terça-feira, 24 de setembro de 2013

Jorge Jesus é crucificado

Ontem vi um filme excelente na televisão. Chama-se Crimes Pensados*. Pensei cá para comigo que dificilmente se vê um filme assim. Um filme de origem americana que mostra decisões políticas, decisões sociais e comportamentos individuais e de massas e neles expõe a reflexão e a clareza como poucos o conseguem fazer. É um filme que não mostra as coisas pelo habitual filtro patriótico que eleva toda e qualquer decisão americana ao heroísmo. Não justifica ou desculpa nada. Fala de liberdade colectiva e individual, de direitos e de ameaças. E aborda o pânico colectivo, o histerismo e as posições extremistas ou radicais.

E é por esse lado que vou abordar a notícia que hoje vi na TV sobre a suposta agressão de Jorge Jesus (treinador do Benfica) à polícia. Na realidade o que me chamou a atenção no noticiário da TVI foi o pivot ter dito:
-"Na opinião de X, Jorge Sampaio devia ter sido logo preso".

Say What??
Onde andei eu e o que aconteceu durante a madrugada para estarem a noticiar que um ex-presidente da República merecia ter sido logo preso?

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Naturalmente foi uma gaffe do pivot. Mas foi preciso passar a notícia para se perceber que se tratava de Jorge Jesus e não o outro Jorge. Entra a VT e vejo imagens num campo de futebol de um monte de gente a segurar alguém pelo braço e um outro a fazer aquele gesto reflexivo de afastar quem está a prender e torcer o braço de outro. Depois vejo esse alguém a ser puxado por três silhuetas com dizeres "Polícia" nas costas. E de seguida entra um debate onde um comentador desportista defende "a fogueira", por assim dizer, como castigo para o herege. Vem outro e diz que não aconteceu nada demais e nenhum radicalismo deve ser aplicado.

E então o filme que vi de véspera voltou à lembrança. Que belo filme!

É que nele fica claro que existem pessoas que optam por usar certas situações de equívoco como pretexto para destilarem o seu ódio e incitarem a prática colectiva do histerismo. Pessoas que não são capazes de agir com isenção e imparcialidade. Que preferem puxar um dos lados da venda da Senhora Justiça para incitar à violência, ao ódio, ao fanatismo. 

Para uma sociedade como a nossa, que faz pouco tempo que saiu de um regime político opressor, tal uso da liberdade me deprime. Ainda bem que hoje temos esta liberdade, de poder criticar tudo e todos. De poder ir contra as decisões daqueles que nos governam e poder dizê-lo como de direito. Ou poder fazer o contrário. Temos direito ao pensamento livre. Mas a leviandade com que alguns tratam esta liberdade que não foi por mim conquistada já que nela já nasci, mas que outros tiveram de conquistar por mim, é algo que me entristece. 

No entanto sinto que todos os dias "lutamos" para ter e manter essa liberdade. Porque tem de se falar e expor as injustiças. Porque todos os dias, em diversas situações quotidianas tantas vezes nos confrontamos com situações que trazem à tona as noções mais básicas de direito, justiça e liberdade. 

No filme, tal como nesta situação futebolística, uma acção artística que causou polémica foi tratada como um acto de terrorismo e um dos ambiciosos policiais queria fazer daquele caso um exemplo para não se brincar com coisas sérias. Ao mesmo tempo, se isso lhe fosse útil para ser promovido, seria óptimo. A punição para o artista devia ser severa, com um máximo até 20 anos de cadeia para assim dissuadir outros artistas de proceder com igual ousadia. Um outro policial e seu superior defendia que o histerismo não é bom concelheiro e que não existiu intenção de causar dano. Abordou a carta da primeira ementa, o outro praticamente defecou nela. Enfim, vejam o filme que vão entender melhor.

A questão aqui, comparativamente à notícia sobre a agressão de Jorge Jesus, (que meus olhos não viram) é que percebe-se que alguns estão a se aproveitar de uma situação perfeitamente inocente e que surge de um equívoco para despoletar conflitos e polémicas. Que mau uso para a liberdade! Mas enfim, têm direito a ela e isso é que é o melhor de tudo. Mas deviam polvilhá-la com bom senso. O que tantas vezes falta. Ao invés de, neste caso, tentar incendiar ainda mais as coisas, como um tal de Nero fez a Roma e dizer que foram os cristãos... Tirando proveito do fanatismo do futebol e do clubismo. E seguem a exigir acções extremas de punição e multa sobre algo que não tem qualquer gravidade. 

De um grão de areia querem fazer uma montanha, entendem? Tudo porque desgostam de uma pessoa. Mas DESGOSTAR de alguém não nos deve privar do nosso sentido de justiça

O filme abordava isto muito bem, através de um suposto pedófilo. JULGAR antes mesmo de dar oportunidade de um julgamento honesto. Passar logo uma sentença sem antes conhecer bem os factos. É a precipitação para a acção, o sensacionalismo e o radicalismo. Atitudes tão contrárias a uma sociedade justa e tão mais adequadas a regimes opressores como o comunista na China, o ditador da Coreia do Norte, os dois pesos duas medidas das sociedades praticantes de diferentes direitos sociais entre seres humanos baseados apenas no estatuto ou no sexo, etc.

Não é por esse caminho que queremos rumar, pois não?


Veio-me à lembrança o tal cartaz autárquico que trazia na imagem uma jovem toda produzida, com roupa, maquilhagem e cabelo pouco comuns de se verem em cartazes políticos mas habituais para festas. E pergunto-me até agora porquê algumas pessoas subtraíram esse cartaz de blogues e páginas criadas sobre cartazes? (além da ameaça de processo judicial da visada). É que uma coisa é a difamação - coisa que o cartaz não pratica, outra é a liberdade de informação. Como pode uma página de "tesourinhos autárquicos" cujo âmago de criação é abordar todo e qualquer cartaz político excluir um como se nunca tivesse existido? 

A LIBERDADE e o DIREITO do cartaz existir deve ser mantida. Não ocultado como se nunca tivesse ocorrido. Isso é opressor porque ele não era ofensivo nem atentou contra ninguém. Fez parte da história destas eleições e como tal merece estar numa página como todos os outros. O que impede agora que outros não exigem também a remoção dos seus cartazes, caso achem que não ficaram bem vistos na fotografia? A acção de remoção como que a passar uma borracha abre um precedente que legitima a que qualquer outro que se ache prejudicado por um cartaz exija o mesmo direito à remoção. E havendo um precedente automaticamente a sua alegação tem legitimidade. Não é isso uma manipulação? É. Porque remove um pedaço da verdade. O problema existiu, o cartaz existiu e alguns comentários depreciativos foram feitos. A questão não é o cartaz, é o tal uso da liberdade com excesso de libertinagem. Mas o cartaz por direito pertence ao mesmo lugar que todos os outros. 

A liberdade é um bem precioso. A igualdade é um direito precioso. A justiça é outro direito precioso. Muitos não vivem nenhuma destas dádivas como deviam vivê-las por este mundo a fora. Digam o que disserem, é uma enorme bênção esta que nos trouxe a revolução dos cravos. 


*Strip Search, no original, do director, escritor e actor Sidney Lumet

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