segunda-feira, 30 de março de 2020

De quarentena num espaço desagradável


Vocês não sabem, mas o quarto que alugo ainda não está totalmente terminado da remodelação que sofreu em Dezembro. Para os que não sabem, enquanto viajei para Portugal para lá passar o Natal, o senhorio ficou de derrubar uma parede, para aumentar a área da divisão. Disse ele, várias vezes, que era algo simples e rápido de fazer. Não ia demorar mais que um dia. Duas semanas depois, quando regressei de madrugada, o rosto dos meus colegas de olhos esbugalhados ao me verem, disse-me tudo. Esperavam que eu ficasse aborrecida, porque o quarto ainda não estava pronto. Não tinha sequer a cama montada. Foram precisos mais dias para terminar e pintar as paredes. Eu não fiquei fula. Decidi ser compreensiva e esperei, paciente. 

Só que já estamos em Abril (praticamente) e a minha paciência esgotou-se. Foi substituída por nervos. Nestes quatro meses foram inúmeras as vezes que mencionei ao senhorio que precisava, em particular, de ter as prateleiras montadas. Deixei claro que o resto podia esperar, mas as prateleiras eram vitais. Tenho muitos livros e objectos para ali colocar. O que for a arrumar no restante espaço vai depender do que conseguir enfiar naquele. Pedi-lhe tanta vez com jeitinho, ofereci-me para o fazer eu mesma, ofereci-me para pintar as tábuas que tapam a canalização de branco - porque ainda nada disto foi feito. Tudo o que ele fez de lá para cá foi aparafusar as tábuas que tapam os canos junto ao chão. E isto por malícia, pois tinha-lhe sugerido que as fixasse de modo a que a de cima pudesse ser removida e expliquei porquê: por causa do barulho de pancadas. As águas ao passarem pela canalização, produzem um som de semelhante ao do uso de um martelo. E eu descobri quando me pus a limpar o imenso pó que os canos tinham que, aplicando ligeira pressão entre um tubo e outro, esse som desaparecia. Volta a aparecer, mas, voltando a aplicar uma ligeira pressão, é impressionante como o som de batidas vai embora. Acho que é uma razão bem válida para deixar uma tábua presa com fechadura e não com pregos.

Quem é que gosta de dormir num quarto no qual, cada vez que alguém vai ao WC que fica ao lado, além de se escutarem todos os sons escatológicos, traz o som de batidas de martelo?

As casas no Reino Unido são barulhentas por defeito. O chão range (e não é pouco), as correntes de ar fazem as portas bater... e aqui ninguém usa persiana. Todas as janelas são tapadas apenas com cortinas, o que nunca permite total escuridão. Podes levar com aquela claridade da manhã na cara que isso é considerado banal. Se te queixares, acham que és "florzinha de estufa", uma pessoa problemática.  

O senhorio esteve cá em casa há dois dias. Ele sempre aparece sem avisar, entra sem cerimónias e "passeia-se" pela casa como se nada fosse. Traz leite que mete num dos frigoríficos e serve-se da chaleira para beber chá. É uma atitude um tanto invasiva, mas teve de ser aceite por todos para cá morarmos. Ao contrário do que esperava, não me fez confusão. Para mim ele é apenas mais um dos muitos que já vi circularem cá dentro. Tanto me faz que seja ele ou uns 50 italianos. Ao menos com ele por perto sei que os outros contêm-se um pouco e até ficam aborrecidos. E isso não é desvantajoso. Só que ao vê-lo cá, ele que diz que não tem tempo para nada... aquilo revoltou-me. Na tarde anterior tapei a abertura onde antes estava a parede com uma cortina branca. Foi como um bálsamo!

Subitamente pareceu-me recuperar a sensação de bem-estar que viver no quarto sempre me deu. Já não aguentava mais olhar para o fundo do que outrora foi a parede do WC e ver aquelas tábuas que tapam os canos. Há tanto que quero fazer ali para disfarçar aquela feiura, coisas que guardo trancadas há tanto tempo e que não aguento mais que seja assim! Cheguei ao limite da paciência e da bondade. 

Pus uma cortina para não ter mais de olhar para ali. E, como disse, senti-me imediatamente melhor. É como se aquele anexo de espaço não existisse. E o quarto voltasse a ter as dimensões originais.  

E se não tiver o quarto para estar, não tenho muitos outros espaços onde possa estar com o mesmo nível de conforto e tranquilidade. Os italianos ocupam a sala logo pelas 8h da manhã e só saem de lá pela meia-noite. Continuam a almoçar todos juntos, na mesa, comigo ali na cozinha e na sala, sem nunca estenderem um convite ou perguntarem se tenho algo para comer. 

Hoje vi tão claramente os olhos da mais-velha a fulminarem um deles. Trata-se do namorado da rapariga do andar de baixo. Eles nunca gostaram dele. Aceitam a sua presença (como aceitam a minha ahha) e com ele falam, porque, afinal, é italiano. Mas acham-no parvo, idiota, não gostam dele. E na realidade, não o incluem nas suas rotinas, a menos que seja esta de almoçarem ou jantarem juntos. Afinal, se a namorada almoça o namorado não ia ficar de lado. Mas é só por essa razão. Não o convidam a sentar e ver um filme com eles, por exemplo. 

Como disse, vi os olhos da mais-velha a fulminar o gajo quando ele dirigiu-se ao jarro de filtro e água, carregando uma garrafa cor-de-rosa. Despejou água para o interior e deixou o jarro, quase vazio, em cima da bancada. 

A mais velha estava a observar tudo muito atentamente e a "matá-lo" com os olhos. Mas a culpa é da namorada dele. Também me enerva ir buscar água e encontrar o jarro vazio. Enerva estar sempre a encher o jarro com água e outra pessoa vem, serve-se e deixa-o vazio. E ela sempre fez isso. No ano e meio que cá vive, nunca a vi repor a água que tira do jarro. Quem chega a seguir é que tem de o fazer. Noutro dia, enchi o jarro de água e fui lavando louça enquanto esperava que a água no jarro pingasse pelo filtro, para então encher um copo e saciar a sede. Nisto ela sai do quarto direta à cozinha, pega no jarro, enche a garrafa com água e sai satisfeita de volta para o quarto.  Foi aí que decidi: se não sabes encher o jarro de volta, já não me vais ver a fazê-lo por ti!

Quem o faz é a mais-velha. Os outros... não querem saber. No passado ela chegou a colar um post-it onde escreveu "encham o jarro". Sei que o fez porque culpava-me a mim de o encontrar vazio. Mas a culpada era outra italiana que cá morou, uma que nunca limpou nada na casa e costumava até deixar a louça que usou suja para outros a lavarem. Este comportamento dela foi encorajado pela mais velha, que o procurou ocultar adoptando a postura de limpar e lavar por ela. É que, se és italiano, nunca tens pecado. Nunca erras, nunca fazes um mal, tudo tem uma explicação. A "explicação" que a mais-velha me deu, mais tarde, para a ausência de práticas de limpeza da italiana (e não era a única) é acreditar que ela era um pouco "posh" (metida a rica). Justificou-o dizendo que acha que ela tem uma empregada que faz tudo por ela na sua casa em italia.

(inserir cara de "não me gozes")


Oh pá... a sério?? A sério que esta tipa me disse este absurdo? Então porque tem uma mulher que vai lá limpar-lhe o pó aos móveis justifica-se que veja os colegas de casa como seus empregados??

Comigo, que sou portuguesa, essa desculpa não pegava. Mas numa casa cheio de italianos a funcionar como uma matilha, quem é italiano pode fazer o que quiser. É o cartão "sai da prisão" do jogo do monopólio. A responsabilidade vai recair sempre sobre outro alguém. No caso do jarro com água, já não sou eu - que encho-o até a máxima capacidade cada vez que lhe dou uso - mas o "inquilino emprestado" - o namorado da rapariga, por quem eles não nutrem simpatia.


2 comentários:

  1. Coitada de ti e compreendo que estás sempre confinada ao teu quarto. Porque não compras um jarro só para ti? Também não sei o preço e regras da casa mas eu acabava com essa "marmelada". Tens de descontrair embora saiba que não seja fácil.

    Força campeã e respira fundo para venceres.

    Beijo sinceros

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  2. Bom dia:- Existem obras que são intermináveis. Oxalá essas no quarto onde habita não estejam dentro desses parâmetros.
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    Votos de uma semana feliz

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