Metereologia 24 h

Mostrar mensagens com a etiqueta quotidiano. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta quotidiano. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 6 de julho de 2021

Abrindo os olhos do cérebro

 A M. veio cobrar-me que dissesse ao novo inquilino que a incomoda quando o cheiro de cigarro se sente no interior da casa. Ela tinha a certeza que ele estava a fumar dentro do quarto. "Tens de dizer alguma coisa. Sou sempre eu. Nunca dizes nada a ninguém, dizes a mim".

Mas está errada.

Enquanto rezava por dentro para que ela me deixasse jantar em sossego indo-se embora, já que me seguiu assim que saí do quarto no intuito único de me dizer isto até a exaustão, tive outra epifania. Mais uma vez, ate nisto, ela descreve-se a si própria.

Temos maneiras diferentes de ser. Eu abordo as pessoas quando sinto que chega a altura. Dois dias antes, tinha abordado o rapaz Nº2 e perguntei-lhe se podia evitar deixar que as portas fechassem com um estrondo. Desse ponto a diante, senti claramente que ele fez um esforço nesse sentido. São três portas, que ele abre sucessivamente e deixa que fechem com um estrondo, atrás de si. Há noite torna-se mais incomodativo. Incomodava todos, mas não soube de ninguém que o tivesse abordado sobre este assunto. Já não é a primeira vez que o abordo sobre este tema. Logo no início, quando se mudou, como eu trabalhava às noites não fazia ideia do barulho das portas. Duas semanas foi o tempo que levou para o perceber. E aí disse-lhe. Logo a seguir a M. veio perguntar-me/afirmar:

-"Disseste-lhe alguma coisa, não foi? O que foi que lhe disseste?"

-"Ah, nada... não aconteceu nada de especial".

Vejam bem: quando o abordei era bem tarde de noite, eu e ele estavamos na cozinha e os outros fechados nos seus quartos à tanto tempo, que seria de supor que já teriam adormecido. O quarto dela fica no piso superior, no topo das escadas. Se nada provasse que estão sempre a escutar quando alguém partilha um diálogo nas áreas em comum, isto prova. Ela estava a prestar tanta atenção, que entendeu que não era conversa casual e sim um pedido para que alterasse um comportamento.

No fundo ela só sabe é gerar conflictos. E não é muito boa a selecioná-los. Noutras ocasiões em que muito queixume ela fez aos meus ouvidos, acabou por ser a minha iniciativa que conduziu a frutos definitivos. Ela queixa-se, diz que não aguenta mais, que vai sair desta casa, porque indivíduo X, Y, Z é porco, não sabe estar, etc, etc... mas não toma uma atitude mais séria. A não ser mostrar o seu desagrado fazendo mais barulho, sendo desrespeitosa, tendo discussões e deixando bilhetes intencionalmente direccionados a uma certa pessoa colados pelas paredes.

A saída do rapaz que andava a roubar foi catapultada por um email que eu escrevi à agência que nos aluga os quartos. Devia ser ela a contactá-los, visto que a situação que relatei foi uma discussão entre a M. e o rapaz às tantas da madrugada. Noutra ocasião, em que chegava a casa exausta, vinda do emprego, fui eu que, com um simples email com uma fotografia de um lava-louças entupido e imundo e o dizer: "todos os dias é esta a recepção ao chegar a casa" que tornei a situação clara e objectiva para a agência. 

Costumava pensar que pessoas como ela fazem falta. E que podia aprender com ela. E posso. Aprendo a valorizar-me mais. A minha metodologia - abordar as pessoas quando sinto necessidade evitando o uso de um tom moralista ou irritação na voz, tem-se mostrado eficaz. Mesmo que não fosse, é a minha maneira de ser. Quem é ela para me dizer que não presta? Que a maneira de ser dela - com constantes explosões e provocações é a única correcta? Se mostrares respeito, geralmente, com pequenas excepções, recebes-o de volta. Agora se bates na porta de alguém, começas a dar ordens, a dizer à outra pessoa tudo o que ela faz de errado e como tem de fazer para fazer bem... cai mal. É uma forma implicante de se estar.

Quem sempre se queixou dos outros a mim foi ela. Eu nunca a abordei para lhe pedir que desse um "recado" a outra pessoa a morar na casa. Eu cuido de dar os meus próprios recados. Disse-me que não queria ser ela a "má", aquela que tem sempre de fazer o "papel de má". Quer transferir esse conceito para mim - querem ver? Acha que todos somos passivos e tem de ser sempre ela a colocar ordem na casa. Sofre um pouco de soberba. 

Durante quatro ou cinco meses ela nada soube - pela minha boca, da situação entre mim e o Rapaz Nº1. Mas estava sempre a mandar-me os "recados" dele. Ou a expressar "opiniões" generalistas que "calhavam" encaixar-se numa situação específica. 

Desci à cozinha passavam 15m da meia-noite, esfomeada e a desejar poder dar as minhas garfadas em silêncio. Tive de ouvir a sua ladaínha repetitiva. Quer que seja eu a dizer ao rapaz nº3 que incomoda quando o cheiro do fumo se sente no interior da casa. O que ela deixa convenientemente ficar de fora, é que a primeira pessoa a ter este comportamento foi ela. Até o rapaz nº1, que fuma lá fora (e muitas vezes dentro do quarto) consegue fumar no exterior sem deixar o fumo entrar na casa. Porque fecha a porta da cozinha. A M. que também fuma mas se acha "diferente" dos restantes - vê-me na cozinha a usufruir da minha refeição, e sem cerimónias, abre a porta que dá para a rua, põe os pés lá fora e começa a fumar deixando a porta aberta o que, como é obvio, faz com que fumo do cigarro entre pela cozinha adentro e invada a casa, inclusive o piso superior. 

Quem é ela para passar um certificado de comportamento incorrecto ao outros? Não consigo lembrar de uma única incorreção de terceiros que ela não tenha exibido primeiro. Ela leva o Óscar. Que nem a Meryl Streep, a M. é indubitavelmente a melhor em todas as categorias. 

Estava quase a terminar a minha refeição e ela não me deixava comer sossegada. Fui salva pela chegada do rapaz nº2 - que certamente também apareceu no intuito de interromper a conversa. Ela repetiu o seu intuito para os ouvidos dele ouvirem e foi embora. Vou finalmente poder comer em sossego - disse entre dentes. Depois recebi uma mensagem para ir trabalhar e lá fui, toda feliz. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Cagar e Andar

Comecei num emprego novo na segunda feira passada. Entro às 8.00 da manhã e para tal tenho de sair de casa por volta das 7.00, o que significa acordar, no mínimo, 30 minutos ANTES para chegar a tempo. 

Acontece que a mais-velha (a tal simpática e genuína) costuma acordar por volta da mesma hora. Ainda que só saia dali a duas! Quando digo acordar, digo mesmo ACORDAR. Mas desde que percebeu que eu tenho este horário, começou a introduzir-se no WC meia-hora mais cedo. Primeiro apenas uns minutos, depois 15 e, finalmente, 30. Sempre muito silenciosa, mais do que antes, para ver se eu não dou conta e me surpreendo com o espaço ocupado por ela. Mal sabe ela que sempre despertei antes.

A primeira meia-hora após se introduzir lá dentro, passa-a sentada na sanita a cagar. A defecar tenho a certeza que sim, porque oiço como sempre escutei a "trovoada" sucessiva e impressionante de gazes que liberta. Mas se medita ou vê séries de televisão (como fazia a outra) não sei ao certo. Embora por vezes escute o som de programas televisivos vindos de um telemóvel quando ela está lá dentro a "arriar o calhau". 


Numa casa partilhada onde todos precisam de acordar cedo, ter a ousadia de ocupar o banheiro por meia-hora só para ver TV é... falta de respeito. Mas deixe-mos que cada qual seja aquilo que realmente é. Eu? Cagando e andando.... Não literalmente, como ela, Ahahah.

Não preciso de ficar 1h dentro do WC todas as manhãs. Nem todas as tardes ou noites. Não uso disfarces, por isso posso muito bem arranjar-me rapidamente sem precisar de tanto tempo para ficar "pronta". 

Aproveito que ela vai demorar e sei que posso descer à cozinha para preparar algo para comer ao pequeno-almoço na "tranquilidade". (nunca fiz isso e sabe bem!). Ao percebê-lo, começou a encurtar a «estada» no WC. Mas como nunca é menor de meia-hora e eu só tiro esse tempo para me preparar, nunca nos cruzamos. Noutro dia decidi fritar pão, bacon, ovo estrelado num fio de azeite com pedaços de cebola e fazer uma sandes. Sabem como soube? DIVINAL!!

Só que a cozinha ficou com cheiro. E eu? Cagando e andando.... 

Antes de cozinhar, abri a janela, usei o exaustor, fechei a porta da cozinha.... mais decência que isso, só milagre. Sei que ela não pode com o cheiro de comida - se for feita pelos outros. Porque o cheiro da dela... deve achar que é aromática. O perfume é igual a todo o outro e digo-vos: empesteia a casa até o dia seguinte. Imensas vezes despertei eu de madrugada e senti-me agredida pelos odores dos cozinhados que ela fez horas e horas antes. Mas haviam de ver a altivez, a postura arrogante da tipa... Ainda agora, quando entrou, excepcionalmente trocou duas palavras comigo sobre o "shitty weather" (chuva de merda) só para, sem eu dar conta, abrir a janela da cozinha como que a protestar por cheirar a uma almondega (de carne Halal) que eu aqueci no microondas em potência média por 30 segundos.

A sério!!! 

Se não regressar a casa vinda do meu segundo emprego (sim, tenho outro, mas é muito irregular), entro pela porta meia-hora mais cedo que ela. O que a deixa incomodada. Tem medo de perder o "lugar" na sala. Neste primeiro fim-de-semana, que agora temos em comum como dias livres, fiquei o sábado a ver um filme. E ela? Remeteu-se para o quarto. Depois diz que sou eu que me isolo. Não a proibi de se sentar como sempre faz. Se é seu costume, quebrou-o porque quis. Também é sacanagem esperar ocupar constantemente e sem dar tréguas, a TV comum a todos. Eu? Cagando e andando...


Sabe bem. Sabe bem (finalmente), sentir que estou melhor e que sei lidar com esta situação que foi tão injusta e cruel comigo. A canção tem toda a razão. Já a foram espreitar?

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Falar, calar, comunicar e manguito


Falar ou calar? - Pergunta deixada neste blogue.

Esta questão motivou-me a vir aqui escrever sobre este lado da natureza humana: do falar e do calar.


FALAR:
Na viagem de autocarro ontem de noite, entrou um passageiro com aspecto de morador de rua e lentidão nos movimentos. Comprou bilhete com o motorista e enquanto lentamente colocava o bilhete na carteira  fez um comentário qualquer. 

O motorista parou o veículo, perguntou-lhe se estava bêbado e disse que queria-o fora dali, que recusava-se a transportá-lo. Portanto, ou ele saia, ou o autocarro não andava.

Quase 23h da noite. O autocarro cheio de pessoas ansiosas para chegar a casa. Todas a querer ver o autocarro a mexer. O homem, ficou parado e imóvel no mesmo sítio.  Um outro passageiro de fato e  gravata dirigiu-se a ele de forma autoritária, fazendo o papel que devia ser do motorista e disse com voz muito firme: "saia deste autocarro. O motorista pediu-lhe para sair, ele não vai arrancar com o veículo consigo cá dentro. Todos nós queremos chegar a casa, você já está a fazer-nos perder tempo.". Foi aqui que o homem estranho finalmente falou. E apenas disse: "comprei o meu bilhete quero viajar neste autocarro". Ao que o homem bem vestido retaliou: "Tem de sair deste autocarro agora. Comprou bilhete mas o motorista não o quer transportar. Portanto saia. Simplesmente saia. O motorista disse que podia usar o bilhete no próximo autocarro". E nisto toca no braço do homem estranho, querendo dirigi-lo à porta de saída. "Acalme-se. Não seja violento" - diz o homem-estranho. (aqui não se pode ter qualquer contacto físico, é onde estabelecem o limite, identificam quem toca como a primeira pessoa a iniciar o assédio).  Enquanto este diálogo entre passageiro indesejado e outro passageiro ocorria, o motorista manteve-se calado. E sossegado, no seu cubículo protegido por flexi-glass

O homem bem vestido, que se nota que é culto, inteligente, capaz em todas as suas faculdades físicas e psicológicas, continua o confronto verbal com o homem estranho, a maior parte das vezes mudo e sem reação. Repete-lhe a ordem para sair do autocarro e às tantas diz-lhe: "Quer discutir leis? Pois muito bem. Vamos falar da lei!".

O que achei inapropriado. O homem-estranho estava claramente numa posição de inferioridade e também não me pareceu ter capacidades intelectuais muito desenvolvidas. Nesse instante não gostei da atitude do homem-bem-vestido. Acho que não gostei quase de imediato. Acho bem que fale, que expresse a sua opinião. Mas há um limite entre o falar, o ordenar, o se mostrar e o tirar proveito de uma situação desfavorável para outra pessoa. Ele estava a ser mais confrontacional que a suposta ameaça e a retirar do motorista o dever de impor a autoridade. Este bem que se calou e não impediu ninguém no autocarro de confrontar o homem-estranho

A quietude deste tanto podia dar para a violência súbita, quando para a total incapacidade de reagir. Por isso cabe ao motorista zelar pelo bem-estar de todos os passageiros. Neste país faria todo o sentido se o motorista pedisse ao homem-bem-vestido para não intervir mais, pois já estava a chamar a polícia pelo rádio. Mas o motorista deixou as coisas rolarem. E se o homem-estranho, ao ser tocado, desse para desatar a bater em alguém? Podia ou não o motorista ser responsável já que não fez nada para acalmar os ânimos? 

Não simpatizei muito com a intervenção do homem bem-vestido. Que depois foi reforçada por outro homem bem-vestido que estava sentado ao meu lado. Dois galos de capoeira... contra um homem barbudo, transportando uma mochila de campismo nas costas e segurando um pau de caminhada. Dificilmente os seus movimentos podiam estar soltos para atacar alguém. Mas no caso de um ataque de fúria tudo é possível.

Este homem não falava, não se movia, foi como se tivesse sido apanhado de surpresa. Só então, muito depois, o primeiro passageiro que interviu decidiu entrar pela abordagem mais serena: "Tem algum problema médico? Precisa de tomar alguma medicação?". 

O homem nada dizia e não se movia. Eu é que me movi. Pedi licença para passar, dizendo que ia apanhar o próximo autocarro já que aquele não saia dali. Na realidade, mexi-me para ver se o homem-estranho também se decidia a sair, ao ver outra pessoa abandonar o veículo. E também porque não queria estar ali a presenciar mais aquilo. Sinto-me muito voyerista, embora o meu lado que sempre gostou de registar o quotidiano sentisse uma vontade compulsória para começar a gravar. Hoje em dia todos fazem isso porque existem smartphones, mas eu sinto estes impulsos desde criança, antes mesmo de câmaras de filmar estarem ao alcance do cidadão comum, quanto mais existirem telemóveis ou smartphones. Mas Mas agora que fazer gravações é algo banal e tão criticado, algo que me dava gosto fazer com todos os cuidados e respeito, já não faço com tanta normalidade. Resisto ao impulso.

Basta recordar aquele post onde contei que fui insultada por duas tipas que passaram por mim enquanto tirava fotografias a uma igreja. Por acaso esta é uma boa história para recordar, pois passei por lá faz dois dias e no exacto lugar onde eu me encontrava a tirar a foto, estava uma outra rapariga a fazer o mesmo. LOGO me ocorreu que ela era uma sortuda. Porque eu não ia parar e recriminá-la por aquilo que estava a fazer como as outras duas doidas fizeram comigo. E ela pode seguir caminho sem nunca conhecer a sensação que é passar por aquilo.

Bom, regressando ao episódio no autocarro. Eu saí, outra passageira veio atrás, depois outro mas a verdade é que a pesar de o autocarro estar imobilizado fazia já muito tempo, o próximo ainda estava a 12 minutos de distância! Não sei como mas o homem-estranho acabou por sair. E nós regressamos ao veículo. Eu agradeci ao homem-estranho, que estava como um zombie parado no lado de fora do autocarro e agradeci ao motorista ao entrar. Sentei-me e senti um tanto de desconforto com a gargalhada e risos que o homem-bem-vestido exibia à medida que relatava o seu confronto com o estranho. Disse ele que era capaz de o arrastar para fora do autocarro se fosse preciso.

Um tanto gabarolas para o meu gosto pessoal. 

Quanto ao homem-estranho, não sei o que lhe aconteceu. O motorista alertou o motorista seguinte, fez a descrição física completa do indivíduo e acusou-o de o ter insultado e recusado a abandonar o veículo. Não cheguei a entender se existiu insulto, embora o homem tenha ruminado algo ao entrar. Agora ficou marcado, como se calhar também eu podia ter ficado naquele mesmo dia, caso o motorista ao qual fiz o gesto do manguito, tenha achado esse gesto ameaçador e impróprio para a sua nobre pessoa. 

Acho que aqui abusam nos direitos e esquecem-se um pouco da educação. Como se sabe, em Lisboa, se um motorista passa com o autocarro cheio de passageiros e não pára quando fazes sinal, é costume ele assinalar com um gesto de mão ou abanando a cabeça - mas é RARO não existir essa comunicação. Existe o cuidado, a atenção, de deixar saber aos passageiros à espera na paragem o que está a acontecer. Aqui não. Estou à espera do veículo, vejo-o a aproximar-se, faço sinal. Espero que se aproxime mais, volto a fazer sinal. E este passa por mim sem reduzir velocidade, o motorista nem me olha na cara, vem a mascar pastilha e ignora-me! Acho isto do mais rude que pode existir. Acho-os muito rudes muitas vezes, naquilo que podiam ser gestos muito simples e fáceis de ter.

Custava acenar com a cabeça? Fazer um gesto? Deixar-me saber que não ia parar?
Como era a única na paragem e obviamente ninguém tocou na campainha para sair naquela onde me encontrava, o motorista ignorou-me! Senti-me insultada. Fiz-lhe rapidamente um manguito que espero sinceramente que ele tenha visto através do espelho retrovisor.

Já que não sabe comunicar, eu sei! Se não aprendeu o que é comunicação visual, eu ensino-lhe.
Se eles, motoristas, sabem acenar uns aos outros quando se cruzam e sabem fazer sinais de luzes para se cumprimentarem, o que custa? O que custa comunicar ao passageiro que ignoras que não paras por algum motivo de força maior?

É que é muito rude.
Muito mesmo.

Novamente hoje, já com a paragem cheia, o autocarro passa a alta velocidade e não pára para nos deixar entrar. Todos olharam uns para os outros. Obviamente. Ninguém gosta de ser ignorado! Não sou só eu, foi a paragem inteira. Mas desta vez, viu-se um outro autocarro a aproximar-se. No meu caso, eu vi DOIS passarem enquanto caminhava para a paragem mais próxima e aguardei aquele por cinco minutos.

Estava longe de esperar que fizesse aquilo. Já tinham passado DOIS! Esperei mais 17 minutos pelo próximo. E aqui é muito tempo! Porque é suposto eles passarem em intervalo de seis minutos entre si. 


Bom, mas desviei-me muito do tema principal. Há dias assim. 

FALAR ou CALAR?

No caso do homem-estranho, ele devia ter-se calado ao entrar. Não calou, o motorista achou que tinha sido insultado e reagiu de forma extrema. Escudado pela lei, ninguém o podia punir. Está no seu direito e nem digo que tenha feito mal, pois quando vi o homem estranho entrar, pensei comigo mesma que ele não devia entrar. Era muito lento nos gestos, estava a tomar o seu tempo... como se vivesse num tempo próprio, só seu. E isso não cai bem ali. Até nem procurou se sentar de imediato, levou o seu tempo, tanto tempo que ruminou alguma coisa que despoletou tudo o que aconteceu de seguida.

E FALAR?
Devia ter falado quando lhe dirigiram a palavra. Devia ter tentado justificar-se, defender-se, até mesmo desfazer qualquer equívoco. E agir. Mas calou-se quando não devia e falou quando devia estar calado.

Quantos de nós não faz o mesmo?
Infelizmente identifico-me bastante com essa parte do estar calado quando se devia estar a falar. Há situações em que se está tão certo que quando se escuta tanta coisa errada, fica-se mudo. Pela injustiça. Já vos aconteceu?


quarta-feira, 6 de março de 2019

Humor e de-humor

O senhorio estava na sala quando desci para apagar o lume. Espantei-me ao vê-lo, porque fazia meses que não aparecia. O rapaz também estava na sala. Excepcionalmente, hoje é o primeiro dia em semanas que a casa não está em pavorosa. Geralmente apanha-se sempre muita fanfarra e muita gente na sala. O senhorio está a perder o sentido de inoportunidade... aparece nos curtos períodos em que nada se passa.


Mas isto tudo para dizer que senti-me feliz por ver alguém que me respondeu como deve de ser e com quem troquei uma curta conversa totalmente natural. Sentia saudades disso. 

Até mudou a minha disposição. Que estava muito em baixo.

Nisto o rapaz sai e eu continuo a lida na cozinha: decidi fazer uma sopa muito rapidamente. Aproveitar a reduzida afluência de pessoal no espaço, para cozinhar algo pela primeira vez em cerca de duas semanas. 

Quando estou a lavar o tacho, oiço a porta da rua abrir e alguém entrar. Por mim até podia ser o rapaz - que saiu se calhar por um curto período de tempo. Não escuto nenhum outro ruído, talvez a pessoa tenha subido. Mas nisto sinto alguém a aproximar-se, a passar atrás das minhas costas e algo é colocado no meu lado esquerdo. É que teve mesmo de "raspar" nas minhas costas. 

É a mais-nova. Entra e não cumprimenta
Estive quase para lhe perguntar:

-"Ouve lá, foi essa a educação que os teus pais te deram? Eu estou aqui, não me vês?? Entras e não cumprimentas quem cá está?" 

Mas não deu tempo, ainda estava com a água a tirar o detergente do tacho e ela pirou-se para o andar de cima. Enquanto estava a pensar nisto e estava de saída, tive um gesto impulsivo e escrevi no quadro "Eu existo". Bem debaixo da frase que ela apropriou de alguém, onde diz que "o dia de amanhã prepara-se hoje".

Pena que não entenda que se não planta cortesia, amanhã não a vai receber. 

Esta juventude que acabou de sair de um curso e começou a trabalhar, já está toda frustrada porque a vida não lhe corre como quer, porque não é rica e porque tem de gastar dinheiro...

Os pais são pastores. Deram liberdade de escolha à filha, mas esperam que ela siga alguns ensinamentos da igreja. Esperam, pelo menos, que ela a frequente aos Domingos. Por isso não quis chamar os pais para a conversa. Decerto que estes valores básicos estes lhe devem ter passado. Ela é que quis rebeliar-se e nisso, a fronteira entre rebelião e falta de educação ou gratidão ficou toda baralhada. 

Os pais nem sonham que a filha é toda de bebedeiras e presentemente anda com três homens ao mesmo tempo. 


sábado, 15 de dezembro de 2018

Os britânicos e o Fuck


Não sei se é da zona onde moro, mas quando oiço pessoas que vivem no UK dizer que acham os britânicos um povo muito civilizado... ah, eu não vejo assim.

Nesta cidade onde vivo os brits devem ser originários de uma low class. Classe trabalhadora, na sua maioria. Com pouca educação ou uma em que é OK mostrar irritabilidade e desatar com ofensas pelo mais pequeno motivo. 

Basta-me espreitar à janela que a maioria das situações que presenciei passam-se mesmo à frente da porta. Com tanto passeio ao longo da rua, é sempre frente à porta que se põem a discutir.

Ontem ouvi uns gritos e palavrões e lá fui espreitar. Ao que parece, por causa de um encontrão enquanto se cruzavam no passeio, quatro pessoas começaram a chamar nomes uns aos outros. O mais "animado", um homem mais jovem com ar de quem bebe e consome demais (segurava uma bebida na mão mas aqui é comum ver isso) ameaçou o mais velho - um homem com gorro e de barba longa, mais branca que grisalha que, sem levantar a voz mas usando uma linguagem de rua, ao invés de se afastar caminhou uns três ou quatro metros para confrontar o indivíduo (bad idea). 

A troca de palavras, o esbracejar, tudo continuou em exagero. Muitos, mas muitos FUCK foram pronunciados. Quando se afastaram, continuaram a maldizer-se à distância. O homem barbudo voltou de onde veio e foi aí que vi que estava acompanhado de uma mulher (assim como o mais novo). O rapaz que continuava o seu rol de Fucks virou-se novamente para trás em mais uma das suas queixas (aparentemente o rapaz transportava uma bicicleta e o problema começou aí) e a mulher, que devia estar quietinha, fez-lhe um manguito com os dedos da mão direita. O rapaz ficou mais chateado, começou a gritar "eu vi que me estendeste o dedo! Eu isto, eu aquilo..." O homem barbudo que caminhava, pára, volta-se para trás, e diz:
-"Eu não te mostrei o dedo, está a mentir".

E é assim que uma mulher pode destruir a vida de um homem. Ahahah.

O gesto podia ter causado uma fatalidade. Os dois já estavam a se afastar, o que ela fez foi uma estupidez desnecessária, estúpida e cobarde, foi deitar mais combustível na fogueira. 

Afastaram-se de vez e... durante mais cinco minutos continuou a ser possível escutar à distância os FUCK do rapaz. À vontade, pronunciou-os pelo menos 50 vezes. Vi-o depois a atravessar a rua, a empurrar uma bicicleta, acompanhado de uma mulher mais um outro casal. Ainda se escutavam os fuck.

Tudo gente cheia de classe, ahah!

Da janela do meu quarto já presenciei várias discussões. Não sei se é o espaço aberto para um carro poder aqui estacionar que proporciona-lhes a vontade, mas costumam estar a discutir pela rua inteira, acabam sempre por parar aqui para a parte mais "calorosa".

O que mais me decepciona são as discussões entre casais que têm crianças à volta. Numa ocasião o rapaz gritava com a mulher que empurrava um carrinho e haviam mais duas crianças junto. O rapaz estava a terminar com ela, acusando-a de andar com outro, beijou uma das crianças dizendo que o ia visitar depois e as outras... ou não eram dele ou se alguma era, ficou claro que só se interessava por uma. Tudo isto na frente das crianças, em público. Os gritos, as acusações de infidelidade, de tê-lo enganado para que ficasse com ela... 

Tudo à minha porta.

E hoje, enquanto caminhava sobre a chuva empurrando o meu trolley das compras, uma carrinha branca pára na estrada. Pressinto que espera que passe mas penso que é porque vai virar para uma entrada de parqueamento que estou no momento a passar. 

De imediato oiço buzinas e abafado pelos vidros, gritos assim: "Sai da merda da frente, sua cabra estúpida!".

E é assim...
Para mim os britânicos são isto.
Não vi diferente.

Se existem diferentes, não devem morar por aqui. E devem circular de carro, porque os que andam a pé (e em carrinhas brancas de empresas de construção ou em carros vermelhos, já agora) são uns mal educados do car... valho. Ou do Fuck, para ser britânica :)



quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Para os que quiserem saber...


Confrontei cada colega de casa com o desaparecimento de artigos pessoais durante a minha ausencia. O primeiro respondeu que não tocou em nada nem tem o hábito de recorrer aos pertences de outras pessoas. O segundo abanou logo a cabeça, dizendo que não. A terceira - adivinhem quem - reagiu assim:

-" Hum... arroz e pasta?"
-"Talvez... sim, acho que peguei".


- "E os três copos e pratos azuis?"
-"Eram copos que estavam guardados aqui?"

-"No meu armário? Sim."
-"Eram copos azuis?"
-"Sim, três copos azuis e três pratos".

- "Ah, acho que também usei.
Tavas fora e pensei..."

Fiquei escandalizada com esta última constatação. Então não existe qualquer noção de que pegar as coisas dos outros não é correto. 


Seja como for, continuei a ser cortês e não fiz um escândalo. Estaria pronta para isso, caso ela não tivesse saído assim que disse aquilo. Porque era ali que lhe ia perguntar se entende que não se deve pegar as coisas de outra pessoa nem que esta se ausentasse 1000 dias. Caso lhe escapasse esse conceito, informá-la-ia que a partir daquele instante estava proibida de se servir de qualquer coisa minha. 


Mas como se pirou não desenvolvi o tema. Voltei a lhe pedir para ao menos deixar um bilhete escrito dizendo que tirou algo meu. Não a autorizei nunca a fazê-lo mas se o voltar a fazer, que me informe, para eu não andar que nem doida à procura de coisas que não vou achar, porque ela as comeu ou as tem no quarto.

Sim, ela tinha três copos e três pratos consigo, dentro do quarto... Sei dá desde quando.
Quando a vi levava nas mãos um outro copo... E entrou na sanita com ele. Para quê alguém precisa de levar um copo para a sanita? É que aqui a sanita é separada do resto da casa de banho... nem prateleira para pousar o copo existe. Bom, deve ter ido despejar o conteúdo... Só espero que não tenha sido nada muito nojento! Já basta os restos de comida semi-digerida que encontrei misturada com cabelos no ralo da banheira...

Bom, mas para que se saiba, a paz voltou a reinar porque, ao expor a situação às claras e ao perguntar a todos, de forma não agressiva, ela se resolveu a bem. A louça voltou à cozinha, lavada. Uma mal lavada mas... lavada. E a comida, a preguiçosa assumiu-se preguiçosa sem vontade de fazer compras, então entregou-me dinheiro para reparar a situação.

Aceitei.
Desta vez aceitei porque me senti lesada. O que ela consumiu foi por mim escolhido a dedo, num supermercado de outra cidade. A marca, o tipo... e só existe ali. Agora teria de ir lá novamente, gastar dinheiro na passagem de ida e volta pois já não tenho o passe, e procurar novamente aquilo que gostava, pois em abundância só existe o que não gosto. 


Senti também que poderia estar a querer me "comprar" o silêncio...
Porque a verdade é que, uma coisa destas é o suficiente para se fazer pressão para expulsar alguém de uma casa, aqui no UK. O tipo a quem tomei o quarto foi embora por isso. Os outros queixaram-se que ele chegava a casa bêbado e não acertava na sanita quando ia urinar...  Ora, ela também entra bêbada, faz barulho, manda vir pizzas às 3 e tal da manhã, e vomita na banheira. Além de não fazer quaisquer limpezas na casa, assim, tão à descarada como descarada foi para se servir da minha comida. Eu não sou supermercado!

Numa situação de igualdade de factos, se o outro saiu por iguais motivos, esta também poderia sair.
Mas quem vai sair é o último que entrou. E diz que mal pode esperar. Não gosta da forma como os outros demonstram não gostar dele.  

E virá um outro/a....

É assim o ciclo de vida de uma casa partilhada. 


quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Falta de noção com falta de moral


Isto aconteceu comigo à pouco e achei que era um bom assunto para trazer até o blogue.
(mesmo existindo uma hipótese de exposição)

Estava a sair da estação do metro (quase meia-noite) rumo à paragem de autocarro. Nisto escuto a música ambiente bastante alta. 

«Há noite o metro vira uma discoteca!» - pensei a ironizar. 
«Podia já fazer-se uma festa aqui» - acrescentei.

E como quase sempre acontece quando me deparo com uma situação caricata, "saco" do telemóvel na intenção de registar o insólito. 


E como quase sempre acontece, quando se tem algo mesmo «giro» que se quer registar, o telemóvel está a perder a bateria e o armazenamento atingiu o limite :)

Pela altura em que consigo chegar à camara, carregar no botão e ver aquilo reagir ao comando, já a música tinha chegado ao fim. Quando regressou, como temi, veio um pouco menos alta. E manteve-se assim, oscilando entre o baixo e o alto, mas não aos berros como estava quando me surpreendi com o inusitado. Fiquei a pensar quem é que estava responsável pela sonoridade da estação e se estavam a pensar se divertir naquela noite, quanto todos tivessem ido embora...


Há medida em que fui avaçando, fui percebendo que outra música ambiente da estação estava a tocar no fundo. Muito ténue, quase imperceptível. Existiam então DUAS fontes de som ambiente? Estranho. Nunca percebi tal situação. Observei ao redor enquanto me dirigia para a saída da estação, a tentar perceber se estavam em reparações ou a fazer testes. Nada percebi nenhum indício. Mas era distinto a presença da música alta com a ténue e discreta. DUAS fontes de música inundavam o mesmo espaço público.

----------

Saio então da estação e, cá fora, na rua, após sair do elevador que me isolou do subterrâneo musical, os ouvidos foram novamente surpreendidos pelo mesmo volume de decibéis exageradamente elevados. De onde vinha a música? De um aparelho transportado a tiracolo por um rapaz. Deve ser aquilo a que chamam boombox. Em termos sonoros é o equivalente às colunas de som stereo daqueles automóveis mais irritantes, que quando param num semáforo com a música aos altos-berros, só dá é nos nervos de quem está em casa a tentar se concentrar numa qualquer tarefa. Só que, desta feita, fizeram-nas portáteis para humanos. 



O rapaz também se dirigia à paragem. Onde já se encontrava um outro. Este também estava a escutar música, mas usava phones nos ouvidos. Daqueles que não deixam transbordar ruído para fora (esses são um atentado!). Este rapaz, que já se encontrava ali, teve de se afastar. Certamente para não se sentir incomodado. Afinal, se já estava a escutar música - certamente da sua preferência, não tinha porquê ter de ser sujeito a escutar outra, que não podia escolher se queria ouvir ou não.

Eu fiquei curiosa e quis registar o inusitado. Mas com o telemóvel a dar as últimas, fiquei ali a tentar apagar cenas que ocupam espaço para ver se apanhava um pouco daquela curiosidade. Discretamente, ou tentando ser discreta. Gosto de registar, mas não torno público coisas que, mesmo sendo feitas em lugares públicos, possam afetar a identidade de terceiros. Quem me conhece daqui sabe o que penso a respeito dos direitos de cada um.

E por isso mesmo tive o ímpeto de chegar perto do rapaz e lhe perguntar: "O que te faz pensar que não faz mal impores assim a música às outras pessoas?". 


Sério... tive curiosidade. Inclusive dirigi até o rapaz, que por esta altura conseguiu a proeza (imagine-se como) de ter o banco da paragem exclusivo para seu usufruto. Nem eu, que pretendia aguardar a chegada do autocarro ali sentada, nem o outro rapaz, ficámos por perto. Tanto ele como eu nos afastámos um tanto. Os décibeis eram realmente altos. Tenho a certeza que se faziam ouvir nitidamente nas habitações dos prédios à volta. Aquela música podia ser escutada nos arredores e num raio enorme de alcance. Cada uma das pessoas já em suas casas, dentro daqueles apartamentos, nos prédios de 10 andares, três ou quatro fogos cada, mais de duas centenas de áreas de habitação, cada qual com o seu número variável de ocupantes - todos podiam escutar a música.

O que justifica a minha curiosidade. Queria mesmo saber o que fazia o indivíduo achar que fazia bem ouvir música assim. Alta, àquela hora da noite - quase meia-noite. 

O indivíduo até me pareceu que podia ser boa gente - embora com falta de respeito e provocador. Sorriu, percebeu que os restantes se afastavam e até aumento mais ainda o volume da música por causa disso. De alta passou a altíssima. E ficou ali, senhor e rei do espaço, sentado ao centro do banco que dá para três se sentarem, de pernas ligeiramente abertas, mãos nos bolsos, por onde controlava o volume da maquineta. De vez em vez, olhava para nós - que nos afastámos.

Olho no seu rosto, ele olha no meu. Avanço dois passos na sua direcção para lhe perguntar o que o faz pensar que está bem ouvir música assim, e fazer todos ouvi-la também. Mas opto por recuar, abanando a cabeça e esboçando um sorriso intrigado, mas não crítico. Quero é registar o inusitado - sem com isso pretender incomodar o indivíduo - mesmo este estando a incomodar todos. 

Ocorreu-me até pergunta-lhe se o podia filmar um pouco - só para registar a situação. A pesar de ele estar num local público e não ser proibido recolher imagens em sítios que são para usufruto de todos e pertencem aos cidadãos no geral. É uma questão de ética pessoal. Mas ia pensar nisso assim que conseguisse por o telemóvel a funcionar. Tive até de o re-iniciar, porque é tão velho que fica "cansado" e reage com lerdeza a quase todos os comandos, podendo até "apagar-se" se puxarem muito por ele.

Quando finalmente deu sinais de vida, o autocarro tinha acabado de abrir as portas. Apressadamente ainda carreguei no botão, que demorou a reagir. Primeiro, "fugiu" o menu, tive de voltar a este e então carregar novamente, já o indivíduo estava dentro do veículo, onde reduziu consideravelmente o volume da música, embora não a desligasse. 

Assim que pisei dentro do veículo com o meu telemóvel em riste, como o vinha a ter desde que saí do metropolitano (até então estava no bolso), o rapaz de imediato começou a fixar-me. Acho que achou que o estava a filmar e pareceu que talvez não gostasse. Mantive o telemóvel na mão, mexendo nos menus e vendo a imagem do rapaz. Ainda que não conseguisse registar o momento mais alto de toda a situação, quis registar algo. 

O rapaz parece olhar muito para mim mas para ser honesta, eu nem liguei. Estava mais a olhar para fora da janela, a tentar absorver um pouco das parcas decorações natalícias. 

Nisto o autocarro chega a uma paragem, o rapaz sai e quando o pé já vai meio de fora diz-me assim: "Se isso aparecer nas redes sociais processo você".



Aquilo desiludiu-me. Deixou-me chateada.
A lata, o descaramento... e a cobardia.
Se tem algo a dizer, que o diga de modo a poder escutar uma resposta. Se quer fazer uma ameaça, que a faça quando já não está a fugir do local onde deixa a ameaça. 

Mas o que realmente me incomodou foi ele me nivelar ao seu patamar. Eu jamais colocaria nas redes sociais. Tenho noções de ética e respeito que claramente lhe escapavam. Estar a nivelar-me pelo seu exemplo deu-me asco. 

Gosto de registar momentos - todos os que poder, de inócuos a aparentemente relevantes. Gosto de fotografar sombras e paisagens. E geralmente aguardo as pessoas desaparecerem destas ou não ficarem identificáveis. Ainda assim, o que registo é para mim, não exponho ninguém em fotos que possa disponibilizar a mais alguém. A menos que não tenha hipótese, como por exemplo, se achar inusitado uma fila enorme para... comprar pastéis de Belém, por exemplo. Aí, se fotografo ou filmo a fila, esta é composta de seres humanos com rosto... algum terá de ficar mais exposto. Mas também, aí é local público. Até eu, por ter a semana passada circulado na baixa para ver as decorações natalícias, sei que fiquei registada por uma dúzia de câmaras que filmavam e fotografavam. Haviam turistas que, quando eu dava por ela, já me tinham enquadrado na sua mira fazia tempo.

Nessa ocasião, ao me dar conta que uns indivíduos estavam a tentar vender maconha aos que passavam, tentei registar a situação - mais uma vez pelo inusitado. Sempre ouvi falar mas nunca tinha "apanhado", ali, no centro da rua augusta, tal coisa. Mas claro: assim que o telemóvel que já trazia a gravar o ambiente tentou discretamente apanhar os indivíduos a abordar alguém, os mesmos pararam de o fazer. E eu acabei por afastar-me.

No fundo, sou uma colectora de vida. Só gosto é de registar os momentos tal como eles são. Fico triste quando os observo mas os perco, e lamento quando cessam só porque notaram que os tentava registar. Não pretendo com isso mais nada senão apanhar o quotidiano, o dia-a-dia, os costumes. Daqui a uns anos estes mudam tanto que será uma preciosidade existir qualquer registo dos mesmos. Basta pensar na dificuldade que é hoje ter em registo em vídeo ou fotografia de uma qualquer cena quotidiana dos anos 80 - como por exemplo aqueles rádios portáteis gigantes, com um deck para cassetes, usados na rua pelos "rockeiros", que se balouçavam ao som daquilo e que geralmente transportavam em cima dos ombros, bem perto do ouvido (como se fosse possível não escutar, ahaha) enquanto mascavam pastilha elástica para ter «estilo».  Este «puto» no metro não inventou nada que ninguém não tenha vivido antes, apenas era uma versão modernizada de um mesmo costume. 



Mas isso que descrevo é outro tema. Contudo foi essa situação que me enervou. O descaramento! A «ameaça» do rapaz, por temer ir parar a uma qualquer rede social. Ameaça essa que, se me tivesse afectado, seria no sentido de me alertar para ponderar fazê-lo. Nem se deixa rasto... Certamente ele o faria, sem pensar duas vezes. Se calhar já o fez a outros. Só posso deduzir assim, devido às circunstâncias.

Quem estava a cometer uma ilegalidade ali, que eu saiba, era ele. É mesmo proibido pela lei do ruído (e isso inclui o volume de música) produzir sons altos ou ritmados que possam interferir com o sossego e descanso das pessoas. Fazê-lo dá direito a coima. Penso até que nem é preciso esperar pela meia-noite - hora para a qual os ponteiros do relógio estavam quase a chegar. Julgo que é logo a seguir ao final de um típico expediente de trabalho das 9h Às 18h que não se pode mais fazer ruído. E este tipo estava a cuspir música a altos décibeis para toda a região escutar, desrespeitando o espaço dos outros. Quando pressente o seu invadido, aí é que se sente incomodado?
Achei de uma evidente falta de noção e falta de moral.



PS: gravei uns segundos da música, quando esta estava alta, não no volume máximo em que o tipo a pôs mas perto. Mesmo com um mau gravador - um gravador de tanga e com uns metros de distância, surpreendeu-me a clareza e nitidez que ficou registado. Quando souber como colocar aqui um clip de som - ou quando me apetecer saber, incluo porque isso é aquilo que falei acima: gosto de registar os momentos. Ler é bom, mas nada explica melhor do que ver ou ouvir.