segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Cortesia condicionada


Ela transformou-me numa pessoa aparentemente mais fria. Mudou os meus hábitos, o que seria de minha natureza fazer, caso ela não andasse por perto. 

Uma coisa que me dá prazer, é partilhar comida com outras pessoas. Não sei porquê, mas gosto. Se tiver a sobrar, ou não tiver mas for o suficiente para duas pessoas, ou se der para dividir um donut que seja... dá-me prazer fazê-lo. Está na minha natureza oferecer. Somente isso. Não faço alarido, não acho que seja um gesto especial. Somente faço-o, por me ser espontâneo.

Mas quando vim para esta casa, todas as minhas ofertas foram sistematicamente recusadas. Fosse eu a cozinhar, fosse comprado já feito, fosse em alimento ainda cru, vegetal ou fruto - recusado, recusado, recusado!


Não demorou muito para perceber (se acham que seis meses é pouco) que o problema não era eu não acertar com os gostos individuais de cada um, e oferecer sempre algo que não apreciam. Nem era oferecer na altura em que já estavam satisfeitos, de estômago cheio - porque a maioria das vezes ainda estavam por se alimentar.

Demorou a perceber que implicavam com a autora da oferta. E por isso nunca aceitaram nada do que lhes ofereci. As únicas pessoas a fazê-lo, foram o senhorio e a rapariga grega. Pessoas normais, com atitudes normais. A africana - bem que tentei, mas ela foi rapidamente «convertida» a adoptar o comportamento dos outros. Já maldizia os meus cozinhados antes mesmo de os provar. Lembro-me que na sua segunda noite na casa, disse-me que estava cheia de fome e que não tinha nada para comer, ofereci-lhe pizza. Ela, que ainda estava a "apalpar" terreno, não sabendo ainda quem era quem dentro da casa, aceitou. Minutos depois, a pizza que lhe dei ficou onde a deixou. Deve ter ido para o lixo. O rapaz rei-da-casa bate-lhe à porta para chamá-la para comer pizza com eles. Eu? O meu «convite» ficou extraviado no «correio», que é por onde o remeteram desde o início.

Porquê esta distinção de comportamento? Não sei. Não tem motivo, realmente. Nenhum. Demorei a percebê-lo, mas detectei os sinais de má vontade e implicância quase de imediato. Só que os ignorei, achando que era«impressão minha». Acho que lhes bastou olhar para a minha cara e foi aí que decidiram: esta, eu não gosto. 

Isso, e desejarem viver numa casa exclusiva para italianos e eu atrapalhei-lhe os planos. Era tarde demais para realizar esse desejo por o senhorio ter-me dado o quarto. Só depois o rei-da-casa chegou e impôs as suas regras.

Geralmente, quem ditava as atitudes era o rei-da-casa. Esse é que tentava logo tirar um raio-x da pessoa e depois comunicava aos restantes se estava "aprovada" ou não. Quando o conheci, ofereceu-me cerveja. Recusei, dizendo que não bebia «beer». Perguntou-me se não bebia álcool de todo, com aquela expressão de espanto que hoje em dia parece estar em voga fazer. (Hoje em dia é pecado não beber álcool e ser virgem ou ter comportamentos de abstémia). Respondi que bebia, mas não era muito de beber. Ele fez uma expressão de reprovação, mal disfarçada. No dia seguinte, voltou a oferecer-me cerveja. Como se fosse um segundo teste, no qual teria sido aprovada, caso aceitasse. Não aceitei - simplesmente porque não bebo daquilo. Aos poucos - sem que tenha demorado mais que uns dias, senti que não estava a ser realmente aceite. Sabem quando falam contigo com cerimónia, ou não têm interesse de todo? Tentas iniciar uma conversa e recebes monossílabos, seguidos de mudança de receptor da mensagem?


E gradualmente, fui percebendo que os jantares, almoços, docinhos, bolinhos feitos no forno, pizzas italianas caseiras, os lugares postos na mesa, a troca de mensagens - tudo isso que era partilhado com outros, nunca me era oferecido. Andava eu a oferecer-lhes TUDO, e eles, recusando tudo e não retribuindo o gesto de oferta com nada.

O rapaz até foi mais longe: disse-me que ia fazer uma pizza um desses dias, para eu provar. Vi-lo fazer muitas - ou melhor, fingir que fazia porque a mais-gorda é que é a cozinheira do grupo e nunca que qualquer um deles estendeu-me um convite para degustação. Tão ao contrário da minha natureza! 

Quase um ano depois, quando a rapariga africana veio para cá morar (muito graças ao meu pedido de ter alguém com quem pudesse falar inglês, já que todos eles falavam italiano e não me incluíam nas conversas ou convívios), no primeiro dia ele logo lhe disse que ia fazer-lhe pizza. Foi ela que me contou, incluindo-me no grupo, o que estranhei. Até lhe confidenciei que ele disse-me o mesmo mas ainda estava à espera. E depois sucedeu-se o que descrevi seis parágrafos acima deste. 


Isto tudo para confidenciar que me tem custado - muito - não oferecer nada. Já cozinho só para mim, mesmo quando estou cheia de vontade de partilhar o que vou fazer com alguém, «engulo» a pergunta "Queres?". 

Habituei-me a ter esta postura e não posso dizer que me agrade. Tenho-a aqui, com esta gente. Com outros, volto a ser eu mesma. Mas se calhar, nem sempre. Ontem repreendi-me porque senti vontade de oferecer comida ao senhorio e a um rapaz que cá têm estado a fazer obras na casa. Mas não o fiz, porque a mais-gorda estava por perto. Por mim, cozinhava algo rapidamente, e eles comiam rapidamente, sentados na mesa. Mas com ela ali na sala, a impor a sua presença como habitualmente faz todo o fim-de-semana... Sabendo eu que se acha dona do espaço e detesta ver outros a usufruir do mesmo e nisso quebrar-lhe a rotina, nada fiz. Faria, se ela não estivesse presente. Mesmo com os outros por perto, talvez oferecesse. Com ela... não.

Não me sinto confortável com ela por cá. Consigo sentir a sua energia de ódio, às vezes vibrando com tanta intensidade!! Nem sei como é possível outras pessoas não o perceberem.

Vim agora das compras e trouxe dois donuts de chocolate. Abri um para comer, o outro... para quê o ia guardar? Ofereci-o ao senhorio. 


Este já tinha demonstrado «curiosidade» pelo cheiro que saía do forno, onde a mais-gorda decidiu fazer um bolo. (cheio de aroma artificial a baunilha). E brincou se estava a fazê-lo para lho oferecer. De seguida perguntou se o fazia para levar para o emprego. Respondeu-lhe que era para ficar em casa. Ele voltou a brincar que o ia comer. Claro que, agora, ela vai ter de se armar em boazinha e lho oferecer. Mas sei que não o faria sem ser por se sentir obrigada ou então, por cair bem, para ficar nas boas-graças. Quer mais é vê-lo fora daqui o mais rapido possível. Portanto, jamais lhe ia oferecer bolo porque isso significa aumentar a sua permanência na casa. Mas ele praticamente convidou-se e ela percebeu que tinha de o fazer. Nunca que me ofereceu a provar nenhum dos bolos que faz. Mas oferecia-os aos outros. Assim que entravam pela porta. 

Isso não me incomoda mas acho surpreendente. Como pode uma pessoa auto-proclamar-se de bem educada, vinda de um povo que gosta e sabe bem receber, e comportar-se desta maneira?

Chiça!!
Então quando vir o que é bem-receber tuga vai auto-flagelar-se de vergonha e arrependimento.

Sejam felizes. 

2 comentários:

  1. Não percebo como consegue viver nesse ambiente durante tanto tempo..diz que não a afecta mas o que é verdade é que está obsecada com a indiferença que os outros lhe mostram!
    Saia o mais depressa possível dessa casa pois acho que essa situação até já está a prejudicar os seus relacionamentos no trabalho
    A vida é curta...não sofra com mesquinhices

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    1. Obrigada pela sua preocupação. Mas agora estou melhor. Antes eram todos, como uma unidade. Agora só me resta um. Os outros não são tão maus, mas são influenciáveis. Sinto-me vitoriosa. Sobrevivi e vou dar a volta por cima. Se não fosse ali seria noutro lugar. É tudo igual. Agora já tenho conversas com alguém lá dentro. Chegou a existir uma altura, primavera e verão, que nem um cumprimento recebia. Por isso, resiliência deu já alguns frutos
      E as máscaras hão de cair. Bjs.

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