O meu espírito está a sentir falta de trabalhar num ambiente mais requintado.
Não sou nem nunca fui uma pessoa de fazer distinções entre as outras. A prova é que tanto trabalho com uns, quanto com outros, sem me lamentar constantemente e sem me vangloriar para uns e outros dos feitos do passado ou das conquistas de vida. Lá porque sinto falta de um outro tipo de ambiente, isso não me faz pedante - caso alguns já estejam a pressupor esse defeito.
Trabalho rodeada de todo o género de pessoas - o que adoro. Em comum temos o facto de sermos todos emigrantes e de nos sujeitar-mos aos empregos com mais procura - os não qualificados.
Mas depois existem, aqui e ali, algumas diferenças. A maioria daqueles que me cercam têm pouca instrução. Ninguém ali estudou até obter um curso superior, muitos nem chegaram a completar o 7º ano.
Sempre admirei pessoas mais velhas que, não tendo tido a chance de se instruírem, não deixavam por isso de possuir sabedoria de vida, que sabiam usar como ninguém. Mesmo pouco instruídas, auto-instruíram-se da melhor maneira possível. Essa constatação precoce fez com que não desse grande importância à instrução de cada um.
Portanto, não será, decerto, a falta de instrução que me abala. O que mais me incomoda é quando, aliado a esse detalhe vem uma certa falta de educação e maldade de pessoa que gosta de prejudicar os outros como modo de vida.
As tais pessoas pouco instruídas que mencionei admirar, podiam não ter frequentado a escola, mas não deixaram de ser criadas com valores. Receberam educação, conceito de boas maneiras, de responsabilidade, de consequências dos seus actos. Noções de ajuda ao próximo, de solidariedade, de luta.
Mas estas a quem estou a tentar fazer referência não fazem parte da mesma estirpe. É outro tipo de falta de instrução. Diria até que esta é um detalhe que palidamente têm em comum, porque o que mais carenciam é exatamente dos valores, da educação.
Se antes a escolaridade não estava ao alcance dos pobres, hoje ela está. E tornou-se obrigatória, a pretexto de se combater a desanalfabetização. Mas nunca antes como agora existiram tantos jovens a fazer pouco caso dela. Algo que já me incomodava constatar aquando andava nos bancos de escola. Como tantos se queixavam, se lamentavam, se auto-prejudicavam, repetindo a ladaínha de que os estudos «não serviam para nada», queriam era trabalhar para «ganhar dinheiro» e que estudar era uma «perda de tempo».
Portanto, muitos daqueles que não têm instrução devem esse facto não tanto às más condições de vida, quanto à própria pouca vontade de se instruírem. Depois crescem, trabalham e lamentam-se. Alguns, os de boa índole, não se tornam vingativos e maliciosos. Aceitam os limões da vida e fazem limonada. Outros, procuram somente atirar os limões para o quintal dos outros.
Bom, mas tudo isto para desabafar que estou cansada de trabalhar num ambiente onde todas as frases que certas pessoas dizem incluem a expressão «foda-se caralho». Sim, estou no UK mas trabalho com alguns portugueses e até os ingleses, por sua vez, só querem aprender palavrões em Português. Então, quando se reúne uma certa equipa, passam-se os dias de trabalho inteiros a escutar palavrões. Nove horas de trabalho sempre com os «foda-se caralho» a soar nos ouvidos. Quer se goste, quer não.
E é essa «pobreza» que o meu espírito lamenta.
Ele sente falta de um contra-balanço.
Já noutra ocasião no passado, senti a mesma falta. Posso até dizer que estava totalmente deslocada daquele ambiente. Trabalhava em portugal, mas com muitos emigrantes ou descendentes, na sua maioria cabo verdianos ou angolanos. Ou seja, pessoas que, tal como eu, foram para outro país à procura de melhor condições de vida. Porém, pouco instruídas. Mais uma vez, o problema não estava tanto aí tanto quanto estava na má educação. Não de todos porque, felizmente, existem sempre excepções. Mas uma maioria também só sabia estar no ambiente de trabalho a perseguir os outros, a ter como objectivo o confronto, o destrato... enfim. Uma total falta de educação, uma carência de instrução, porque só esta, tanta vez, nos faz perceber a outra...
Quando terminei nesse emprego decidi meter-me noutra coisa totalmente diferente. E de uma «fábrica» passei para um escritório de uma multinacional. Bem, o que dizer? Acabaram-se os palavrões. Se fossem ditos, estavam contextualizados e justificados. Não eram gratuitos. E até hoje recordo com saudade que uma das circunstâncias que mais me agradou - os homens a dar prioridade às senhoras na altura de entrar no elevador. Ver as pessoas a cumprimentarem-se educadamente, os homens a dar prioridade às senhoras ao se aproximarem de portas, o segurarem a dita para que estas pudessem passar. Estes pequenos gestos de cortesia e boa educação. Que eu tenho, mas não recebo. Estava então tão precisada de os ter à minha volta!