Uma rapariga que ainda não vi está neste momento a dormir no quarto lá em baixo.
Como é que ela veio cá parar?
Há uns dias, a que dorme naquele quarto ouviu-me ir à cozinha pela manhã e apressou-se a aparecer. Digo isto porque nunca a vejo. É muito raro. Durante três dias o rapaz não estava sintonizado com os horários dela e ela ficou-se pelo quarto. Até pensei que não estava em casa, até perceber que de facto os barulhos que escutava eram os dela a ir à casa de banho. Fosse de manhã, tarde ou já de noite, ela não apareceu. Nem para mim, nem para os outros. Aí, um belo dia, o rapaz ficou por casa e ela refloresceu ao convívio social. De repente é como se ela "existisse". Escuto-lhe a voz, as conversas, os risos. E depois EU É QUE SOU a flor de estufa!
O problema aqui é que eles se dão relativamente bem. Mas não comigo. Comigo é.. estranho. Não puxam conversa. São incapazes de trocar umas cordiais palavras. Não por iniciativa própria. Sou sempre eu que o faço. Ando a fazer o teste e a ficar calada... a aguardar que sejam eles. Que nada! Quando são eles a faze-lo QUEREM ALGO DE MIM. Sempre, sem excepção. Até decepciona. A "predictabilidade" é total. Se falam comigo... algo se passa.
E foi o que a rapariga veio a confirmar. "Olha, já disse a todos mais vale dizer também a ti: Uma amiga vem cá passar uma semana. Ela chega dia 27".
Não é uma pergunta: "posso convidar uma amiga para cá passar uns dias?" Nunca se conversou a respeito de trazer pessoas de fora. O máximo que aconteceu, foi a rapariga que tinha namorado tê-lo cá a dormir algumas vezes. Para meu espanto, percebi que isso não agradou OS RESTANTES. Quer dizer: logo eles, que estão sempre a colocar estranhos dentro de casa, sem dizerem cavaco. O rapaz traz miúdas para ter sexo que dormem cá e saem no dia seguinte bem cedo... para nunca mais voltarem. Estas coisas casuais para eles, tudo bem. Mas uma relação... incomoda-lhes. Foi o que menos me incomodou a mim. Faz sentido. É namorado! O que para mim incomoda mais é este entra-e-sai não sei bem quem-é, não me foram apresentados, não sei o nome - tipo de gente. Como se isto fosse um albergue.
O namorado da que saiu até foi menos abusivo no usufruto do espaço do que muitos "amigos" que já vi passarem pela casa.
Ontem de manhã - aliás, já não tão de manhã, quando desci para ir cozinhar, eram quase 11h, apanhei a rapariga do quarto de baixo a sair, a puxar o trolley e de uniforme. Ia trabalhar. Acenei-lhe e sorri para ela, mas ela não fez caso. Dirigiu antes a palavra ao rapaz, que estava na sala, para se despedir. Ele pergunta-lhe quando ela regressa e ela responde: "Prima" - eles são italianos, falam na língua deles. Mas o que é prima? Que eu saiba, é dia 1...
Só sei que ELA OMITIU A PARTE de trazer uma "amiga" para dentro de casa, sem ela própria cá estar. Afinal "não vai dividir o quarto" com ela. Vai emprestá-lo! O que é muuuuito diferente.
Mas e que tal CONTAREM ÀS OUTRAS PESSOAS que cá moram? Seria agradável, não?
O que consegui saber ONTEM, foi por iniciativa minha e sempre de forma curta e apressada. Até parece que conversar lhe custa, car...ho. Dar qualquer informação... é proibido. Dali só saem coisas pela metade. Nada é claro, nada é espontâneo. E tudo é calculado.
O rapaz é o epicentro da casa. Não me espanta que não queira ter outro rapaz a cá viver. É ele, rodeado de mulheres. Essas ele sabe controlar. Sabe seduzir, sabe usar o seu charme para conseguir os seus intentos. E principalmente, deve saber que mulheres com mulheres por vezes não são muito simpáticas. Ele é a típica pessoa que fica EM CIMA DO MURO.
Ontem, quando desci para cozinhar, o rapaz estava, como de costume, na sala. Mas logo se levantou e saiu. Ai sim? Saíste porque eu cheguei? Optimo. Obrigado por me disponibilizares a sala (fazia mais de 20 dias que não a via vazia). Aproveitei e fui buscar as minhas traquitanas. Instalei-as ali enquanto ao mesmo tempo tratava do almoço.
Fico com a sala para mim.
Mal tinha começado a preparar o almoço oiço baterem à porta. Vou ver o que se trata. Quando já a estou a abrir, o rapaz está a descer as escadas. É o correio. Pego na encomenda e entrego-a a ele, que já está ali ao meu lado. Pergunto-lhe, sem tempo para olhar: "É para ti?".
Pergunto-lhe algo, ao que ele deixa escapar:
- Pensei que era uma amiga.
Fez-se um click, ao que pergunto:
- Quando é mesmo que a nova rapariga chega?
- Hoje.
- Hoje?! Mas... a P... não foi embora?
- Foi.
- Foi.
Mesmo que me ocorre-se fazer outra pergunta, ele já estava no topo das escadas e a fechar a porta do quarto. Foi este o curto instante do seu tempo que se dignou a disponibilizar para clarificar a situação da casa.
Não estava apreensiva até a luz desta nova informação.
Então a amiga não ia cá estar para a receber? Quem era esta pessoa? Ia aparecer dali a minutos ou dali a horas? Como é que ia entrar na casa?
Passava já das 17h quando tive oportunidade de esclarecer estas dúvidas. Ia a subir quando ele vinha a descer. Mais uma vez, é aquele espaço encurralado que proporciona uma troca de palavras. Pelo menos até a pessoa que desce ou sobe terminar o percurso. (Não é triste e patético??)
Ele descia os degraus tendo trocado a roupa de estar por casa por roupas para sair e eu, no fundo das escadas, perguntei, por preocupação genuína:
"A nova rapariga tem as chaves da casa para entrar? .... Tem a chave do quarto?"
Ele, como sempre, hesita em dar resposta, que será sempre vaga e imprecisa. Por isso é que demora segundos a sair.
- Ela chega mais tarde. O que não responde à minha questão.
- Ou vai bater à porta?"- acrescento, preocupada e na dúvida.
- Eu estou em contacto com ela.
Mais uma forma vaga de responder. Já com os pés fora dos degraus, o seu corpo estava agora a preparar-se para virar para entrar na sala.
Mas é tua amiga também? Conheces-a?
-Sim.
E já está na sala.
Pronto. Foi este diálogo apressado que ele se dignou a me facultar. é que nem para, é de passagem mesmo. Parar para trocar cordialidades, só quando quer ALGUMA COISA de mim. Ou quando se quer mostrar de optimo colega de casa.
O fato dele a conhecer deixou-me menos apreensiva. Nao estava a sentir-me assim, até perceber que uma estranha vinha morar para esta casa durante sete dias sem que a sua amiga que a convidou estivesse presente.
Não me surpreende que ele a conheça. Eles são como uma máfia. E sendo italianos, a palavra aqui serve como uma luva. Qualquer conversa é mais em privado, a partilha de informações que diz respeito a todos, fica restrita, etc. Mas tudo, quase tudo, tem a "cabeça" no rapaz. O Rei do nada fazer ou dizer. Uma qualidade vantajosa nos tempos que correm. É a típica pessoa que se vai dando bem. Não tem grandes dissabores (desde que nao lhe peçam para trabalhar arduamente), vai avançando por entre os pingos da chuva... e ninguém lhe quer mal, mesmo quando acabou por ser responsável por alguma contrariedade.
Eu só não compreendo como é que eles não são capazes de se comportarem como a maioria dos comum dos mortais, e simplesmente dizerem, numa conversa só, o que se passa: "Olha, uma amiga vem para cá uma semana, eu não vou cá estar, mas fulano x também a conhece e vai abrir-lhe a porta, ou emprestar chaves... " . Normal, não?
Esperava algo do tipo: "Portuguesinha, amanhã vou fazer aqui um almoço e convidar uns amigos. É só para te avisar". Ou então quando uma pessoa entra dentro da casa que está a pagar para viver e se depara com um rosto estranho, que a reacção fosse as apresentações: "Olá, esta é a fulana X, uma amiga".
O não ser convidada para participar em festas, almoços, jantares isso não dói tanto quanto a inexistência destas atitudes. Para mim, fazem parte da educação que recebi em pequena. Foi o que sempre vi todos fazerem uns com os outros. Esta nova realidade ainda me apanha desprevenida.