Descobri que o meu mal é querer ver as pessoas por um lado bom. Mesmo quando a minha intuição logo me diz que algo nelas está errado, reescrevo essa impressão, e coloco-lhe por cima um verniz de optimismo, do género: "cada pessoa tem direito a ser diferente, não quer dizer que não tenha coisas boas".
E a todas concedo o benefício da dúvida. Principalmente quando as evidências apontam para o contrário. Ainda busco a "coisa boa".
A M. dizia-me, irritada, que eu "sou muito boazinha".
Pois nisso ela era capaz de ter razão. Enfurecia-se comigo, porque ela, zangada com um dos outros colegas, queria que eu ficasse zangada também e lhe desse toda a razão. Eu escutava-a mas se demonstrasse querer entender o lado dela e também o da outra pessoa, ela se enfurecia, dizendo-me: "You are too nice. You think everyone is nice. You can't be like that!".
Pois foi por ser assim - constatei, que ignorei os muuuuuitos dos sinais de que ela não era flor que se cheirasse. Sempre a lhe conceder atenção e o benefício da dúvida. Ninguém mais que ela beneficiou tanto deste meu lado. E se, mesmo assim, a M. conseguiu remover qualquer valor que pudesse ter pela sua pessoa erradicando tudo, duvido muito que ao longo da sua ainda longa vida vá conseguir encontrar alguém que goste dela.
-------------
Esta conclusão partiu de uma conversa - a primeira que consegui ter - com a rapariga que se mudou para a casa em Dezembro. Estamos em Junho e, pela primeira vez, surgiu uma oportunidade de conversar. A constante presença da M é a razão, decerto, que impediu esta casualidade de acontecer mais cedo.
Estava eu na cozinha - a aproveitar a raríssima ausência da M. para ali estar a almoçar (e fugir do calor abrasador do meu quarto) quando esta rapariga entra em casa. Passado um pouco, entra na cozinha. Cumprimenta-me e começa a falar comigo. A conversai flui fácil, amigável, com risos e humor.
O assunto depressa - nem sei como - entra na M. Ela começa a dizer-me que a M. é doente da cabeça e só não sabe se ela tem consciência disso e percebe que precisa de ajuda.
Só essa constatação de alguém que praticamente não lidou com ela faz-me perceber os meses que passei a dar à M. o "benefício da dúvida". Emprestando-lhe os meus ouvidos, a minha presença, dando-lhe horas que deviam ser para o meu descanso e para a minha higiene - já que sempre "precisava" ir tomar duche exatamente quando eu entrava em casa vinda de um exaustivo turno.
A energia que despendi em alguém que nunca dela ia tirar algum aprendizado. Porque já sabe tudo. É mais inteligente que todos. É como oferecer pérolas a porcos, na verdade. Todo o meu tempo, o cansaço que tive de ignorar para a escutar, os problemas dela que tive de ouvir e de me preocupar para tentar ajudar... tudo DESPERDÍCIO de tempo na minha vida.
A rapariga também me disse que a M. nunca vai mudar. Concordo em absoluto. Aquilo não tem remédio, não tem solução, é totalmente impossível. Porque a M. acha-se realmente melhor que todos que a cercam. TODOS. E nunca está errada, nem nunca faz nada de mal. Parte, suja, danifica, ofende, persegue, hostiliza - mas afirma que não faz nada disso. Se eu lhe der um pouquinho de atenção, basta olhar-lhe nos olhos, ela logo recomeça a mostrar-se incapaz de agir normalmente. Recomeça com as suas as atitudes de autoridade, superioridade e perseguição obsessiva. Por isso sei que a doença que tem - se é que não é condição, o NARCISIMO que a assola - não tem concerto.
Depois a nova rapariga contou-me que a M. foi demitida em apenas uma semana. No Natal, a M. havia trabalhado na mesma empresa que ela, num departamento, claro, em que é só logística e nada de trabalho manual - pois a M. só "aceita" "trabalhar" se for em algo que não envolva trabalho físico e seja "digno" das sua autointitulada superioridade. Acabou demitida ao final de UMA SEMANA. O chefe desse departamento disse à nova rapariga, que trabalha faz anos nessa empresa, que a M. é o tipo de pessoa que "A culpa é sempre dos outros, ela tem sempre razão".
A minha resposta foi: "Nossa! Não lhes levou muito a perceberem isso. Eu levei que tempos!"
A própria rapariga deixou claro que a evita ao máximo. E contou-me algumas situações de interações que teve com a M., as quais consegui perfeitamente visualizar. Como por exemplo, ela está na cozinha a preparar chá e a M. chega-se ao pé dela para lhe dizer que o cheiro daquele chá a incomoda. Para ela deixar de o fazer.
Mas quem é que faz isto?? Por causa de um chá? Que a pessoa só ferveu ali, de resto, vai levar consigo para o quarto? Quanto a M. , ela própria, todos os dias, deixa a casa empestada de odores fortes e desagradáveis? O pior de todos, o de peixe?
A nova inquilina também gostava de ver a M. fora desta casa.
No fundo, todos o desejam! Ninguém está é a falar disso. Ela perguntou-me se a agência sabe dela. Confirmei que sim. Sabem tudo. Mas não fazem nada. Mesmo com a agravante da M. deixar de pagar a renda por meses e meses.
Isso nos espanta às duas. Podia-se estar a viver nesta casa em total ou quase total harmonia. Descontraidamente. Sem receio de circular ou conversar por uns minutos. Ao invés disso, fica claro que cada um se aprisiona nos quartos. Só saindo, quando a "costa está livre" da M. O que é muito raro.
Perguntou-me porque será que a M. não se vai embora. Ao que lhe respondi: "Porque aqui tem força, faz o que quer. Se for para outra casa, com um novo set de pessoas, provavelmente não vai conseguir levar a dela adiante. E aqui já conseguiu, porque nós permitimos. Se for para outro lado, vai ter de fingir ser quem não é, vai ter de recomeçar tudo de novo e provavelmente vão-lhe fazer frente. Não vai ser tão fácil".
Mas eu rezo. Para que a M. desapareça. Acho mesmo que vou ser agraciada com esse momento. Rezo todo o dia para que esse momento seja amanhã!
Outra coisa que muito me agradou foi que, pela manhã, saía do quarto quando vejo no corredor uma senhora idosa, que vem para limpar a casa. Deduzo que é a nova senhora da limpeza. Ela logo me pergunta do lavatório - cuja peça central que tapa o buraco ficou para baixo e não saía (inconvenientes dos lavatórios com tapa-ralo metálico). Nem a conheci antes, mas acabámos também por falar, ao mesmo tempo que tentámos maneiras de remover aquela peça para que a água pudesse circular. Foi ela que iniciou a conversa sobre o estado da casa. Disse-me que nunca viu alguém meter lixo no chão quando tem o contentor da reciclagem mesmo ao lado da porta e só tem de a abrir ou manter tanto rolo de papel higiénico VAZIO no WC.
Nossa! Ouvi-la mencionar estas coisas que tanto me enervam foi um bálsamo para mim! Uma pessoa já começa a achar que esta bagunça e estas atitudes é normal...
Até que escuta outra pessoa a reclamar do mesmo.
Adorei conhecer a pessoa. Ela, se calhar já nos seus 70s, conseguiu, com perseverança e genica, remover a peça, tanto a do WC de cima, como a de baixo que - afinal, também estava presa!
O técnico que cá veio nem perdeu muito tempo com aquilo. Disse apenas para esperar uns dias e, se não saísse, era preciso "remover tudo" (lavatório inclusive).
Santíssima trindade!
Digo sinceramente: o que seria de uma casa sem uma mulher? São elas que acabam por resolver tudo. Principalmente coisas relacionadas com faz-tudo. Tradicionalmente atribuidas a actos do Homem mas que, suspeito pelas evidências que me cercam, que há muito que eles ficam com os louros, e elas com os trabalhos.