quarta-feira, 23 de outubro de 2019

A proposta do senhorio


Suspeitei que o senhorio foi "recrutado" para mostrar o quarto a outras pessoas pré-seleccionadas na véspera de o ter feito. Isto porque, nesse dia pela manhã, ele estava na casa ao lado. E disse que, eventualmente, ia passar para a nossa, para cuidar do jardim.

Esperei, esperei... e nada. Sabia que ele vinha mas sabem quando sentimos que parece que a pessoa está a aguardar que nós saiamos de um lugar para entrar?

Foi essa a sensação com que fiquei. Os dois rapazes também estavam em casa. Ás tantas aproveitaram-se de me verem sair pelas 15.30 e até enviaram um texto ao senhorio - para "programar" a passagem de quarto de modo a que eu nem pudesse escutar por acaso toda a tramóia.

Regressei por volta das 18.30, já estava escuro e na manhã seguinte pude observar que o jardim foi tratado e limpo da folhagem. Portanto, ele apareceu. E demorou-se, porque a limpeza do jardim assim o exigia. O facto dos rapazes estarem em casa, plantados na sala, também me transmitiu uma vibração negativa.

É apenas a minha intuição, mas aponto esse dia e essas horas em que estive ausente como o início da coisa.

Hoje o senhorio apareceu às 18h. Para falar comigo. Temi que fosse algo mau. Ele diz que não e começa a explicar-me o que se trata. Assim que abre a boca, entra a mais-velha, chegada do emprego. A ca*** nem permite que tenha uma conversa isolada com o senhorio! Até a chegar parece que chega oportunamente. Cá para mim não me surpreenderia se o senhorio lhe tivesse escrito uma mensagem a avisar que estava a chegar. Parece que tem sempre de estar um deles por perto, a controlar, a escutar, a vigiar para fazer relatórios ao "grupo".

Sabem o que ele queria? O senhorio, como já expliquei, precisa alargar o meu quarto, pois as dimensões do quarto não correspondem às mínimas exigidas por lei para manter cá um inquilino. Se eu saísse desta casa, até ele fazer as obras, não podia cá meter ninguém. E ele não tem tido tempo para se dedicar a elas pelo que, se eu tivesse saído, ele perderia a renda de todos estes meses. Ou então era forçado a meter logo mãos-à-obra e os restantes italianos seriam forçados a ter de viver numa casa com o WC principal em obras e pessoas a entrar e sair constantemente.

Por um lado, bem que o mereciam!
Se eu tivesse saído...

Mas não saí. O senhorio, esperto, garantiu-me que não ia mandar-me embora. E foi aí que percebi que eu era a pessoa mais vital na casa, embora a mais indesejada também. Porque sem mim, ele perdia renda, mês atrás de mês! Porém, assim que o alargamento for feito - temo que se arquitecte alguma coisa para me remover daqui. Temo até que o novo contrato que ele nos mandou assinar venha a se provar ter sido o primeiro passo nesse sentido. Mas este é outro assunto, que não vou elaborar agora.

A questão que me deixou mesmo com a pulga atrás da orelha, foi ele despedir-se de mim e ir embora, mas ao invés de sair, como eu previa e temi, foi directo à cozinha, onde ficou a cochichar com a mais-velha. 


Quando se fala em voz baixa, não é natural. O natural é falar com voz normal, até mesmo mais elevada. Quando descem o tom, é porque não querem que mais ninguém escute. Após uns 15 minutos, desci à cozinha e nesse instante a conversa terminou e ele pôs-se na alheta. 

Típico. Uma pessoa entra num espaço, a conversa cessa e alguém sai. É um dos sinais mais comuns de que estavam a falar de algo que não querem que escutes. 

A mais velha é uma mestre na dissimulação, manipulação e esquemas ardilosos. Tem aquele ar de criatura equilibrada, centrada, fala baixinho e tranquilamente, sem se alterar, sem ter tons alterados de voz... É mesmo a "cobra". 



Pensem lá nisso: quantas pessoas realmente cruéis e sádicas exibem este traço de carácter? São calmas, falam devagar, baixinho... porque alterarem-se revela emoção! Revela que têm alma e coração. Sensibilidade e apatia. E se não têm esse costume, se lhes é tão raro como ver uma estrela cadente no céu... então é porque essas características lhes são ausentes.



O senhorio vinha propor que eu me mudasse para o quarto que vai vagar, por uns dias, porque ele não queria perder dinheiro de renda. O "novo" inquilino que foi arranjado por os que cá estão, só vai mudar-se no dia 1 de DEZEMBRO. De todos os que eles arranjam, nenhum está disposto a comprometer-se e aparecer na data necessária. Isto só comprova que nem lhes passava pela cabeça mudarem-se. Porque se passasse, tinham dado o notice (aviso de saída) ao atual senhorio e estariam à procura. Como são sovinas, mesmo sovinas, ao contrário de mim, que saí assim que pude sem querer saber se deixo a outra casa paga até o final do mês ou não, estes só se mudam no dia a seguir ao último dia de renda paga na outra casa. 

Ora, o que o senhorio propos, para não perder renda já que o novo-inquilino disse que não ia mudar-se antes do dia 1 de Dezembro e pelos vistos o actual sai dia 23,  foi que eu me mudasse dia 23 para o quarto que vai vagar, pagando a renda desses dias por esse quarto (que é mais caro). E quando o novo inquilino estivesse preparado para apossar-se desse quarto, eu me mudaria de volta para o meu. Nesse espaço de uma semana, ele ia fazer as necessárias obras de expansão, sem as quais não pode alugar o quarto a mais ninguém durante o prazo de um ano.

Ora, pensando bem, eu estaria a ser USADA como tapa-buracos de um indivíduo que ELES combinaram trazer cá para casa!!!
E foi mesmo combinado. 


Cá para mim a proposta do senhorio até já era de conhecimento deles. 
Talvez eu aceitasse... 

Tudo para ele não perder uns 8 dias de renda... 

Agora imaginem se eu tivesse dado de frosques em Maio, quando se deu esta situação, quantas vezes seria necessário multiplicar por 8 para chegar ao valor de renda que por esta altura ele já teria perdido!

Bom, mas "abri" este post para mencionar uma lembrança de um momento que tive o ano passado, faz quase coisa de um ano. Foi depois do Natal, depois de ter limpo e arrumado a casa inteira já que fiquei sozinha aqui durante talvez quase 48h... Comprei flores, muitas, espalhei-as pela sala, e , numa janela, coloquei uns cravos numa jarra verde que havia comprado. Esta aqui:



Quando a mais-velha regressou, como quem não quer a coisa, disse isto a respeito desta jarra:

"Aquela coisa, aquela coisa verde, uma jarra, ou seja lá o que aquilo for..."

Podia ter dito apenas: aquela jarra. Mas como ela é, não foi capaz de resistir ao impulso de mostrar descontentamento pelo objecto. Claro, tinha de desprezar tudo o que vem de mim, a começar pelos meus gostos. Estivesse ali um copo de vidro, uma garrafa em plástico ou uma jarra dourada - um comentário dela nunca deixaria de passar por estes moldes.

Fiz de conta que não percebi o juízo de valor que fez e fiz de conta não perceber que fingiu não saber o que se tratava - sendo tão claramente uma jarra em formato de cacto.

Esta gaja não tem gostos requintados, nem refinados, nem criativos, nem ousados, nem bons, nem maus. Nem sei se os tem, ou se os copia de uma revista de moda clássica contemporânea. Seja o que for que estiver "in" no momento, desde que não seja kitch - deve ser a única coisa que tem o seu aval.

Gosta de ver programas de pessoas criativas, que recuperam casas, reciclam.. contudo, goza-me por eu ser esse tipo de pessoa. Lá porque não tenho o know how ou a capacidade daquilo que ela vê ser feito na TV e me limito ao meu microcosmos, o espírito da coisa é o mesmo. Como se pode apreciar realmente algo, se não se sabe valorizar quem está ao teu lado a fazer o mesmo?? A diferença é que na TV alguém com fala afectada está a restaurar apartamentos, a reciclar móveis etc e eu faço-o em menor escala, com produtos menos nobres, como cartão. É à mesma necessário gosto, prazer, satisfação, imaginação, empenho, determinação... Fez pouco caso de mim quando me viu a fazer um móvel a partir de cartão. Claro que, feito à mão e sem material sem ser um x-ato e um tubo de cola, a perfeição não seria o meu objectivo. Apenas quis algo sólido QB e, principalmente, ter o prazer de criar a partir de pedaços de cartão. Como qualquer pessoa genuinamente criativa, com gosto pela recuperação e reciclagem.

Quando lho mostrei como produto finalmente acabado, ela respirou fundo, hesitou comentar e escolheu fazer apenas este comentário:
"It looks wobbly" (parece que vai abanar/desmanchar-se)


Daquela boca não sai uma única coisa simpática. 


Em caso de curiosidade, aqui está o mencionado "móvel em cartão"


2 comentários:

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