Quando ingressei no mercado de trabalho senti quase de imediato dificuldade. Antes mesmo do contrato de trabalho acontecer, disponível apenas fora da área de formação, primeiro surgiram os ditos "estágios". A grande maioria não remunerados ou apenas fornecendo despesas de deslocação. Estes estágios de poucos meses eram largamente praticados pela maioria das empresas na área, que assim beneficiavam dos conhecimentos frescos e recentes dos jovens a preço de nada. A "experiência" obtida pelo estagiário - muitas vezes de pouca relevância prática - foi a cenoura apresentada diante dos seus olhos. No final do tempo de estágio, o estagiário sabia que ali a sua estada ia terminar, pois ficava mais económico para a empresa colocar um outro estagiário nas mesmas precárias condições e assim continuar a usufruir de matéria prima jovem, motivada e com ideias novas, a custo zero.
Os estágios foram outra forma de adiar o óbvio da crise que viria claramente a assolar esta primeira razia de juventude formada no ensino superior, pós 25 de Abril. Eles adiavam a constatação de que o volume de emprego não suportava a quantidade da procura. Principalmente a procura qualificada. As universidades estavam a formar jovens que não teriam espaço no mercado laboral. Mas enquanto isso, adiava-se a fácil constatação do problema, visto que uma licenciatura durava seguramente cinco anos. Cinco anos de contribuições de propinas e despesas relacionadas com o investimento.
Quando comecei a trabalhar, antes mesmo até, estava cheia de energia, de vontade, cheia de capacidade para trabalhar muito. E já tinha uma boa noção no que me ia meter e como as coisas funcionam. Não era ignorante, embora fosse ingénua mas mais por ter bom coração e ser no fundo uma pessoa idealista do que por ignorar o que me rodeia. O que mais queria era começar a trabalhar e nunca mais terminar. Fazer os meus descontos religiosamente e o quanto antes, para garantir alguma segurança na velhice.
Mas os primeiros anos foram decepcionantes na medida em que os empregos surgiram intercalados por meses sem emprego. Os contratos de trabalho precários, a prazo, que ditavam que ao fim de "X" tempo ias embora. Os empregos obtidos através de empresas de contrato de trabalho temporário. Ninguém contratava diretamente, ninguém oferecia boas condições de remuneração, todos exigiam horas extra gratuítas. Fui para o estrangeiro, por gostar da função, mas também ela era temporária. Quis ficar por lá, mas a família fez-me voltar. Retomei a procura por emprego. Nada fácil. E assim se passaram os primeiros cinco anos, depois os primeiros dez. Empregos precários, intercalados por períodos de desemprego. Os tais descontos que queria fazer são hoje uma realidade distante. Descontei tanto quanto não descontei. Não por vontade, mas por circunstância. Não vou poder contar com a segurança dos descontos para assegurar a velhice. Isso me preocupa mas já o constatei como uma realidade dura que aí vem. E toda a velhice merece ser assegurada financeiramente. Era jovem e já a pensar na velhice, mas de pouco me serviu. Quando oiço meus pais e outros como eles a refilar pelos cortes nas suas pensões, a falar das dificuldades económicas, mas com tecto e meios de subsistência minimamente aceitáveis, fico a pensar para comigo se percebem a sorte que têm. Porque apesar de tudo, a velhice deles está garantida e a vida está assegurada. Têm pensão, coisa que eu não vou ter. Direitos de assistência médica especiais devido à anterior função de um dos conjugues. Eu e tantos outros não vamos chegar à velhice com nada disso.
Já nem penso tanto no futuro. De pouco me adiantou. Nem no presente. Vai-se indo.... A enorme força motriz que me inundava o peito foi totalmente desperdiçada em tentativas e mais tentativas. Tenho plena consciência de que muita boa energia é desperdiçada por este país, que levianamente deixa escapar jovens extremamente capazes, produtivos e com grande vontade de trabalhar. E quando tanta coisa é desperdiçada, e outra tanta tão mal feita ou dificultada, não se agoira nada com optimismo. E na verdade, não se deve olhar mesmo. Mas uma coisa eu sei: é vital uns ampararem os outros. E embora gostasse de ser eu aquela que virá a ter capacidade suficiente para se aguentar e ainda auxiliar quem precise, provavelmente vou pertencer à categoria de pessoas com uma certa idade que precisam de ajudas. E infelizmente terá de ser assim. No passado amparamos os nossos idosos com reformas acima das suas contribuições. Baixas é certo, para o nível de vida, mas altas para as próprias contribuições, curtas no tempo devido ao desconto tardio ou outras falcatruas da altura, pois tudo isto chegou depois do 25 de Abril, após uma vida inteira de trabalho que não foi contabilizado. Isto eu sei: temos todos de ser uns pelos outros, para que a malha da sociedade não colapse. Se isso vai colocar mais peso sobre os ombros dos nossos filhos, é algo que se tem de acatar. Se será sobre o peso dos nossos idosos, terá de se acatar. Não se pode é deixar cair a malha social, para o buraco fundo que é a pobreza e a miséria, do qual uma vez lá dentro dificilmente se consegue recuperar. E é por isso que trabalhamos.