Não conheço o Japão mas é uma cultura que gostaria de presenciar no local desde que me conheço como gente, aos 11 anos de idade.
Estava a ver no National Geographic um programa que conheço para lá de duas décadas: Mayday e Seconds to Disaster. Dois dos episódios desta semana foram sobre acidentes no Japão. Um de aviação e outro ferroviário.
Dá para perceber que o Japão tem muita coisa para ser admirada. Até louvada. Mas o preço que as pessoas têm de pagar por isso também pode ser elevado. Uma exigência e cobrança constante, uma pressão que acompanha cada indivíduo a cada instante que respira, onde a sociedade e as empresas esperam perfeição exímia sempre, sem tolerância para erros por menores que sejam e imprevisibilidades.
Não admira que no Japão a taxa de suicídio é muito elevada. Esta parte da sua cultura em que a perfeição tem de ser exibida, ou a pessoa perde o seu valor e mérito está muito enraizada. O kamikaze ou o Harakiri - provavelmente as palavras mais populares entre o reduzido conhecimento linguístico de um ocidental prova isso mesmo: o suicídio faz parte desse lado japonês de encarar a falha nas responsabilidades e mostrar ter honra.
Não deixa de ser triste que, naqueles sentimentos de solidão, confusão, tristeza, negatividade, depressão... que todos nós temos, lá, no país do "sol vermelho" entre o sentir e o reagir ao extremo de por termo à própria vida, por vezes só se passem uns breves minutos. Ainda mais lamentável quando são as CRIANÇAS a população onde os actos de suicídio tem vindo a aumentar. Crianças em idade escolar, já a sentir os horrores da pressão, ainda a aprender a assimilar o que as rodeia e a lidar com as hormonas... é o grupo etário que mais precisa de orientação para descobrir como bem lidar com as contrariedades.
Dá vontade de ir lá dizer: escutem: todos nós passamos pelo mesmo. A vida é assim. Aguenta. Aguenta... que passa. Vais voltar a sorrir. Vais ver.
Mas vamos aos acidentes:
Fotografia real do avião acidentado aquando avistado em terra tendo problemas
O primeiro acidente remota ao ano 1985. No dia 12 de agosto o voo 123 da Japan Airlines (JAL) saiu de Toquio rumo a Osaka e ficou uns aterrorizantes 32 minutos no ar, em dificuldades. Sem os sistemas hidraulicos a responder, os pilotos fizeram um trabalho exemplar para manter a aeronave e os passageiros vivos, após duas explosões se fazerem sentir, 32 minutos antes. Mas nenhuma das suas técnicas e perícias pode evitar o acidente. O boing 747 foi perdendo altitude e chocou de frente contra uma montanha. 520 fatalidades. SURPREENDENTEMENTE, existiram QUATRO sobreviventes.
Aqui abro a minha boca e deixo cair o queixo de espanto. Jamais, em momento algum, poderia acreditar que alguém pudesse remotamente sobreviver àquilo. Devem ter sido projectadas do avião porque... quem ia dentro... nada era reconhecível. A nave ficou em montinhos de estilhaços. Que alguém tenha sobrevivido é... impossível. Milagroso.
Tando o "Mayday" como o "segundos fatais" documentaram este acidente. Cada qual fornece um dado extra que foi omitido pelo outro, por isso vale a pena ver ambos. Para meu espanto, descobri no segundo que, após o acidente, existiam mais sobreviventes. Mas o tempo que levou os socorristas a chegar ao local foi-lhes fatal. Se não tivesse existido uma hipótese de terem chegado mais depressa ao local do ocorrido - tinha-se de aceitar esse destino. Mas a realidade é que um helicóptero americano ia para descer na zona dos destroços e nesse instante recebeu ordens para regressar à base. Até hoje ninguém assumiu ter dado essa ordem mas, a realidade é que autoridades japonesas proibiram o helicoptero "estrangeiro" de aterrar. E com isso, perdeu-se a oportunidade de salvar mais vidas. Alguns passageiros faleceram depois da embate, após muitas horas até chegar socorro.
Outra coisa que descobri no "segundos fatais" é que o gerente de manutenção cometeu suicídio. Não foi o único e suspeito terem existido mais em decorrência da tragédia. Procurando confirmar a veracidade dos fatos, uma pesquisa online revelou que em 1987 um dos três investigadores que deu o avião como seguro para voar após uma reparação na cauda feita em 1978 - que acabou sendo a causa do acidente - também se suicidou após regressar de um dos interrogatórios de averiguação de responsabilidades. Susumu Tajima tinha 57 então anos. Estando envolvido na reparação bem amadora feita no avião - diria que talvez tivesse responsabilidade sim. Embora eu ache o suicídio extremo, colocando-me na posição de alguém responsável por tantas fatalidades, ficaria muito abalada e me sentindo culpada. Mas teria de aceitar - me esforçar para isso. E tentar tirar algo de positivo de uma tragédia irreparável.
O voo 123 da JAL foi acidente com o maior número de vítimas na história de acidentes envolvendo apenas uma aeronave.
Foi também muito precioso para a segurança aeroportuária. Deste acidente implementaram-se medidas de segurança para que acidentes como este jamais se tornasse a repetir.
Faz muito tempo que concluí que, coisas horríveis acontecem neste mundo, para que possamos aprender com elas. Se não fosse pelo mal, não existia o bem. Pode parecer indesejável mas, tudo tem dois lados e o equilíbrio só se alcança assim. Sem o mal, as pessoas esquecem rápido. Esquecem como ser cordiais, como deixar de olhar para o próprio umbigo, como deixar de ser tão ambiciosas para proveito próprio e aprendem a se melhorar como indivíduos. Nem todos reagimos igual nem ao mesmo tempo mas sim. Somos todos "fabricados" da mesma forma e, ainda que muito aceleradamente ou lentamente, o comodismo, o conforto, a boa vida faz-nos mais egoístas e menos generosos. Tem sido a maldade no mundo, a tragédia, que mais facilmente nos une.
Não me vou extender tanto no segundo caso mas o acidente com um comboio teve causa nessa cultura "tradicional" japonesa. O condutor, um jovem de 23 anos, já tinha sido repreendido por uma falha. A companhia tinha (e ainda tem) um programa de "reabilitação" onde, quem comete uma falha, é imediatamente enviado. São dias ou meses de pura tortura psicológica. Ofensas e humilhações. Mas a companhia chama isso de "re-educação". Um dos funcionários que prestou depoimento, na faixa dos 40, contou que, por ter chegado 2 minutos atrasado a uma reunião, foi enviado para ser "reabilitado". Disse que quase desistiu, sofreu forte tortura psicológica. Entre algumas outras coisas, além de gritos e ordens, era forçado a escrever relatórios por horas, relatórios de "arrependimento" e a executar tarefas menores, como limpar cocó de pombo dos carris, com uma escova de mão.
O condutor do comboio, jovem, que já tinha sido repreendido, durante a condução tinha já cometido um erro: passou um sinal vermelho. Cheio de medo da consequência, ele ficou nervoso e, em excesso de velocidade, parou abruptamente numa estação, tendo parado com 4 carruagens à frente. Certamente seria severamente punido por isso. Acabou por recuar o comboio para que as carruagens da frente pudessem liberar os passageiros e com isso perdeu quase dois minutos do seu horário. Para compensar, acelerou. No país onde és severamente punido por chegar 60 segundos com atraso - e onde todas as ligações têm apenas segundos de tempo para ser executadas - causando prejuízos avultados - a pontualidade torna-se um fardo pesado demais. Assustador e de temer - se implicar castigos psicológicos e físicos.
Ele acelerou e, numa curva, acidentou-se. As primeiras quatro carruagens descarrilaram. A da frente enfiou-se numa garagem de um edifício, a segunda ficou esmagada em forma de "L" contra os alicerces, a terceira ficou revirada e a quarta saiu dos carris.
Tudo isto porque... o Japão é um local especial. Diferente. Que tem tanta coisa admirável mas que esconde, por detrás de toda a sua eficácia, uma cultura ditadora de exigência extrema à qual o suicídio pode facilmente ser a opção tomada - e aceite pela população em geral.