida por não ter de interferir onde não sou chamada". Porque aqui no UK pensam muito assim. A vida deles, em muitos sentidos, está condicionada aos receios dos processos nos tribunais. Processo pela falta de um sinal a avisar que o piso está escorredio, ter a comida quente demais, o café a escaldar, cabelos no prato, uma maça que faz mal ao estômago e alegadamente poderá ter sido propositadamente alterada para causar mal estar, etc, etc. Por isso é que tudo é tão "deslavado" - até a empatia.
Lembrei-me também que, às tantas, a senhora reconheceu entre os trauseuntes, o seu pastor. Que é o lider espiritual. E no regresso no autocarro fiquei a pensar para que servem estes, se ela não poderia ter recorrido ao mesmo para solicitar ajuda.
No final do dia, realizei uma pequena oração por eles e agradeci a Deus pelas bençãos na vida que me deu.
Trabalho com uma caixa registadora cheia de moedas, onde sempre tenho mais possibilidades de encontrar moedas para a minha colecção. Mas tem sido diretamente pelas mãos dos clientes que tenho apanhado quase todas.
Num aglomerado de 200 moedas... a que tem uma cunhagem diferente vem quase sempre parar às minhas mãos por intermédio de um cliente simpático - às vezes na forma de gorjeta (que não posso aceitar). Acho isto muito curioso :)
Digo que são os clientes simpáticos, porque os menos simpáticos e sovinas não costumam dar essa sorte. Numa ocasião uma mulher de origem oriental (nossa, como eles são forretas! Sem querer ofender mas existem traços que definem certas origens geográficas) espalhou um monte de moedas em cima do balcão e disse que queria o produto X (a coisa mais barata que temos no menu - uma espécie de bolo com chá).
Tendo à minha frente cerca de duas dúzias de moedas, comecei a selecionar as de maior valor para chegar Às 3 libras e picos... A mulher tinha duas moedas de 2 libras com ela, três de 1 libra e muitas de outros valores. Reparei de imediato que tinha o suficiente para o mais barato que existe no menu - e então disse-lhe que tinha o suficiente. Uma moeda de 2 libras estava com o rosto ao contrário então por instinto virei-a e mirei-a, porque era diferente mas no fundo estava a tentar perceber se era uma moeda inglesa ou de outra nacionalidade. A mulher vai com a mão À moeda, pega nela, e mete-a no bolso. Todas as outras deixou ali em cima do balcão, como quem despeja um fardo e que seja a outra pessoa a encarregar-se de descobrir ali a quantia necessária. Foi a forma como meteu de imediato a moeda ao bolso, tentando disfarçar... Tornou-a mesquinha aos meus olhos.
A moeda que a mulher levou ao bolso
E depois tem os generosos. Hoje não foi dia de clientes generosos, mas de clientes que querem pagar tudo com moedas do mais baixo valor. Querem pagar 15 euros com moedas de 10, 5, 1 centimo, uma ou outra de 1 euro... Estão a ver a cena??
Raramente aparece um generoso. E quando aparece... Bom, hoje apareceu um. Devia ser americana, pois esses têm o hábito da gorjeta no recibo. Ficam bem aliviados e contentes quando percebem que neste país não são obrigados a isso. Ficam mesmo contentes em não deixar tusto. Mas uns poucos ainda «agarrados ao vício» do julgamento social costumam deixar uns trocos em cima da bancada - pensando eles que as moedas vão para um recipiente de gorjetas e são divididas entre todos. O "chefe" do dia viu 3 libras abandonadas no balcão, perguntou a todos se eram de alguém e ao ver que não, acho que as meteu ao bolso. Logo a seguir apareceram uns refrescos que ele foi comprar...
O problema de certos superiores é que eles tiram proveito da posição para serem... mesquinhos. Este não meteu as moedas na caixa da caridade - é para lá que vão todas as gorjetas deixadas pelos clientes. É uma maneira bem típica dos ingleses, fazer caridade sim - mas com o dinheiro dos outros. Este vai ser um tema para um próximo post... E como o vejo sempre a comer os excedentários alimentícios e as bebidas que estão boas mas que são «sobra» (estamos proibidos de comer durante o expediente ou de levar comida excedentária para casa ou nos servirmos dela), deixa-me a impressão que é um indivíduo capaz de meter as gorjetas a seu uso pessoal.
Hoje foi também a primeira vez que respondi a um cliente que me estava a empatar o tempo de serviço com pedidos intermináveis e um pagamento por moedas cada vez de valor mais reduzido, que pode se ver "livre" das moedas - como estava a dizer - enfiando-as na caixa de caridade. Afinal... se as pessoas não querem as moedas, ao invés de tentarem pagar um hamburguer de 11 libras com esses trocos, porque não pagam com notas e metem as moedas na caridade? Ainda por cima estava a dar em direto na TV o concerto de caridade para as vítimas do atentado de Manchester (próximo post, estejam atentos!). E que tal deixarem-se contaminar um pouquito pelo«espírito da coisa» e deixar ali umas moedas??
Vi isto e inicialmente pareceu OK mas depois incomodou-me bastante... Não sei. Há alguma coisa neste «peditório» que é perturbador. Parece-me que se empenham demasiado em arranjar novos e divertidos métodos para fazer as pessoas levar as mãos aos bolsos - neste caso, ao cartão de débito - hoje em dia o método mais ambicionado de receber donativos, aquele que as empresas mais priveligiam.
Depois vi isto... E na minha pureza de alma, achei que esta seria uma forma mais vantajosa de atingir o mesmo propósito e sem precisar gastar fortunas em software de última geração! Também não impõe valores mínimos durante o acto de doar, não apela a sentimentalismos ou noções de culpa. Parece-me um pouco hipócrita e frio um outdoor que pede dinheiro. Este ao menos, é simples, pouco dispendioso nos custos de produção e, sei lá... torna a doação um gesto que não tem de ser pesado. A pessoa pode afastar-se com um sorriso no rosto, e não com um peso na alma.