terça-feira, 24 de março de 2020

Desânimo?


Há momentos na vida em que pensamos: "de que vale a pena?".
Sinto-me irrequieta, tenho dificuldade em adormecer e, se adormeço, acordo poucas horas depois sem conseguir voltar a dormir.

E por isso aqui estou... 2h da manhã, a escrever no blogue.

Desde que regressei ao Reino Unido e fui dispensada do emprego, tenho estado a trabalhar. É paradoxal mas até hoje tem sido assim. Iniciei um novo full time ontem, que de full só teve a manhã. A incerteza nesta área regressou ao ativo.

Desânimo. Pelas pessoas e pela humanidade.


Embora o exemplo que tenha recebido vindo de notícias de Portugal não envergonham ninguém. Dá-me gosto perceber como o país está a reagir à pandemia. Sei que tem existido também casos de pessoas que «não apanharam a mensagem» mas no geral, desde aqueles que fazem humor que aligeira as preocupações, aos reformados que se oferecem para prestar assistência médica nestes tempos de contágio, às unidades de rastreio, às desinfecções de tudo o que é lugar público... Desse lado do oceano só me chegam coisas que restauram a fé na humanidade.



Mas deste lado, nem tanto. 

E é aqui que vivo. É aqui que gostaria de ter por perto alguém que gerasse em mim esta sensação de orgulho. De que vale a pena viver. E não tem acontecido. Ao contrário. As pessoas na sua grande maioria continuam parvas. Não cumprem a distância social, vão às compras com as crianças todas, bebés em carrinhos, tossem livremente e, em tempos de solidariedade, não se coíbem, muitas delas, de serem rudes.

Quando saí do emprego ontem dispensada de voltar, (quase fui atropelada e por minha responsabilidade, que olhei para a rotunda a ver se vinha trânsito e esta estava vazia, logo passei a estrada. O problema é que o sentido do trânsito era o oposto e o meu cérebro por um instante não detectou o erro),  não pude deixar de sentir alguma inquietação. Já tinha trabalhado naquele lugar antes, mas quando cheguei, não encontrei ninguém, quando finalmente encontrei, não escutaram o que eu disse através da máscara. Deram-me uma função: a de descarregar um camião cheio de caixas e passar um marcador preto no código de barras de cada uma.  Não estava sozinha, outros três lá estavam, homens, cada qual com a sua função. A regra nestes lugares é só uma: ser rápido. Estão a julgar-te desde o início com base na velocidade. As caixas eram atiradas do camião para o chão sem grandes preocupações, tombavam, caiam, eram chutadas... Velocidade acima de qualquer coisa.

Mas foi a conversa entre dois deles que me deixou apreensiva. Enquanto falavam do Corona, diziam que mesmo que tivessem doentes não eram pessoas de ficar em casa. O motorista do camião disse que aquele era o seu último dia a trabalhar, porque tinha a mulher doente e ia ficar em casa a tomar conta dos filhos. "Doente? Doente do quê??" - pensei eu. 

Se um diz que vai trabalhar mesmo que se sinta mal e outro vai trabalhar mesmo que alguém próximo de si esteja doente - isto é o "núcleo" de gente que me rodeia. Um deles usava máscara mas os restantes no armazém inteiro, não podiam estar mais à vontade. Nada de luvas, falavam livremente uns com os outros, sorriam e riam na cara uns dos outros, uma das mulheres levou um prato com uma espécie de pizzas em miniatura e partilhou com as pessoas de quem gostava, outro estendeu um saco de snacks para outra provar...

Onde estão os comportamentos de segurança que a ocasião exige? 
É aquela postura típica de que tudo é um exagero e um absurdo e que eles é que estão "com a razão". Opá, se a selecção natural fosse realmente selectiva, estes seriam os primeiros num contexto de contágio, a vir a morrer. Mas infelizmente, mesmo que ficassem contaminados, provavelmente alguém que tomou todas as precauções, um enfermeiro ou médico qualquer que arrisca a vida todos os dias e faz sacrifícios familiares, é que «bate as botas» e eles sobrevivem. Para depois, sentirem-se ainda mais convencidos de que são invencíveis e nada os derruba, e voltam a repetir o ciclo.

Fui dispensada mais cedo (e permanentemente) porque ninguém soube indicar-me o que pretendiam que eu fizesse. Depois de ter terminado de tapar os códigos de barras - também mal explicado porque às tantas, uma das chefes chega e diz que a caixa que acabei de riscar não era para ser riscada - fiquei sem orientação. Então fui procurá-la. Quando avistei o chefe, perguntei-lhe que mais podia fazer. Este grita para uma rapariga que lá está "caixa" e manda-me subir ao piso de cima para a ajudar. Quando chego, ela põe-me um pack de caixas de cartão nas mãos e vira as costas. Eu pergunto: "o que é suposto eu fazer com isto?". Ela encolhe os ombros e diz: "Pergunta ao Greg". Lá desço eu ao piso inferior, com as caixas, só para não encontrar lá ninguém. "A sério? Isto vai voltar a ser assim? Uma total desorganização?" - pensei, já a não gostar da experiência.

É que nesta empresa, ninguém é capaz de especificar o que pretende que tu faças. E depois, se não demonstrares que o sabes fazer, ainda olham para ti em reprovação. Sabem quando chega uma pessoa nova e alguém tem de a orientar pelos procedimentos? Esqueçam. Tratam-te como uma reles e substituível peça. Se mostrares que tens voz, opinião, não gostam de ti. Após mais uma outra "ordem" transmitida apenas por um apontar de dedo de um sítio para o outro e o dizer: "ali", cresceu a minha frustração. Ao executar a tarefa, pareceu-me claro que não estava a ser feita como deve de ser. E pensei: "mas porquê não têm capacidade de explicar o que pretendem, dar o exemplo, custa tanto assim?". Ia precisar de uma lâmina para cortar as caixas, não havia nada disponível, não explicam nada... eu sei que não era a primeira vez que ali estava. Mas tirando a rapariga, ninguém me reconheceu. O facto de ser tratada quase como se não estivesse ali fez-me sentir menos tolerante com o descaso e falta de profissionalismo. Acabei por pedir ao chefe que me desse uma função, explicasse o que pretende e me desse ferramentas para a fazer. Ele fez cara de quem não estava a entender nada. A rapariga ao vê-lo aproximar-se comigo a falar ao seu lado, subitamente já prestou-me atenção.  Largou o que estava a fazer para vir saber o que se passava e "oferecer" ajuda! Conheço-a bem. Em Outubro, quando ela apareceu na empresa para trabalhar, percebi logo que tipo de pessoa era. Ainda assim, fiz questão de lhe explicar como era o procedimento. Quando ela aprendeu algo mais, não soube demonstrar a mesma capacidade de partilha nem de ensinamento. Limitava-se a sorrir e a fingir que não entendia o inglês.

Mas assim que aparecia um dos chefes, ela até chinês passava a entender! Baldava-se um pouco e fazia as coisas sem rigor. Mal via o dono, ia a correr ter com ele a sorrir e a mostrar serviço. Apoderou-se de uma função específica e quando fui mandada para a ajudar não me explicou nada e ainda demonstrou falta de vontade, tentando empurrar-me para outro lado. Percebi que não queria que aprendesse o ofício. Queria ter a exclusividade, para mostrar que tinha mais valor, era melhor que eu.

Em suma, porque mostrei descontentamento e pedi para que me explicassem o que era para fazer, dispensaram-me. Ainda gozaram, puseram-se a rir. A rapariga em particular, deu risadas que não mais acabavam. Estava a querer agradar o chefe. Até me fez perguntar: "é assim tão humorístico?". Não que me rale, mas decepciona-me. Fico sempre a desejar que as pessoas demonstrem um carácter acima do que são capazes, talvez. 

Depois disso ainda continuei a trabalhar. Já tinha feito umas tantas coisas quando vieram ter comigo a dizer como as queriam. Agradeci-lhes e fiz conforme o pretendido. Mas estavam todos mais inclinados a ser críticos do que a colaborar.

Numa altura fui ao WC, mas antes olhei para o relógio. Quando regressei ao mesmo lugar, voltei a olhar para o relógio: cinco minutos. Fui, fiz, voltei. Um tempo recorde. Mas nesse tempo algo aconteceu. Nisto a rapariga passa atrás das minhas costas e começa a cantarolar.

Conheço aquele "cantarolar". Era o mesmo que fazia quando ganhava a preferência do patrão. Um cantarolar vitorioso, de conquista sobre o adversário. Percebi de imediato que algo mau vinha para o meu lado, porque só isso a fazia cantarolar daquela maneira. Talvez tenha aproveitado a minha ida ao WC para dar a entender que eu tinha "desaparecido" ou largado o posto por muito tempo. Minutos a seguir, fui dispensada pelo chefe.

Depois, já em casa... sozinha no quarto, carente, decepcionada, cheia de incertezas, o pensamento voou de volta para ele. Também foi inesperado, uma falta de carácter com que não contava. E ainda dói. 

As minhas hormonas andam a mexer com o meu estado de espírito. 
Junto com as memórias, tudo causou algum desânimo. 
Preciso de bons exemplos de humanidade e de ter ao meu lado uma pessoa de valor acima da média. 


PS: passei por uma loja na saída do emprego e para pagar as compras, tive de tirar a luva e tocar no monitor. Bem que tentei com luva e até outros materiais, mas a máquina só aceita o contacto da pele. Então tirei a luva, abri o casaco, tirei o desinfectante, passei num lenço de papel e esfreguei-o monitor da máquina registadora. Na mão esquerda segurava um saco e a luva removida, no peito os artigos que ia comprar e a mão direita fez os procedimentos na máquina. Quando passei o primeiro artigo no scanner, atirei-o para a área de repouso, porque tinha o outro seguro ao peito. O artigo era leve e escorregou para o chão. Pretendia apanhá-lo no final, quando estivesse com as mãos mais livres. Nisto a funcionária que está ali só para auxiliar as pessoas que usam as máquinas aproxima-se e diz, num tom de voz altivo: «não atire os artigos!». A sério?? Pensei. Numa situação de Covid-19, ela viu o procedimento pelo qual passei para registar um artigo, percebeu que não foi um arremesso intencional e aproxima-me para me criticar? Se fosse para ajudar... é que olhei para o monitor e o artigo não passou com o preço que estava registado, mas com outro acima deste. Diante disso e da postura da empregada, decidi deixá-lo para trás e fui embora. Só dei três passos fora da porta, quando fui para enluvar a mão e notei que não segurava mais a luva. Voltei atrás, olhando para o chão. Não vi a luva em lugar algum. Perguntei à mesma funcionária se tinha visto a luva, porque eu tive de a descalçar ali naquele sítio há instantes apenas, para usar aquela máquina. Ela, com uma voz muito prestativa e dócil, disse que não tinha encontrado nada, só umas luvas pela manhã e foi buscá-las para mas mostrar. Agiu como se não me reconhecesse de à segundos atrás. Era claro que aquelas luvas pretas esquecidas pela manhã não eram minhas. foi há 10 segundos, não há 10 horas! Era impossível eu ter perdido a luva em qualquer outro lugar. Foi ali mesmo que deve ter caído. Não tinha como não a encontrar no chão. A menos que alguém a tivesse apanhado. E só podia ter sido ela, a funcionária. 

Negá-lo e ficar-me com a luva foi uma forma mesquinha de se vingar. 

Foi mais uma situação que contribuiu para que o dia de ontem não fosse o mais feliz e fez que aumentasse a sensação de desânimo para com o mundo. Agora encontro-me em insónia, a reflectir nas mesquinhices da vida e a deixar que estas me incomodem.

Escrever sobre as mesmas já ajudou a fazê-las passar. 

Tenho também de mudar a minha atitude com a vida... Aprender a reformular a forma como expresso descontentamento. Não sou agressiva mas tenho de aprender a ser como a funcionária: mais fingida, escolher melhor as palavras... dizê-las e não as engolir, mas a usar um tom dócil com acidez em simultâneo. 



8 comentários:

  1. Bom dia, espero que esteja mais calma já. A vida está difícil em todo o lado, mas não estaria melhor aqui, no seu país?
    Não tinha italianos ordinários em casa e , quanto ao trabalho, arranjaria melhor. Beijinhos. Ânimo. Lute pelo melhor.

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  2. Nem sei que lhe diga. Será que não tem mesmo hipótese de regressar? Eu sei que os empregos aqui são poucos e com esta crise ainda ficará pior. Mas caramba isso é viver num calvário.
    Abraço e cuide-se

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  3. Bom dia:- Sem me querer imiscuir na sua vida, porque não volta a Portugal e, cá, luta pelos seus anseios e desejos?

    É que viver como vive, é morrer lentamente. Digo eu...
    .
    Uma feliz Terça-Feira

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  4. Posso sugerir pensamento positivo? Sei que no actual contexto não será fácil mas ... tente.
    Saudações lusitanas

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  5. Tocas em muitos temas. Há empresas que não prestam. é tóxico para nós estar lá. o salário não compensa o bullying. Olha do que te livraste?

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  6. Vá, boas vibrações para esse lado! :)

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  7. Ontem foram confirmados mais três casos aqui.
    Adivinhe de onde vinham...
    Todos!

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  8. Força! Têm de existir também pessoas boas por ai e espero que te encontrem
    um beijinho e um dia melhor amanhã

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