domingo, 30 de dezembro de 2007

RECICLAGEM

AMb3E - Ponto Electrão.

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desenho infantil retirado do site www.eb1-rogil.rcts.pt


A um canto de uma revista que veio parar ás minhas mãos, vem publicada uma pequena notícia, informando-me que já existem ecopontos electrónicos. Situam-se, por enquanto, nos parques de estacionamento do Cascais Shopping, Colombo, Vasco da Gama, Gaia Shopping e Norte Shopping. Finalmente, terei onde despejar os meus aparelhos electrónicos. Será desta, ao que parece, que aquele velhinho walkman da Sony e o rebobinador de cassetes VHS com a forma de automóvel prateado vão ter o destino merecido.


Fazer Reciclagem em Portugal nunca foi fácil. Nem acredito que mantive de lado estes pequenos aparelhos electrónicos sem utilidade, por tantos anos. E porquê? Porque abrir o caixote de lixo doméstico e colocar juntamente com os restos alimentícios pilhas, sapatos, roupa, latas de alumínio, madeiras, lâmpadas e aparelhos electrónicos, nunca fez muito sentido para mim. Aliás, não fui capaz de o fazer.


Em finais dos anos 80 início dos 90, não se faziam campanhas de consciencialização ecológica. A era do plástico ganhava terreno há de vidro. Todas as pessoas se desembaraçavam do seu lixo da mesma forma. Só que eu não sentia assim.


Na infância soube que as vulgares pilhas, que usamos para dar portabilidade a alguns aparelhos, são altamente poluentes. “Deita já isso fora que isso é veneno!” – diziam-me, assim que uma bateria dava sinais de estar a verter líquido. Só o odor que ficava nas mãos, mesmo não tendo vertido, era desagradável. Ainda apanhei pilhas diferentes das que temos hoje. Talvez não fossem alcalinas. No infantário ainda me diverti a abrir umas à pancada, com uma pedra, para ver o que estava dentro. Assim que ficavam vazias, mandavam-me deitá-las no lixo mas não era capaz. Juntei-as todas numa bolsa de couro. A sorte é que não necessitávamos de muitas, de modo que não eram muitas para juntar. Quando anos depois, chegou o pilhão, elas encontraram o destino que, intuitivamente, sabia que deviam tomar. Agora só utilizo pilhas recarregáveis e compro aparelhos que as aceitem carregar.

Com o papel a odisseia não foi muito diferente. Vivia em Lisboa, a capital de Portugal, numa das suas maiores freguesias, bem perto do Tejo e dos grandes centros comerciais. Mas sem um ecoponto para papel. O concelho de Loures há muito que tinha um sistema de reciclagem no activo e não fui capaz de entender porquê demorava tanto para ver o mesmo acontecer perto de minha casa. Cheguei a dar revistas a pessoas que as queriam coleccionar e também as deixava disponíveis para leitura nas salas de espera ou na biblioteca da escola. Era em Moscavide que despejava o que ia juntando. Armazenava tudo debaixo da secretária: jornais, revistas e apontamentos. Cheguei a empilhar montes de respeito, mas recusava-me a colocar estes detritos em qualquer outro lugar que não num contentor apropriado. Meus pais, que até hoje não consegui fazer com que percebam que não se deve abrir a janela do carro para deitar lixo para fora, não viam com bons olhos esta minha teimosia. Mas teimei e aos poucos, os quilos de papel iam, em sacos de dois, no autocarro para serem despejados no ecoponto azul, noutra freguesia e concelho.


O Ecoponto amarelo, para os plásticos, foi a necessidade que se seguiu e, graças a deus, chegou com o azul. Com o plástico a roubar mercado ao vidro, já pouca utilidade tinham os vidrões verde-cilíndricos espalhados pela cidade. O que despejávamos neles? As garrafas de sumo que entretanto passaram a ser de plástico? O vidrão era utilizado quando o vidro de um porta-retrato ou um copo se partia, nada mais. Tudo passou a ser feito de plástico e como tal, canetas (sem a parte da esferográfica), vasos, caixas, recipientes de cozinha, sacos, molduras, cassetes e agora dvds e cds, tudo passou a necessitar de um contentor especial. Devia até existir diferenciação de lixo de plásticos, tal é a variedade. Tenho dúvidas quanto à facilidade de recuperação de muitos destes materiais e critico bastante a hipocrisia em torno da questão. Como pode o governo consciencializar os cidadãos, e esquecer-se das empresas? De que adianta apenas reciclar, se a quantidade de produtos feitos de plástico aumenta? Se o mercado de cds e dvds produz uma quantidade de itens de plástico impressionante, deste o próprio suporte em si, há caixa que o armazena, à película que as envolve? E este é um material tão volátil, que mal entrou no mercado já fazia parte do lixo mais comum de se encontrar nos caixotes (ver link no final do texto).


Sim, a reciclagem em Portugal nunca foi fácil. E há que dizê-lo: agora é o que é porque Portugal não cumpriu a cota estipulada pela Comunidade Europeia e visa grandes penalizações caso não se redima. E deste medo e coação resultou as acções que temos visto no último ano. O anúncio durante o natal de 2006 a pedir para se evitar o uso de papel de embrulho e a informar quantas árvores são necessárias abater. Campanhas de consciencialização, a troca de lâmpadas comuns pelas económicas, os cartazes no interior dos transportes públicos a explicar como reduzir o consumo de água. E a colocação de inestéticos ecopontos à porta de cada edifício de habitação. Estes gestos extremos e hipócritas.


Cheguei a transportar livros escolares antigos para o Algarve, onde passava as férias, só para os reciclar. Facultei uns tantos para servirem a escolas no terceiro mundo, o que muito me satisfez, porque foi para isso que os manuais tinham sido criados e saber que mais alguém ia aprender por os mesmos livros que me ensinaram dava uma grande satisfação. Mas uma vez em conversa com alguém que trabalhava na empresa que geria a reciclagem algarvia, fiquei a saber que a mesma não se realizava. O boato já corria de boca em boca há muito tempo. As pessoas diziam que a reciclagem era mentira, pois viam de noite o guindaste encaixar o gancho em ambos os contentores e despejar o conteúdo no interior do camião. Não havia sinais de haver separadores no interior, embora eu preferisse acreditar nesta possibilidade. Fiquei a saber que, por tempo indeterminado, a existência dos contentores era só para “treinar as pessoas para a reciclagem” e pensei: não são as pessoas que precisam de treino. São vocês! Até porque a fantochada tinha como efeito colateral o facto das pessoas deixarem de acreditar e se sentirem gozadas por agirem conscientes da necessidade de reciclar. "Para quê separar o lixo, se eles misturam tudo de novo?" – Ouvia-se dizer.


Agora resta saber o que vai acontecer a estes aparelhos electrónicos que a empresa Amb3E se propõe a colocar no circuito da reciclagem. Pessoalmente fico a aguardar um sistema de recolha para as lâmpadas, principalmente estas económicas que utilizo há 15 anos e que, se não estou em erro, algumas são mais poluentes que outras.


Mas acima de tudo, gostaria de RECICLAR as coisas de forma diferente. Tal como os livros escolares encontraram uma utilidade digna do seu propósito, também outros aparelhos, desde tachos e panelas, a garfos e facas, a pratos e toda a espécie de louça e bugigangas, devia encontrar um espaço onde voltassem a ser de utilidade para alguém. Melhor que reciclar, é reaproveitar.


Não há por aí feiras onde qualquer pessoa possa vender e dar um novo destino às suas bugigangas? Afinal, elas custaram caro. Colocar na reciclagem coisas que não funcionam é uma coisa. Mas e as que não queremos mais mas são boas ou novas? Que destino lhes dar, ainda mais agora, que a era do descartável é facilitada pela baixa esperança média de vida com que os aparelhos são fabricados?


Precisamos de maior divulgação! A campanha de consciencialização do governo no último ano pode ter sido tardia e algo hipócrita. Mas atingiu o alvo. Agora é preciso mais. É preciso divulgar onde cada material que faz parte das nossas vidas pode ser despejado em caso de necessidade. É preciso criar feiras de troca e venda de produtos que uns não necessitam, mas que a outros faz falta. Tachos, panelas, chávenas, televisores, sofás, colchas, lençóis, aparelhagens, estatuetas, troféus, eu sei lá… mais que Reciclar, pode-se Reaproveitar! O que, se formos a ver, já é feito pelas empresas, que reaproveitam peças de aparelhos, como telemóveis, gravadores e aparelhagens, reutilizando-as na nova gama. Só falta o consumidor também sair a ganhar.

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O GRITO DIGITAL


Vou soltar um grito! Ai! Porcaria do Digital! Que inúteis são os Cds e os Dvd´s quando comparados à fita magnética! Porquê praticamente nos forçam a mudar?

Preservar imagens em fita tem-se provado ser mais eficaz há décadas. As bobines de cinema centenárias ainda cá andam. Mas não consigo fazer com que o Dvd que gravei a semana passada seja lido nos muitos leitores pela casa. O que acontece? Não caiu ao chão, não sofreu danos. Não tem riscos, não ficou exposto ao calor, ao pó nem há humidade. O que se passa então? Será que gravou mal de raiz? Então o que é que se passa com o gravador? Ou são todos os leitores, todos os três, que funcionam mal?

A minha saga com esta transferência da fita para o digital tem sido uma luta que estou a perder. Comecei há um ano e meio. Passados apenas quatro meses, já estava a tentar recuperar imagens digitais que subitamente ficaram inacessíveis à leitura. De lá para cá, não fiz outra coisa. Deixei de transferir as imagens das boas cassetes VHS para os dvds, porque recuperar as imagens já transferidas para os Dvds que não se deixam ler tornou-se mais frequente. E o tempo que consome!!

E tudo para quê? Que futuro tem este novo formato que nos impigem agora, ao serem lançados para o mercado tantos aparelhos que funcionam no modo digital? Já se aperceberam da variedade de estirpes digitais que andam por aí, cada uma a querer singrar no mercado mais que a outra? É um vírus! Bem plantado, pois como se perdem as informações armazenadas, há que comprar tudo novamente! De uma fita magnética entretanto mastigada, consigo facilmente recuperar os dados. Pode cair ao chão 30 vezes, estar armazenada por muito tempo, ficar entalada no vídeo ou partir-se, não tem problema: recupero as imagens fácil, fácil. Mas com o digital, o que se perde é para sempre.

E foi assim que já perdi importantes registos da minha vida. No Cd onde com cuidado e por prevenção guardei as fotografias de infância de criança, nos natais filmados que tratei logo de passar para Dvd que agora estão perdidos para sempre. Eis o que o digital me dá: tira-me tudo! Apaga as nossas lembranças mais rapidamente que a velocidade da luz.

Mas não é só o suporte que conspira. São também os aparelhos. O gravador começou a dar sinais de avaria logo após ter sido adquirido. E até conseguir chegar a ele, passei por muito. Passei por uns quatro! Todos me obrigaram a regressar à loja, para pedir a devolução e trazer outro. Penso que o primeiro motivo foi uma má informação do empregado. Procurava um produto com uma certa função. Como as etiquetas de preço não dizem tudo e não deixam uma pessoa passar os olhos pelo manual de instruções, levei o aparelho para casa com base na palavra do empregado da loja. Após montar tudo, estava preparada para começar a trabalhar e… nada. Tive de regressar à loja. O segundo e o terceiro aparelho foram tentativas demoradas, só para os trazer da prateleira para a caixa registadora. Ora os modelos estão esgotados, ora a caixa apresenta sinais evidentes de ter sido mexida. E eis que após muito escolher, é na caixa ao pagar que vejo o tampo do aparelho aberto, e a evidenciar riscos, um dos quais bem grande. Aquele aparelho já tinha sido usado e provavelmente reparado.

Mas não é só comigo que isto acontece. Vejo acontecer sempre com toda a gente. Também com televisores que amigos compraram, de ecrãn plano, para entrarem na modernidade, por exemplo. Um deles avariou após três semanas de uso. O outro, enorme, pesado, chegou a casa do dono e só depois de retirado da caixa é que se viu uma mossa, tão forte, que dobrava para dentro o plástico na largura do meu braço.

As lojas e os fabricantes sabem disto. E não querem saber. Os produtos são devolvidos e recolocados nas prateleiras, sem estarem a 100% em termos de qualidade e são vendidos iguais aos acabados de sair da fábrica. Teria quatro leitores de Dvd em casa, ou melhor, apenas dois, se o terceiro não tivesse avariado ainda dentro da garantia. Mas sem recibo, nada feito. E assim, dois meses de uso, foi o tempo de vida que um aparelho me facultou.

Estamos a ser roubados! Vou gritar! Ai! Porcaria do Digital!!

DADOR DE ÓRGÃOS

RENNDA



Por volta de 1996 tomei consciência de uma mudança significativa numa Lei que nos diz respeito a todos: a colheita de órgãos humanos. Embora a lei tenha sido alterada em Abril de 1993, duvido que a maioria dos Portugueses saiba que, a menos que se pronuncie ao contrário, após a morte será esquartejado como se faz a um animal no matadouro, a fim de lhe ser retirado o maior número de peças reutilizáveis possíveis.

Não queria ser tão gráfica e estabelecer uma comparação de tão mau gosto. Mas assim é. Já o vi em documentários que passaram pouco na televisão e fiquei espantada e angustiada com a quantidade de utilizações post-mortem que o nosso corpo tem. Desde pele, a cabelo para transplante, a qualquer espécie de músculo, a tendões, à córnea ocular, a membros motores como a maioria já conhece, e claro, a órgãos mais interiores como o coração, os rins, um fígado, os pulmões e não sei mais o quê. Será que deixam alguma coisa?

O que me aflige nisto tudo é que, em vida podem não nos dar valor algum. Um indivíduo pode não receber respeito, ser maltratado e viver desalojado. E é na morte que ele se torna valioso.

Quando era criança e até adolescente, esteve sempre nos meus planos tornar-me dadora. Mas quando soube da lei, os meus sentimentos alteraram-se. Não tive dúvidas: ia buscar o tal papel e tornar-me Não Doadora, nem que fosse para depois desmanchar tudo para que a decisão de o SER pertencer a mim e não a mais ninguém.

Muito bem. E onde se obtém esse documento?
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Uma ida casual ao ministério de Educação facultou-me essa informação: um indivíduo tem de fazer comunicar ao Ministério da Saúde a sua intenção, e para tal “basta” fazer uma inscrição num Centro de Saúde ou extensão RENNDA, solicitando um “impresso-tipo” que deve estar “devidamente preenchido”. A RENNDA (Serviço Nacional de Não Dadores) é “um serviço informatizado, onde se encontram todos os que manifestaram junto do Ministério sua total ou parcial indisponibilidade em doar post mortem, certos órgãos ou tecidos” (fonte wikipedia, link: http://pt.wikipedia.org/wiki/Transplantação_de_órgãos)

Vou deixar que reflictam no possível significado, a meu ver dúbio, das palavras destacadas em negrito. Por agora vamos “seguir” os passos de quem está interessado em obter este “impresso-tipo”.

O local, conforme reforça este outro link:
Parece simples. Mas claro, não é.

Por centro de saúde conheço o da minha área de residência e aí, onde nem sequer existe um balcão de atendimento geral, ninguém conhece o que é isso de RENNDA e seu respectivo impresso. Noutra ocasião em que me vi num hospital, decidi procurar informações a respeito do procedimento sobre a doação de órgãos humanos após a morte. Perguntei onde ficava a recepção, já que me encontrava nas urgências. Apontaram para fora do hospital, à direita, ao fundo. Caminhei até chegar ao fim da rua, li todas as placas, mas o mais próximo que cheguei de algum lugar foi da casa mortuária.


E assim, mais de uma década se passou e sou ainda, dadora de órgãos á força. Sou por falta de oportunidade, não por falta de conhecimento. Acredito que muitos desconhecem esta lei. E segundo uma notícia da TSF, no ano em que esta lei entrou em vigor, cerca de 20 mil indivíduos fizeram a sua inscrição. Dez anos depois, em 2004, apenas 64. Não 64 mil, mas apenas 64 indivíduos, menos de uma centena. (link: http://www.tsf.pt/online/vida/interior.asp?id_artigo=TSF155488).


Reforço a noção de que poucos portugueses conhecem esta Lei que dita para que fim se destina os seus corpos mortos. Muitos pensam que nem autopsiados são e que o consentimento da família é fulcral para qualquer intervenção invasiva. Enganam-se.
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Tenho um familiar a ir à faca dentro de dias pela primeira vez na sua vida. Naturalmente, está nervoso com o que desconhece. Calhou ter mencionado que somos todos dadores por lei e este não quis acreditar. Insistiu que o consentimento dos familiares tinha de ser escutado para qualquer procedimento, especialmente este, em que “ele não deu permissão”.


Pois então fica já para se saber: desde 1993 a lei Portuguesa dita que qualquer indivíduo residente em Portugal quando morre é um potencial dador (TSF) e cada pessoa a partir do momento em que nasce adquire este estatuto (Portal da Saúde).


Se tem alguma objecção ou desconforto com esta ideia, tem de se registar no RENNDA. Para tal dirige-se a um qualquer centro de saúde apenas com o seu Bilhete de Identidade. O documento não tem qualquer custo. Lhe será entregue o impresso tipo, que tem somente de preencher e que pode entregar nesse mesmo posto de Saúde.


Simples, mas cruze os dedos e faça figas. Para que consiga os seus intuitos com a facilidade descrita.
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É que não só o seu centro de Saúde pode nem saber do que está a falar, como o historial português de tudo o que respeita a serviços simples, mas burocráticos, tem a fama que tem porque a merece. Se tivesse de apostar, diria que as pessoas que contactar, desconhecem o paradeiro desse impressso-tipo e estão mal informadas para prestar informações. O melhor a fazer é se certificar que o documento chega mesmo ao Ministério da Saúde, e faça por confirmar se os dados facultados no papel são os mesmos que constam no sistema informático. Quem a/o atender irá com certeza negar-se a isso ou mostrará indisponibilidade e antipatia por tal lhe ser pedido. Tome a iniciativa de fazer a sua própria cópia do documento e guarde-a. Não é necessário um cartão de Não Dador mas, como os sistemas informáticos e os erros humanos acontecem, peça-o á mesma. E prepare-se para enfrentar possíveis juízos de valor, pois aparecem sempre pessoas ávidas para realizar criticas. Podem não ter tido um único gesto altruísta em vida mas acham que o vão ter na morte, e isso lhes dá o direito de julgar a decisão alheia sobre o direito à identidade.


Já não parece tão simples…


O OUTRO LADO DA QUESTÃO

É claro que, por detrás da questão da obrigatoriedade portuguesa de dadores de órgãos, está PORQUÊ estes fazem falta.


Quando reflectimos que existem pessoas necessitadas, o estar em desacordo com o ser dador não nos faz sentir totalmente bem. Afinal, já estamos mortos. Será que faz diferença? Dizem que não se sente nada. O corpo é um casulo em decomposição. Mais vale aproveitar algumas peças para alguém viver mais alguns anos.


Sobre isto, cada um sabe por si.


Outra razão apontada para esta mudança de lei é o tráfego e o mercado negro de órgãos. E aqui já tenho muitos mais dados a dizer sobre a questão!


Ao que parece, nunca deixou de existir escassez para a quantidade de procura. Ou seja: a quantidade de mortos dadores é muito inferior à quantidade de pessoas necessitadas. Até porque temos outros factores a ajudar para que este prato da balança sofra uma maior inclinação: as pessoas estão mais expostas à poluição, a medicina chegou mais longe e é hoje capaz de mais feitos, pois no passado um doente estaria simplesmente condenado a vir a falecer. As pessoas são também mais sedentárias e abusam dos limites. Quem fuma, quem bebe e quem vive em atmosferas que sabe lhe serem nocivas e continua a ter estes comportamentos de risto até lhes doer.


Lamento que na televisão não passem mais documentários e notícias sobre este tema. Mas vou deixar aqui escrito, tudo o que já ouvi falar a respeito de transplantes, transplantados, colheita de órgãos, tráfego e dadores. Vai surpreender-se! Alguma desta informação fez com que repensasse tudo.


Por onde começar?! Há tanto para se dizer!


Vou começar pelo meu princípio: pelo xenostransplante e pela mecânica.


A necessidade humana de substituir órgãos defeituosos por outros ou outra coisa que os ponha a funcionar, é uma necessidade antiga, sobre a qual muitos estudiosos e cientistas se debruçaram. O primeiro transplante de coração humano foi feito em 1967, antes do homem pisar a lua. Mas mesmo antes muitas outras experiências foram efectuadas. Uma delas foi a possibilidade de órgãos de animais poderem fazer a vez de um órgão humano. A ciência centrou-se no porco, por ser um animal com a fisiologia mais semelhante à do ser humano. Chegou-se a fazer transplantes e a acreditar no sucesso desta técnica. Desconheço agora os pormenores mas existem ou existiram pessoas cujo coração ou outro órgão no seu corpo não era mais o seu, mas o de um animal.


Outro caminho a seguir será o uso de aparelhos mecânicos que consigam reproduzir as funções dos órgãos a morrer. Devo dizer que é neste ponto que sinto um tanto de revolta. Pelo que consegui compreender através da informação a que fui submetida, esta possibilidade é a melhor escolha possível. Não compreendo porquê não existem mais avanços nesta área.
A inserção de aparelhos mecânicos seria uma mais-valia em todos os aspectos da vida humana. Primeiro que tudo, terminava com o tráfego.
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Por todo o mundo mas principalmente nos países muito pobres, são cometidos rituais macabros de pura violação aos direitos humanos. Tudo porque um órgão vale mais que ouro no mercado negro.


Um indivíduo de recursos de um país desenvolvido, se souber que consegue um órgão no mercado negro, aproveita as brechas da legislação, viaja para ser operado num terceiro mundo qualquer e regressa ao seu país, num estado de saúde que não experimentava à muito. Para tal só teve de fechar os olhos à forma como obteve de novo a dádiva da vida. Claro que o desejo é legítimo, mas a forma como muitas vezes se concretiza, é terrível. Prova que quem tem dinheiro compra tudo. Inclusive a vida de meninas que são assassinadas para extracção de órgãos ou de homens e mulheres que acordam com uma misteriosa incisão lateral por lhes ter sido removido um rim enquanto estavam desacordados. Existe também o caso de a extrema pobreza levar uma mulher, por exemplo, na Índia, a vender o seu próprio rim por uma ninharia e depois, sente-se sem energia para continuar a levar a vida dura que sempre levou ou lidar com efeitos secundários que desconhecia poderem existir.
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Na América foi perguntado a um casal a quem o filho recém-nascido acabara por falecer, se autorizava a doação de órgãos. O casal reflectiu e decidiu que gostaria de enterrar o bebé inteiro na terra. Passados dois meses receberam uma conta do hospital. Nessa factura vinha um extracto de quatro páginas, indicando detalhadamente cada intém retirado ao corpo daquela criança. Os pais ficaram horrorizados.


Por tudo isto e mais, não entendo porquê não se investe no uso e estudo de órgãos mecânicos. Serão as questões económicas que ditam estas escolhas?


Um indivíduo transplantado compra também uma despesa vitalícia na farmácia. É grande e dispendiosa a quantidade de fármacos que um indivíduo tem de tomar para levar o seu organismo a aceitar aquele órgão que não lhe pertencia a trabalhar para si. E por maior sucesso que a cirurgia prometa ser, a esperança média de vida é sempre um risco, uma incógnita. Tanto pode ter “comprado” ao tempo mais dois anos, como trinta. E durante esse período a indústria farmacêutica tem um cliente que a ela recorrerá todos os dias. O transplantado é co-dependente de fármacos.


Depois, infelizmente, vêm aqueles que vou chamar de (e desde já peço desculpas se ferir susceptibilidades) “transplantados ingratos”. Trata-se, a título de exemplo, dos indivíduos que não tomam as devidas precauções após o transplante. Como é o caso de um senhor que vi numa peça exibida pela Sic. Este português recebera um transplante duplo de pulmão (irei confirmar se foi mesmo de pulmões). Por causa do transplante, o indivíduo tinha de usar máscara devido ás impurezas no ar. Outra coisa que ele não podia fazer, era dedicar-se ao seu hobbie favorito: criação de pombos. É sabido que os pombos e as suas fezes são do pior que existe para a saúde humana. Mas este indivíduo gosta demais dessa parte da sua vida para prescindir da satisfação que cuidar dos pombos lhe traz. Acontece que não existem tantos pulmões assim, para quem os receber poder arriscar-se a perdê-los. Ao menos assim me parece, que há algo de errado nestes casos.


São muitos os riscos, poucas as garantias, e muitas as incógnitas. Gostaria que esta fosse uma área onde se pisasse solo mais firme e, por isso, estou a torcer para que os interesses mudem e se passe a considerar mesmo a sério, o fim do recurso a órgãos humanos em substituição de outros e se passe a olhar em frente, em direcção á tecnologia. Em laboratório já se consegue muita coisa: fazer pele artificial, cultivar células, moldar uma orelha e criá-la em pele. Porquê não ir mais longe? Afinal, a lua, os planetas e todo o mistério, está dentro de nós.
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Tanto assim é que afloro agora outro assunto mais transcendente sobre a transplantação de órgãos humanos: a transferência.
.Tenho gravado algures um documentário sobre pessoas transplantadas que começaram a ter sonhos, visões e emoções após o transplante. Vieram a descobrir que nos sonhos escutavam o nome do indivíduo cujo órgão possuíam agora. Em sonhos viam-lhe o rosto. Os desejos mudaram para ficarem de acordo com os do falecido dador. Acredite quem quiser. Eu acredito. Há mais mistérios entre a terra e o céu... já se diz.
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Mas não é mistério. É energia. O homem não compreende totalmente a energia. Já Heinstein e outros fizeram as suas tentativas.
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Em Portugal tudo é anónimo. O dador é anónimo, a identidade do receptor também. Sou contra o anonimato. Acho que uma família que sabe que um órgão de um ente querido, por sua vontade, estaria destinado a ajudar a viver uma outra pessoa, tem o direito de saber para onde foi e para quem. Eu quereria saber, embora não queira agora me imaginar a passar por isso. Mas eu ia querer saber se foi para a China, para o Tibete, para o Alentejo, para homem ou para mulher, para menina ou menino, com que idade, com que estilo de vida. Acho bem, acho de direito.
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Termino com o pensamento naqueles que vivem uma realidade que pessoalmente desconheço e espero nunca vir a conhecer. A todos aqueles que neste instante vivem esta situação na primeira pessoa, desejo tudo de bom e mais ainda.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

O LUTO

AS VIÚVAS

Já não se vêm mais por aí: mulheres de idade vestidas de negro, de saias e lenço na cabeça, que povoavam as cidades como Lisboa. Morreram as viúvas.

Estas mulheres vestiam-se de negro após lhes falecer o marido e não trajavam outras vestes até elas mesmas verem a sua altura chegar.
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Simpatizava bastante com as mulheres de traje negro. A minha avó era uma viúva de marido vivo. Vestia-se de negro mesmo antes deste falecer, e assim permaneceu até o seu último suspiro. Eram talvez mulheres despojadas das vaidades que hoje vemos por aí. E se olhassem para o seus rostos, talvez reparassem o mesmo que eu: eram mulheres lindas.

Hoje já não se usa o luto. Não nas vestes. Mas sabem? Acho que se devia.

O luto é um sentimento de sofrimento que carregamos pela recente perca de um ente próximo. Antigamente usava-se, além do traje escuro, a fita negra no braço dos homens. Esta era removida pouco tempo depois mas, tradicionalmente, o luto devia permanecer nas vestes por um ano.

A primeira vez que me vesti toda de negro, desejo que acalentava à algum tempo, foi no meu 14º aniversário. Apenas há 15 anos atrás talvez, mas ainda assim todos me interrogaram: "Morreu alguém?" - "Não!" - respondi eu umas tantas vezes. "Apenas estou vestida de preto".

Surpreendeu-me nessa altura que uma pessoa não pudesse estar vestida de negro, que se assumia que era luto. Estavamos nos anos 90... uma professora espantada disse-me que era incomum por ser jovem. Aparentemente, jovens de 14 anos vestidos de preto só podiam estar vestidos assim em sinal de luto ou se calhar, por terem algum problema emocional profundo.

Penso que as mulheres de negro que povoavam as ruas de Lisboa e desapareceram há quase uma década, eram mulheres que carregavam as suas tradições. Mulheres criadas ou nascidas na província, vindas do norte, que davam mais valor ao sentimento que à vaidade. Antes delas, outras mulheres se vestiam de negro. Era assim e assim o faziam.

Hoje nada é assim. Nada relacionado com a morte é igual. Tudo mudou, mas não para melhor. Hoje tem-se mais receio, mais desconhecimento do que é morrer e o que é um cadáver. Quase que temos medo. Antigamente não. Mas este será um próximo tópico: a morte!

Porquê acho que o luto das roupas devia ser (também) usado e não esquecido? Porque ele é um símbolo, que revela a estranhos o momento pelo qual estamos a passar.
Porque avisa as pessoas que há que demonstrar um pouco de respeito pela dor.

Quantas vezes não estamos nós num dos momentos mais difíceis da nossa vida, vamos para as ruas, vemos todas aquelas pessoas a circular, a luz maravilhosa, o céu azul e pensamos: "Se soubessem! Como pode o dia estar tão lindo e eu a sofrer tanto"?

O luto é um pouco isso. É dizer sem falar que estamos a sofrer. É pedir respeito quando hoje este já não é dado. Porquê temos de estar a chorar para que estranhos se apercebam que sofremos? Porquê só o choro é capaz de alertar a solidariedade das almas alheias?

Isto partindo do pressuposto que ainda existem muitas almas solidárias. O que vi na minha geração a crescer foi miúdos cruéis, que gozavam com quem se mostrava vulnerável e ainda se punham a fazer intrigas. Solidariedade para com um estranho ou mesmo amigo? Onde anda?

Nos meus momentos de luto, não disse a ninguém pelo que passava. Sou introspectiva, tenho esse defeito. E assim, sofrendo em silêncio, algumas pessoas mais afastadas me achavam estranha nesses intantes. Desconhecendo a perca pela qual acabara de passar. Talvez devesse andar de luto, para dizer o que tinha de dizer, sem falar.