segunda-feira, 13 de abril de 2020

A Páscoa correu bem



Passei um Domingo de Páscoa agradável, porque estive a trabalhar. Trabalho intenso, físico, de longa espera até poder fazer uma pausa. Mas relaxado, num ambiente amigável. 

Que melhor podia pedir?

Dentro de casa sei que ia encontrar o oposto. O que ia estragar o meu dia, fazer-me ficar deprimida, magoada, em sofrimento e a soltar lágrimas. O trabalho foi a minha salvação.



Quando regressei, os sinais de farra estavam visíveis. Os italianos decidiram comer no jardim - factor raro - e moveram a mesa de ferro forjado para junto da vedação do vizinho. Porquê? Não sei, não me interessa. A mais-gorda quis logo saber, ao me ver entrar, se tinha ido trabalhar. Respondi-lhe que sim. 


Troquei-lhe as voltas. Ela tinha preparado todo um festim para mo exibir debaixo do nariz, mas no qual me deixava excluída. Como sempre fez. Inclusive, mudou-o para o jardim, lugar onde eu costumo estar, onde costumo ir para comer. Também queria privar-me desse prazer, decerto. E eu não estive presente para lhe dar esse gostinho. Nem dei sinais de ausência. Deixei o saco que uso todos os dias no lugar, para que a sua ausência não lhes servisse de pista. Ouviram-me sair, mas decerto deduziram que podia voltar a qualquer instante.

Na sexta-feira Santa montaram um jantar todo caprichado, mas não me convidaram, nem sequer mencionaram que tinham esses planos. Não foram capazes de oferecer um chocolate dos muitos que abriram nem uma taça de vinho (com tanta garrafa que trazem e armazenam logo quatro no meu frigorífico). Não escrevi eu aqui que ela precisava recordar-se do significado da quadra, por isso o escreveu  "Esta é a semana santa" no quadro negro na cozinha?


Eles não têm um conceito real do que significa a Páscoa. Continuam maldizentes, intriguistas, mesquinhos e pateticamente embrulhados nestes actos de ostracizar o semelhante.

Assim que o senhorio abandonou a casa nesta sexta-santa, (veio cá com o pretexto de acabar de arranjar o WC), eles começaram logo a preparar a sala. Dava para sentir no ar, que só estavam à espera que ele saísse. Pouco depois, escutei baterem à porta da rua. 

Convidados? Em pleno Covid-19 lockdown?? Anda a polícia a divulgar cartazes para que as pessoas não se reunam em grupos nas suas casas nesta altura da Páscoa, para não fazerem churrascos e festas no jardim, com convidados... e estes italianos trouxeram cá para dentro um outro italiano. Sei lá eu se saudável! É simplesmente um comportamento que não se pode tomar. E eles tomaram-no. Em plena quarentena.


Tenho sorte em poder ausentar-me desta casa para ir fazer algo útil, mais útil ainda neste conceito de Pandemia Mundial. O meu trabalho de armazém consiste em separar correio postal. Ajudo a que as pessoas que estão fechadas em casa possam receber, enviar e ter em suas mãos algo que alguém que lhes quer bem desejou lhes enviar. Esse é o trabalho que mantenho há quase dois anos, mas por uma agência, como trabalhadora ocasional. Dava muito pouco dinheiro - nem o suficiente para metade da renda.

Agora com a situação que vivemos, perdi o emprego principal que tinha há dois meses e que podia gerar um contrato, mas em contrapartida ganhei horas e turnos decentes neste que já dura muito mais e com o qual estou satisfeita. Ali muitos me conhecem, muitos gostam e mim e no geral é um ambiente simples e descomplicado onde se trabalhar. Tudo o que quero. Pagam melhor do que em qualquer outro lugar, mas não davam nem 10h por semana. Com o Covid, isso mudou. Está muito melhor agora. É lamentável que esteja a correr riscos, mas penso que é o mesmo risco que qualquer outra pessoa que tem de se deslocar para o trabalho corre. Excluindo os profissionais de saúde, que esses estão mesmo no epicentro das pessoas contaminadas que procuram auxílio. Porém, quantas contaminadas que não o sabem podemos nós nos cruzar na rua e emprego?

No armazém onde trabalho, que é enorme, estão também outras três centenas de pessoas. Lidamos com camionistas, que viajam por todo o lado e carregam e descarregam os camiões com os carrinhos de correspondência e encomendas. Tocamos em mais de 1000 pacotes por dia. Sabemos lá qual deles pode transportar um vírus.

Sem dúvida, é um risco.
Mas para ser honesta, o Covid fez-me perceber que ficar em casa é-me muito mais prejudicial.

Hoje, segunda-feira, é feriado. Então fiquei mesmo por casa. Não é bom. Dos poucos segundos que tive em contacto com outra pessoa, passaram-me a sensação de não me desejarem por perto. Se não aguentam a minha presença nem por segundos num único dia da semana... Até conversa de treta não consegui estabelecer por mais que alguns 5 segundos. Tal era o desinteresse.

Não me rala. A única coisa a que tenho de estar atenta é onde ponho as mãos, o que uso para comer, para preparar comida... Porque não sei onde os restantes andam com as suas, nem para onde espirram. Sei que não são de tomar tantos cuidados quanto eu. Tenho estado atenta ao comportamento da rapariga do andar de baixo, que praticamente tem estado a viver enclausurada dentro do quarto. Não é muito habitual e fica claro que algo se passa. Com ela ou com o namorado, que está ainda mais "invisível" que ela. Se algum deles apresentar sintomas de gripe ou constipação, SEI que vão procurar ocultá-lo de mim, do senhorio. Vão mantê-lo em segredo, tentando que eu não o perceba. Sei que não posso contar que tenham um comportamento exemplar e atuam como pessoas decentes e responsáveis. Têm demonstrado não saberem o que isso é. Para os italianos, qualquer sintoma é de outra coisa qualquer, não é Corona. "Como ousas insinuar??" - é o tipo de atitude que têm. Claro... como se desse para saber.

A rapariga do andar de baixo não só anda muito enclausurada no quarto, como começou a fazê-lo depois de regressar de uma interrupção de quarentena. Ela e o namorado ausentaram-se por três dias. Não sei para onde foram, com quem estiveram, nem o que andaram a fazer. Sei que regressaram faz duas semanas, e quase de imediato comecei a ouvir a rapariga a tossir e a assoar-se constantemente. Parece estar a querer evitar o contacto e vive enfiada no quarto. Daí vai para o WC tossir e assoar-se, e de volta para o quarto. Deixa as suas coisas espalhadas pela casa, as toalhas que usa nas cadeiras, sofás, etc e sai de vez em quando, para alimentar-se e parece estar bem... mas hoje ao passar por mim na cozinha, olhou-me intensamente. O que não é habitual. Geralmente recebo aquele olhar "mal olham para ti". Que foi o que ela me deu na sexta-feira Santa, quando cá receberam o italiano. Fiquei ali parada a olhar para eles, à espera que se dignificassem a dizer algo, a apresentarem-me o indivíduo (porque o sabia um candidato) ou a mexerem-se para que eu pudesse passar e alcançar a cozinha. Ela só me olhou de relance, com um desdém do tamanho do universo. Típico de quem sente que está a aumentar em número... Quando recebo olhares não de relance mas que olham no olho,  sei que está a acontecer algo menos bom. Isso e mostrarem-se mais afáveis na voz. É sempre mau sinal. Para mim aquele foi um olhar de "estou a esconder alguma coisa", que me disse que se estava a passar algo que eu ainda não sabia, mas que ela sabia e estava a rejubilar-se nisso.

Uma dessas coisas pode ser o facto de estarem à procura de outro italiano para cá vir morar. Foi isso que os espevitou há dias, depois da rotina desta quarentena já estar a desmotivá-los. Um dos rapazes abandonou o quarto, por estar em quarentena em Itália e não querer pagar renda. O quarto vai vagar no final do mês, Mas já está tudo em movimento para cá enfiarem alguém do seu agrado. Alguém com o "selo de qualidade". Estão a falar com todos os italianos, procurando encontrar quem queira mudar-se para cá. Pintam a casa como um lugar ideal, toda italiana, com festas e festins italianos. Só tem um inconveniente... ainda cá mora uma portuguesa. Mas ela é posta de parte, não conta.

A necessidade de meter outra pessoa cá dentro tem-nos dado um novo alento, um novo propósito. Têm estado a sondar quem pode vir para cá, quem é o melhor candidato. Ontem à noite, estava quase a adormecer, quando tenho de ir buscar algo lá abaixo e voltar para a cama. Nisto quando estou a passar rapidamente pelo sofá, a mais-velha, que está a falar por video-chamada no telemóvel, no alto do seu cinismo, chama o meu nome, o que é insólito, vira o telemóvel  para mim e diz: "Fulano está ao telemóvel".

Fulano é o "rei", o ex-colega que saiu desta casa. Nunca quiseram saber de mim. Não falaram comigo cá dentro. Passavam-se horas com nós os dois na sala e ele não abria a boca para me dizer um ai. Não me desejou feliz ano, nem feliz Natal... Nada. E agora, subitamente, estava interessado em me cumprimentar?

Claro que não. Foi só mais uma provocaçãozinha, porque entretanto, eu já deixei claro que não gosto dele. Quando cá esteve limitei-me a cumprimentá-lo secamente. Queria o quê? Reverência? Nunca fui uma das suas vassalas. Fui simpática porque é de minha natureza e porque dividi o mesmo espaço que ele. Mas depois disso, não tenho qualquer obrigação, sem ser por minha natureza cordial. Não sou hipócrita, não vou perguntar como lhe está a correr a vida. Mesmo que a minha natureza seja essa - e é - no caso dele e de outros cá dentro, não são merecedores desse tipo de carinho. Sim, porque se trata de uma forma de mostrar carinho por alguém - perguntar como está. Nem isso quero saber.

O que é revelador, é a atitude da mais-velha. Para agir como agiu, mal me viu, é porque estava muito feliz. Provavelmente estava a "descascar" na minha pessoa nesse preciso momento. O "rei" deve ter sido contactado para dar continuidade a uma das suas principais anteriores funções: recrutar italianos-moradores. Se bem que é uma pessoa muito narcisista. A partir do momento em que deixa de ser um problema que o afecte, não vai perder muito tempo com isso. A menos que lhe seja fácil. Se for difícil, não se dá ao trabalho. Mas por maldade... fazem tudo.

Já escrevi muito. Mas apeteceu-me ir aos detalhes. Resta-me incluir que a minha reacção quando ela virou o telemóvel para mim e mostrou-me o rosto dele, outra forma de continuar a invadir o espaço, eu reagi assim:
"Quem é fulano?" "Olá, boa páscoa".

E foi só isso.
Fulano ainda pronunciou, com atraso considerável "Olá portuguesinha".

Lol.
Nunca usou o meu nome enquanto pode. Privou-me de vários olás cordiais enquanto cá esteve.
Agora pode enfiá-los todos num lugar que eu cá sei. AHAHAH.

Boa semana para todos.
E acreditem, estou bem.
Quero que estejam bem também.

Noutra ocasião, vou deixar-vos ideias com que possam se entreter enquanto se prolongar a quarentena. Forte abraço, obrigada e Força.




4 comentários:

  1. Deixo-lhe um abraço e os meus desejos de que continue bem. Gosto muito de si. Por favor continue a cuidar-se.

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  2. Nota-se que, apesar de ser desabafo, se martiriza e sofre imenso com as atitudes dos outros inquilinos por a ignorarem. Tente arranjar uma "vida" fora daí e assim talvez consiga desligar-se deles.
    Viva o seu dia a dia imaginando que eles são transparentes e/ou ignorantes e que não valem a pena para perder tempo a pensar neles.
    Tenha calma, pense na sua saúde e como se diz "os outros que vão morrer longe para não cheirar mal"

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  3. Estava a ler e a imaginar que seria bom que fosse para lá alguém de outra nacionalidade, talvez um inglês que não gostasse de italianos e que fosse importante e rigoroso e os impedisse de conviverem dessa forma (sou eu a ser mázinha)

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  4. ah e tinha de ser um inglês que gostasse de portugueses

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