O tema vem a propósito de um post facebookiano em que calhei colocar as vistas em cima.
"Queixava-se" a pessoa que os filhos são e sempre serão ingratos e "nunca vão saber" tudo o que os pais fizeram por eles".
Mas afinal existe ingratidão? Qual o lado realmente "ingrato"? O dos filhos ou o dos pais?
Deixem-me partilhar o que penso: Se tem de existir essa tal de «ingratidão», então que seja do filho para com os pais. É só a ordem natural das coisas. Porque quando são os pais para com os filhos, é muito, muito pior!!
Mas o que está realmente em causa será a ingratidão dos filhos ou será a solidão dos pais?
Acredito que muitos filhos não são ingratos. Se a alegação aparenta ter fundamento é apenas porque os filhos estão a fazer pela vida, moram em suas casas, têm responsabilidades maiores e muitos têm já crianças suas para criar. Dão a atenção que conseguem dar dentro da azáfema da vida que levam.
Os pais de hoje, que se queixam da falta da atenção dos filhos, por acaso pararam para pensar se como filhos, também foram 'ingratos'? Se por acaso os seus pais também sentiram o tal do abandono? E se sim, por acaso foram eles responsáveis?
É o ciclo natural das coisas. E assim tem de ser. A meu ver, um pai devia sentir-se contente por ver que um filho tem uma vida preenchida. É sinal de que fez um bom trabalho na sua criação. E agora chegou a vez de ser o filho a fazer pela vida, a abrir o seu espaço, a vez de ser ele a criar a sua família.
E o que acontece aos "avós"?
Em portugal não estamos mentalmente "formatados" para pensar em ter uma vida pessoal para além da familiar. As coisas se misturam, é bem verdade. Mas também precisam de ser distintas em alguma coisa. E em Portugal não se tem muito essa cultura. Por cá o comum é, depois dos filhos criados, surgir a reforma e com ela, tempo. Tempo de vazio, tempo que deixou de ser medido ao segundo, tempo para preencher. Tempo em que nem se sabe em que dia da semana se está. E o mês, por vezes, também escapa. Se as relações pessoais forem escassas ou nulas, a solidão fica evidenciada.
É ingrato que um filho adulto seja 'bombardeado' diariamente por um pai/mãe que, não tendo muito o que fazer, acha que o filho também não. E por isso lhe telefona sete vezes por dia. E para lhe dizer o quê? Para perguntar «o que comeu», «o que está a fazer», etc. Conversa que cai bem quando o filho tem dois anos, não tanto quando anda pelos 42.
Na América, que é o exemplo mais flagrante de que me recordo, a mentalidade de quem chega à terceira idade e à reforma é outra. Para eles chegou a altura de "pendurar a enchada e... festa!". É altura de aproveitar a vida, de viajar, de se mudarem para a solarenga Flórida, de tirar cursos, de se divertirem e terem poucas responsabilidades. Isso ficou bem nítido para mim aquando acompanhei na TV o caso de um avô que teve de criar os netos pequenos por o pai ter assassinado a mãe e de seguida ter apanhado perpétua. Ficou claro no seu discurso e no das pessoas que o rodeavam, que aquilo não era visto como uma responsabilidade, como um dever, mas como algo admirável. E todos diziam, inclusive ele que, com aquela idade, não era suposto lidar com aquele nível de responsabilidade. Já tinha criado os seus filhos. Era suposto estar a aproveitar os últimos anos de vida.
É um pouco diferente da mentalidade de cá, não vos parece?
Tradução: Flórida, a sala de estar de DEUS Nos EUA a idade da reforma é a altura da RECOMPENSA por uma vida de trabalho "Divertir-se é a etapa final antes de morrer" |
Outra realidade que condiciona bastante a mudança de hábitos na terceira idade portuguesa é o valor das reformas. Se nos EUA os idosos mudam-se para a Flórida, viajam, etc, é porque conseguiram uma reforma com um valor que lhes permite isso. O mesmo acontece com os Ingleses, que cá fazem vida. A reforma é mediana para o custo de vida inglês, mas aplicada cá, dá para luxos. O português é que, com a reforma que tem, só consegue arrastar-se pelos cantos e esperar que o dinheiro chegue para os medicamentos, comida e contas.
Um equilíbrio entre as duas realidades seria o ideal. Em Portugal ainda somos muito fechados, tomamos tudo para nós, criar um neto enquanto os filhos ficam a trabalhar é algo desejado e deixamos outras coisas para outro plano. E depois muitos têm este péssimo hábito de... cobrar! Cobrar ao filho por o ter posto no mundo. Só porque não arranjam o que fazer com o tempo que dispõem.
Claro que sei que, alguns filhos, não têm mesmo problemas em ver os pais uma vez por ano - no Natal. Mas creio que na cultura portuguesa é mais comum o que relatei acima. E sinceramente, alguns pais foram maus pais. Atrapalharam e prejudicaram mais do que ajudaram. A autocomiseração de alguns no facebook meio que me recorda disso.
Uma temática muito forte para mim.
ResponderEliminarCompêndio: Sei o trilho a percorrer no papel de pai, que quero com toda a certeza manter antagónico ao que recebi dos meus progenitores.
É uma temática forte para todos. Mas em especial para os que tiveram de lidar com muitas questões complicadas desde cedo. Penso que até é fácil encontrar dentro de nós o caminho que como pais deve-se percorrer. Mas mesmo os mais elucidados não atingem a perfeição. Este é um percurso que não se trilha sem se cometer alguns erros. É a errar que se aprende. Contudo, há erros e ERROS.
EliminarEstou convencidíssima de que aquele que repetidamente se queixa da ingratidão dos filhos não deve ter sido boa peça como pai... E optaram pelos ERROS.
Já fui filha, fui e sou mãe e avó. Eu e meus irmãos tivemos sempre uma relação muito forte com os pais. Eu como vivia perto, todos os dias passava lá por casa ver se era preciso
ResponderEliminaralguma coisa. Minha irmã vive em Lisboa, meu irmão em
Leiria. Apesar disso, enquanto eles foram vivos, uma vez por mês reunia-mo-nos todos lá em para passar o dia com eles.
Meu filho está casado há 15 anos tenho uma neta de 6 anos que cuidei desde que a mãe acabou a licença de maternidade até aos 4 anos que entrou para a pré. Apesar disso nunca apareci na casa deles sem ser se o filho nos vem buscar para alguma comemoração, e nunca lhes telefono a não ser que esteja alguém doente. Ele telefona religiosamente todas as noites para saber se estamos bem, não precisamos de mais.
Penso que apesar de todo o amor que lhes tenhamos, eles têm direito à sua privacidade. As reformas são pequenas, não há dinheiro para viagens, mas no Barreiro a Universidade Sénior é gratuita e tenho aulas todos os dias. O que é óptimo para ocupar o tempo e não andar a chatear os outros.
Um abraço e bom fim de semana
Olá Elvira.
EliminarO fim-de-semana foi passado bem e ocupado com a despedida final a um familiar que se foi, após 90 anos nesta Terra. Todos ligados por sangue compareceram, dos diretos aos indiretos, dos netos aos bisnetos, alguns vindos do estrangeiro, conhecendo-se pela primeira vez ou revendo-se passadas décadas. Nestes momentos pelo menos, ainda existe um sentimento de respeito e união. De certa forma, este «detalhe» é representativo do que ainda é o estereotipo familiar português. Os americanos têm uma expressão curiosa: "o sangue é mais espesso que água".
Deixa aqui um relato que serve de exemplo do que penso ser o tipo de relação familiar mais comum na nossa sociedade. Com excepção com o procurar a aprendizagem na universidade sénior. Poucos se lançam novamente nos estudos. Ainda é mais comum para os reformados ficarem pelos bancos de jardim, cafés, praças, supermercados... E é essa falta de propósito e essa rotina que faz com que o tempo se alongue e pese. O que leva a lembranças de outros tempos, à solidão e à cobrança.
Quanto à relação com os filhos, penso que também é comum manterem-se os laços, fazerem-se visitas semanais ou mensais, juntarem-se para celebrar aniversários e telefonarem-se regularmente. Mas se há uns que fazem cobranças emocionais e se queixam de abandono e ingratidão, também há os que adoptam uma postura oposta ao extremo. Mesmo que ocasionalmente possam sentir saudades, não querem atrapalhar a vida dos filhos, não lhes telefonam nem mesmo quando sentem vontade de ter notícias. E em caso de precisarem de um favor, por menor que seja, sentem um pavor quase patológico em o solicitar. Nem mesmo quando doentes. E mesmo doentes, se os filhos pedirem algo, submetem-se. Mas não permitem o contrário, porque 'encasquetaram' que vão atrapalhar. Ou, no que eu penso ser mais o caso, ainda sentem que o seu papel como pais é estar ali sempre pelo filho e ajudar, não o contrário. Pelo que, veja lá, não chegue a este ponto :D
Bom fim-de-semana para si também.
Adoro as suas histórias :D
Venho de uma família onde é tradição os mais velhos mudarem-se, quando perdem a autonomia, para casa dos filhos. Como sempre vi fazer isso na minha família, se tiver possibilidade, fa-lo-eí com os meus pais.
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