Estava no supermercado quando escuto uma conversa entre os dois rapazes no serviço. Diz aquele que está a colocar coisas nas prateleiras para o outro, que está na caixa:
Agora és padrasto? Assumir a responsabilidade? Que idade tem ela?
O rapaz dizia isto como se estivesse a falar de algo alienígena. Estava claramente meio a gozar e a não concordar com o conceito de arranjar uma namorada que já vem com filhos agarrados.
- Tem quatro. - responde o outro.
Enquanto eles estão a ter este diálogo em me ocupo em procurar nas prateleiras o produto pretendido. Nem olhei para qualquer um dos dois. Mas deduzi logo pelo tom de voz do primeiro, que era um miúdo. Longe de se imaginar envolvido com uma rapariga com filhos.
O que coloca coisas nas prateleiras faz mais um comentário meio jocoso, meio ignorante - devido à jovem idade. Acaba por perguntar se ele não se sente incomodado e o que é feito do pai. "Ela ainda nem pode ouvir mencionar o nome dele". Fazer de pai é chato, não? - julga o outro. Nisto olho para os dois. O rapaz da caixa responde:
-"It's actually nice. It's really nice".
E diz isto com sinceridade, um certo brilho no olhar e... prazer.
Deu-me uma pitada de tristeza nesse instante, porque me veio à lembrança uma sensação que sempre tive quando sofri de paixonite. Ele dizia que não queria ter filhos - nunca. E nisto eu o vi, eu o senti pai, mas um pai daqueles que adora a filha, que só conhece o quanto a felicidade é abrangente quando cria um ser e esse ser depende dele para crescer feliz. Senti isso, achei que ele ainda não sabia isso a respeito dele mesmo. E ali estava a prova: algo que não me surpreende em nada. Um rapaz, um miúdo, envolveu-se com uma mulher com uma filha e está a descobrir que gosta.
Quem já se sentiu no fundo do poço, chateado, aborrecido, sem esperança e depois tem contacto com uma criança, sabe que elas têm um poder quase mágico, de simplificar as coisas e nos fazer sentir a vida de forma diferente. Elas dão amor com um sorriso traquina, e nos fazem sentir felizes com muito pouco.
Aquele rapaz descobriu isso. Ainda bem para ele.
O outro, um niquinho atrapalhado em ter posto o pé na poça, tenta corrigir: "Quero dizer, presumo que de início estranha-se mas depois se habitua".
Continuei as minhas compras e não pude prestar atenção para o rapaz que se viu no papel de "padrasto" - como o outro fez troça. Fiquei a pensar qual o peso do aspecto físico no critério de selecção da mãe da criança pelo progenitor. Agora que tinha uma criança, geralmente os putos bonitões não se interessam em se relacionar com elas. A menos que seja para praticar um pouco de sexo casual, usando-as, mas sem interesse em amá-las e muito menos em estar por perto dos seus filhos. Olhei então para o rapaz na caixa. Não era atraente. A pesar de jovem, já se notava que estava a ficar calvo. E dou por mim a pensar se ele alguma vez teria tido uma chance com a atual namorada, se esta não tivesse tido filhos com alguém que agora despreza.
Infelizmente tem o seu quê de verdade: uma jovem mulher com filhos raramente é considerada para parceira por jovens miúdos solteiros e atraentes. Os seus critérios também mudam. Aquele que a quiser, terá de querer a menina também. Isso excluí uma grande maioria. O aspecto físico passa para um plano secundário e certos traços de personalidade, como ser carinhoso, atencioso, bom ouvinte, preocupado e dedicado passam a ser os sinais procurados.
Nessa loja comprei alguns bens essênciais mas também decidi embelezar o meu ambiente com isto:
Cor e alegria para uma parede, num quarto de solteiro, que nunca terá uma criança. O seu ocupante não vai contruir família nem voltar a sentir a euforia da paixonite. Vivam os ainda jovens. Esses ainda têm tempo.