terça-feira, 12 de março de 2019

Descobrir onde está o coração das pessoas - pt1


Ia para contar esta história. Mas depois adiei. Sei que os meus relatos domésticos não devem ser bem acolhidos por quem me lê, pois não recebem comentários. Mas às vezes simplesmente preciso de desabafar. Na última vez que o fiz, contei que escrevi no quadro "Eu Existo". Foi mais uma auto-afirmação, um resquício meu a recuperar a minha auto-estima.

O que ia para contar é que no dia seguinte a mensagem no quadro havia sido substituída por "é favor limpar o fogão DEPOIS de usá-lo. Esta noite estava absolutamente nojento!".

Ora, eu tomei a mensagem a peito. Não gostei. E porquê? Porque sabia que a mensagem era destinada somente a mim. E eu não tinha nada a ver com o fogão estar sujo. Nunca tenho. Tenho o hábito de limpar tudo antes mesmo de começar a comer! Considerei a insinuação ofensiva. O fogão foi deixado sujo muitas vezes antes. Nunca ninguém deixou uma mensagem escrita em qualquer uma dessas ocasiões. Porquê deixar no dia em que usei a cozinha pela primeira em mais de duas semanas para fazer uma sopa? 

Vivendo eu nesta casa há quase um ano, tendo sempre demonstrado que limpo atrás de mim, nunca deixei nada sujo e sabendo-se muito bem quem repetidamente deixa o fogão sujo (o rapaz) considerei a insinuação de carácter caluniosa. A malícia implícita caiu-me mal. 

Como a comprová-lo, nessa noite não sai do quarto, mas escutei-os todos lá em baixo. A cozinhar, a ver TV... a falar uns com os outros. Pelo que não é credível que a mensagem no quadro realmente tivesse ali sido deixada para "todos". Ou eles deixam a si mesmos recados no quadro enquanto conversam animadamente?


Vi que o fogão estava sujo às 10h da manhã, quando desci à cozinha. Até tirei a fotografia acima. De tarde, animada pela perspectiva de poder cozinhar pela primeira vez no que me pareceu DÉCADAS e não querendo que uns legumes comprados dois dias antes se estragassem, cozi-os em lume brando. Nem um salpico fez. O fogão já estava sujo. Animada pela antecipação de comer algo quente e feito na hora - o que já não acontecia há milénios principalmente pela presença constante das "hóspedes", lavei o tacho e fui embora. A sujidade permaneceu onde já estava desde a noite anterior. Noite essa em que as "visitas" cozinharam ficando pela cozinha e pela sala o dia inteiro. Pela hora de jantar voltaram a cozinhar, e o rapaz também, junto com elas. Tendo depois sentado-se no sofá agarrado ao computador. A limpeza foi deixada ao encargo de quem?

A palavra "nojento" é muito agressiva. Nojento está o forno, que eles usam diariamente extensivamente. O rapaz, que foi quem deixou o fogão sujo (aliás, a mancha maior está sempre no mesmo local, ele cozinha sempre o mesmo e suja sempre da mesma maneira) gosta de pré-aquecer o fogão vazio na temperatura máxima durante muito além de 30 minutos. Consegue-se sentir o oxigénio a ser sugado do ar. É claro que esta prática faz com que tudo escureça no interior. Depois está sempre a assar pedaços de frango o que acabou por resultar num vidro castanho de gordura.

Mas aparece alguma mensagem no quadro a chamar aquele amontoado de gordura de "nojento?". Não. Porque ainda não podem impingir-me essa responsabilidade. 

Ao ver a mensagem, que preenchia o quadro quase todo, rabisquei uma resposta. Nem foi acusativa, foi mais para deixar claro que o fogão estava sujo desde a noite anterior. Escrevi: "Foram as hóspedes ou quem mais cozinhou na noite anterior".

Ninguém me disse nada. O assunto não foi abordado comigo. Vi alguns entre-olhares entre eles e a sensação de silêncio quando de noite entrei na sala. Tenho a certeza que a mais-velha, que trabalha pela manhã, ficou logo a par da mensagem de resposta através do whatsapp. Esta foi apagada algures durante a hora do almoço.

E pronto. Acho que isso deixou-me "suja" diante deles. Porque "ousei" dar resposta.

É que não aguentei a insinuação!
Bolas. Até parece que estavam à espera de me ver chegar perto do fogão para me acusar de algo.
Aliás, vivo em gelo muito fino....

Sei que esperam que cometa um deslize para assim conseguirem sustento para futuras implicações. Não é por isso mas, ainda não quebrei o calendário das limpezas por tê-lo percebido. Tirando a mais-velha e eu, o resto não limpa.

Mas eles encobrem-se entre si.
Tanto assim é que a mais-velha agora deu para limpar na vez do rapaz. Que só suja. Isso é um pouco revoltante, porque ela está sempre a encobri-lo. Protege-o e defende-o de qualquer coisa. É ele que traz para dentro desta casa pessoas, e pessoas é o que ela mais deseja. Italianas, claro. Porque se fossem de outra nacionalidade decerto acabaria por se focar nos defeitos, tal como acontece quando fala de ex-inquilinos de outras nacionalidades que viveram na casa. Mas se forem italianos, por pior que se comportem, a esses arranja desculpas. A arranjada para a que-não-limpou-nunca era que vinha de uma família posh. Portanto, podia ofender os restantes sujando e não limpando... entendem? Ela quer cá pessoas para não se sentir só e poder exibir-se na cozinha, mostrar os seus dotes com pratos italianos, fazer receitas tradicionais que diz secretas, poder explicar que cada ingrediente é especial porque veio da itália e, claro, conviver.

A pesar de dizer que tem muitos amigos, não me esqueço que passou o fim-de-semana do seu aniversário sozinha na sala. Recebeu postais sim... mas não conviveu com ninguém. Para isso ela precisa do rapaz. Caso contrário ninguém aparece. E se para ter isso ela precisa fechar os olhos ao que quer que seja, defendê-lo ou juntar-se a ele numa qualquer perseguição, é exatamente isso que vai fazer.

6 comentários:

  1. Eu acho que já fazem para te pisar os calos...

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  2. Já pensou sair dessa casa? Já tentou uma conversa franca, expondo esses problemas que você relata aqui? Quem sabe, depois de um diálogo a convivência não possa melhorar? Mas, olha, quer um conselho? Por mim ignorava essas pessoas, seguiria a minha vida, como se estivesse morando sozinha.
    Eu sei como é escrever e não receber comentários. Tenho algumas postagens que não recebo nenhum, mas sigo, pois o intuito é tornar o curso conhecido. Aproveito o blog para escrever outros assuntos pertinentes à casa ou mesmo acontecimentos corriqueiros do dia-a-dia. Beijos

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    1. Helena, se bem me lembro achei o seu blogue interessante. Fez uma descrição da mudança de casa e do cabeleireiro que recebeu bom feedback. Entendi que o propósito é divulgar os cursos - e acho que o faz com mestria. Pois consegue causar vontade, mostrando fotos belas. Toda a sorte com isso.

      Mas a realidade é que as pessoas deixam mais facilmente comentários em temas mais humorísticos ou até mesmo superficiais, do que em assuntos dramáticos. É natural.

      Já pensei em muita coisa Helena. Acima de tudo, a pesar de relatar aqui alguns dramas e saber que sou excluída do convívio, vejo tantos outros cenários em que tudo podia ser pior. Mudar de casa nesta altura seria acrescentar um drama e não tenho de onde buscar energia para enfrentar esse drama agora. Estou desempregada - ou melhor - tenho um emprego ocasional que chama-quando-precisam não-se-sabe-quando a receber o ordenado mínimo. Claro que quero algo mais sólido. E isso é o que tem ocupado o meu tempo. A casa é só mais uma coisa a juntar-se às já menos boas. Já diz o ditado: uma coisa ruim nunca vem só. É a pura das verdades.

      Obrigada pelo seu comentário, conselhos e preocupação. Continue a comentar porque é assim que eu volto aos blogues das pessoas que até gostei de ler. É so carregar no link :)

      Em contrapartida pode "mijar" no post à direita, que foi a solução que arranjei para ter num só lugar o link de todos os blogues que quero visitar de volta. Mas olhe que há alguns que pingam muito aqui nos textos e ainda não foram lá... ehehe. Está a ver? É assim... uma pessoa até se revoltou com a "vulgaridade" da terminologia "mijinha" mas eu acho a analogia carinhosa, com o cachorrinho e o Poste :)

      Bom, abraço e sucesso.

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  3. Eu penso que viver assim é um inferno. Calculo que não seja fácil encontrar outro local para viver, especialmente andando à procura de emprego, mas penso que talvez fosse bom pensar nisso. Pela sua sanidade mental.
    Abraço

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    1. O que noto Elvira, é que hoje em dia é assim em qualquer lado onde se vá parar. Imagino que é muito diferente do que seria há umas gerações. Está-se a perder uma forma de estar em grupo que é respeitadora para com o todo e com as singularidades. Ridiculariza-se, humilha-se, desvaloriza-se o próximo com mais facilidade do que se calhar consegue imaginar.

      É tanto egoísmo... que retira a fé na humanidade. Fico a imaginar através daqueles filmes clássicos portugueses - Como O Pai Tirano, onde as moças trabalhadoras junto com alguns moços partilhavam hospedagem numa casa familiar. Tinha de existir regras, boa educação, respeito por horários, pelo sossego, cortesia... Coisas que agora são atiradas pela janela com muita facilidade. Não que tenha de ser tudo 8 ou 80 mas na minha opinião as pessoas preferiram desenvolver o egoísmo ao respeito.

      Vejo por colegas que também dividem casas noutros lados e que estão sempre a pular de uma para outra. Algo sempre corre mal... Há sempre um elemento, uma coisinha.
      abraço e obrigada.

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