Que bom que é quando podemos realizar uma vontade. E aquela que vinha a ter era passear, conhecer outros lugares. Para espairecer daquele onde estou.
Estava decidida a ir fazer uma caminhada muito longa, de cidade para cidade costeira, por verdejantes colinas. Tinha tudo planeado mas, no último minuto, descobri que me equivoquei e tudo desmoronou. Fiquei sem chão, a querer desesperadamente cumprir a minha missão: IR A ALGUM LADO ONTEM, sexta-feira Santa.
Não só por ter existido o "milagre" de ter o meu serviço dispensado por ser feriado - mas porque, segundo todas as previsões sobre o tempo, seria o único dia com SOL para esta e as próximas semanas.
Nesse preciso instante as nuvens cobrem o sol e a colina ficou à sombra. Enquanto me mantive sem o kispo e apenas de T-shirt, o sol abrasador que vinha a sentir desde que iniciei viagem, não deu ares de si. Andei colina abaixo, em direcção ao Zoo, atravessei a ponte para o outro lado do Regents Park, na esperança de encontrar a beleza que vi outrora, mas depois de muito caminhar, meus pés de pé desde as cinco da tarde do dia anterior, queriam descansar. Vi uma tábua lisa a servir de banco e sentei-me. Puxei de um livro que comprei e pus-me a ler. Só que as costas precisavam de apoio, por isso deitei-me na tábua, mochila a servir de almofada e li. Quando me cansei, decidi caminhar para o mercado de Camden, um local que gosto e onde me sinto confortável. Tive de voltar para trás e decidi seguir pelo rumo do traçado do canal - existe um canal de água com passeios de barco que liga Camden ao centro de Londres. Decidi que era por ali que queria fazer o percurso. E foi maravilhoso.
Este passeio não podia ser adiado "para outro dia". A previsão do tempo só indicava ontem, sexta-feira santa com sendo um dia com sol e boa temperatura. Pode já ser primavera, mas o tempo ainda insiste que é inverno. Chove praticamente todos os dias. Era ontem ou nunca.
Quando notei que fazer a caminhada costeira pelas colinas das seven sisters - o meu plano inicial, tinham saído logrados, fiquei de rastos. Até me vieram lágrimas aos olhos. É tão difícil saber o que fazer com os recursos limitados que tenho e na condição em que estou (sozinha). Tinha encontrado uma actividade que me entusiasmava. Mal podia esperar por a fazer. Fui trabalhar sabendo que, logo à saída, ia começar a minha aventura. Não ia dormir, ia aproveitar o sol.
Mas o colega que ficou de me dar boleia desapareceu. E com isso os meus planos foram por água a baixo. Ele ia levar-me até Brighton - uma cidade costeira que é um ponto de ligação com outros locais, e daí eu apanharia um autocarro para as colinas brancas de nome Seven Sisters.
Sem a boleia, teria de apanhar um autocarro até a cidade e daí outro para Brighton. Este leva duas horas no percurso. O propósito da boleia era somente esse: encurtar consideravelmente o tempo dispensado para chegar lá, a metade do caminho. Saí do emprego às 6.30 da manhã. O primeiro transporte para Brighton só estava disponível às 10:30! Nem tinha percebido que dependia tudo de uma boleia, era apenas para me facultar mais tempo para usufruir do local sem ter de olhar para o relógio. Sempre existem autocarros com partidas matinais. Mas como foi sexta-feira santa, feriado, os horários também deixaram de ser disponibilizados na sua amplitude habitual. Em vez de partir cedo, o primeiro horário passou para as 10.30 da manhã! Mais o percurso de duas horas para Brighton seriam 12h30. Chegada lá, teria de apanhar outro autocarro em direcção às colinas: hora e meia. Na melhor das hipóteses, seriam quase 2 da tarde quando ia poder ser possível começar a caminhada. Como o último transporte de regresso era as 17h, em Brighton, e das colinas até lá levaria outra hora e meia- na melhor das hipóteses, não me sobraria nem uma hora - que é o que leva para caminhar até a falésia. Na prática, não tinha nem um minuto disponível para fazer o passeio.
Fiquei de rastos! Até me vieram lágrimas aos olhos. Estava convicta de que ia ter o prazer de renovar as minhas energias naquela caminhada. Trabalhei desde as 5 da tarde até aquele instante, motivada por aquela actividade pós-trabalho. Tanto planejamento, tudo por água a baixo. Fiquei decepcionada por ter sido roubada disso por um colega que podia, facilmente, ter-me dado a boleia.
No meio desta desilusão, pensava nas minhas opções. Ir para casa? Não! A casa não é um lar. É um sítio onde sei que vou me deparar com uma pessoa má, que me segue por todo o lado, que faz joguinhos, que me impede de ser quem sou e me força a estar demasiado centrada na sua existência. Mais que tudo, queria exatamente FUGIR disso. Daí todo o propósito de precisar de passear.
Quando o autocarro até casa me largou na cidade, continuei a andar em frente até a estação de comboios. Supresa por já estar activa, entrei, falei com um bilheteiro que revelou estar cansado de responder a perguntas e lidar com pessoas. Depois de saber que um bilhete de ida e volta para Londres custava 20 libras (por ser feriado é que SÓ custa 20 libras - disse-me ele com ar de quem não aguenta mais a reacção do público) segui o meu instinto de «fugir» para outro lugar para que a pessoa que ainda tenho dentro de mim possa se satisfazer e ficar menos condicionada pelo que me rodeia.
Nuns impressionantes 50 minutos, estava em London Bridge. Ia sem destino e sem propósito. O que inicialmente me causou receio. Receio de não me apetecer estar em Londres e de não sentir qualquer prazer nisso. Mas o tempo - ensolarado, ajuda a levantar os ânimos. Não acham?
Caminhei na direcção que o meu instinto e curiosidade me quis levar. Mas primeiro, um WC. Não vi placas a indicar nenhum, pelo que tive de perguntar a um funcionário que controla as passagens pelos portões de entrada com bilhete. Uma coisa tem de se dizer de Londres: AO CONTRÁRIO do bilheteiro da estação de comboios local, todos os funcionários Londrinos são exímios a dar informações. Fazem-no sempre com aparente gosto em ajudar. Simpatia, boa informação. Uma delícia. E olhem que eles são bombardeados por centenas de pessoas. Alguns de segundo a segundo. Não pára. Dirijo-me a funcionários com uniforme que pareciam estar fora de serviço, a aguardar algo. Ainda assim, escutam, prestam atenção, consultam os horários e informam bem, aconselhando e indicando a melhor escolha, e desejando um bom dia cheio de simpatia.
Gosto de Londres por causa disso. Vejo pessoas normais, a agir de forma normal. Que não "esquentam" quando uma brisa passa. A maioria culta, interessada, educada. Para mim o cartão de visita de Londres são estas pessoas, a normalidade dos comportamentos. As conversas com que esbarro são normais, também. Onde vivo tudo é mesquinho. É curioso, que era isso que o bully da primeira casa sempre me repetia: "Sai desta cidade, aqui todos são mesquinhos. A mentalidade das pessoas. Ninguém presta. É tudo lixo." - dizia ele. Só que ele também era mesquinho, com uma mentalidade egoísta e vingantiva. Tinha como propósito de vida alcançar status superior, por enquanto só o aparentava dentro do local de trabalho. Talvez devesse ter-lhe dado mais crédito neste patamar. Afinal, é preciso um para reconhecer todos.
Adiante.
Quando me mudei para Inglaterra, não quis viver em Londres. Farta de cidade grande estava eu. Senti prazer na ideia de morar num lugar mais tranquilo, pequeno, com casinhas e jardins. Não conhecia era a realidade social destes locais. Talvez não deva julgar todos os locais pequenos, vilarejos etc, por esta amostra. Mas a verdade é que FANTASIAMOS os vilarejos como locais idílicos, cheios da beleza da natureza, com algumas pessoas a viver nele, que são pacíficas, amistosas, hospedeiras, humildes, bem educadas, cheias de valores, justas, amigo do amigo.
Não é bem assim. Muitas vezes são fechadas no seu próprio mundinho, que é pequeno, tal como é a visão e percepção das coisas. Podem ser mesquinhas, aversas a estranhos, dados a fofoquice constante porque é isso que consideram a actividade social habitual.
Cidade grande tem fama de ser fria. Pessoas indiferentes umas às outras. Isoladas. Concentradas nas suas vidas, com pouco tempo para olhar em redor.
Mas olhem: aqui nesta pequena quase-cidade, as pessoas são indiferentes também. Existe muito sem abrigo. Passam por eles como todos na grande cidade passam. Existe muita juventude demasiado agarrada a charros, drogas, bebida.
Li apenas uma parte , amiga. Os meus olhos cansam rapidamente e começam a arder e a chorar. Pelo que li vi que aproveitou o feriado para fugir da rotina e passear e ler ao ar livre, e experimentar sensações diferentes das que naturalmente vivenciam os seus dias.
ResponderEliminarAbraço, saúde e boa semana
Obrigado por ler, Elvira. E comentar.
EliminarSerá que não existirá um programa que faça a leitura oral de textos em computador? Acho que seria muito útil. Uma vez encontrei um, mas tinha-se de colar o texto e carregar no botão. A voz portuguesa era boa. Se encontrar novamente divulgo.
PS: Metade é suficiente. O resto é muito detalhe :)
Saúde.
Olá
ResponderEliminarTalvez seja um sinal de que tem que mudar... qui ça...
entretanto tire partido dos pequenos prazeres da vida que esses são os mais importantes.
Até sempre