Vivia preocupada e receosa. O odor intenso e pestilento era de causa desconhecida. Infelizmente ninguém dos meus se preocupava muito com isso, dizendo apenas que "ia passar" e que até lá era "aguentar" porque "não havia nada a fazer". WTF??
Preocupava-me com o "veneno" que poderia estar a ingerir para dentro dos pulmões e os danos para a saúde. Abria os jornais na esperança de ler, algures, alguma referência que pudesse explicar a origem daquele odor, mas nunca encontrei nada. O que me causava bastante estranheza. E na noite seguinte lá estava ele outra vez: a agressão para as vias respiratórias. Corria a fechar todas as janelas e arestas, mas não adiantava. Enquanto o ar da rua estivesse empestiado daquele odor, eu ia ter de o respirar. Aquilo era tortura para mim! Ansiava por ar puro e nada de a noite me dar isso. Imaginava que se tratava da poluição atmosférica de alguma fábrica longínqua que aproveitava as horas proibitivas para, longe dos olhares das autoridades, dedicar-se a actividades de produção não recomendáveis. E, conforme a direcção do vento e as infracções dessa fábrica, a zona ia ficando envenenada. Jamais alguém ia detectar.
Passei a anotar os dias e as horas da presença do odor, desde o início ao fim, quando existia um fim. "2001, Maio, 26 - x a y horas. 2002, 12 de Abril, x a y, horas". E comecei a notar um padrão. Normalmente as quarta-feiras (se não me falha a memória) a uma determinada hora era certinho: cheiro nauseabundo e incomodativo para as vias nasais vinha aí. Mas me espantava IMENSO que nada sobre a origem destes odores fosse mencionado nos jornais! Manchetes com títulos assim:
"Lisboa adormece imersa num odor pestilento"
"Ar poluí noite de Lisboa"
Tanto fazia se era verão ou inverno. Por vezes era inverno mas nada do odor desaparecer. Pelo que não podia atribuir a origem do odor aos incêndios, até porque tinha a sensação de existir um certo padrão. Pouco entendo de correntes de ar mas uma das coisas que aprecio neste sítio é que é ventoso e recebe uma aragem forte e fresca em determinadas alturas que me dá vontade de ficar ali em frente à janela e não mais sair. Gosto de sentir o vento, a brisa, de encher os pulmões de ar fresco. Parece que me renova de imediato, me dá energia e vitalidade. Já o contrário... Pelo que deduzi que a origem desta pestilência devia estar a milhas daqui. Devia estar, quiçá, na outra banda, para os lados sul do Tejo, em Almada, talvez.
Tentei perceber qual o instituto governamental encarregue de medir e verificar a qualidade do ar (Agência Portuguesa do Ambiente) e ver se da parte deste existia alguma indicação para o público sobre a qualidade do ar da cidade àquelas horas e naqueles dias. Mas nada encontrei. E depois fiquei a pensar: Como é que se pode provar que o ar está contaminado? Como se recolhe amostras? Abre-se um frasquinho e coloca-se uma tampa? Claro que não! É que se não for em flagrante, julgo que nunca se saberá ao certo a quantidade de partículas irritantes contidas num determinado local a determinada hora.
Hoje está a ser um desses dias. O ar está algo pestilento. Não tão agressivo como recordo no passado, mas o suficiente para me irritar a mim, que sou talvez mais susceptível de sentir alterações. Mas hoje tenho uma explicação para o problema. Regressei a Lisboa a meio da tarde e ao passar na autoestrada perto de Loures avistei colunas de fumo denso a se elevarem na atmosfera, alongando-se como um braço do homem-elástico por quilómetros, levadas pelo vento. Algo estava a arder e pude ver até as labaredas de fogo. Impressionante e preocupante. Se um avião apaga-incêndios passasse por ali na altura, julgo que conseguiria extinguir grande parte dele, sem mais danos de maior. Mas o problema é que não se usam os meios aéreos primeiro. São as pessoas com roupa anti-fogo, máscaras para respirar, tanquenzinhos de água e mangueiras de bocas pequenas em relação às chamas que têm de ir para aquelas frentes de fogo e vencer a força cruel das chamas. É de uma desproporcionalidade tremenda, não admira que seja tão difícil e infelizmente fatal ou danoso em alguns casos. Acho que se podia evitar a dimensão dos danos a bens, animais e pessoas se os incêndios fossem primeiramente controlados por via aérea. Desconheço o que isso implica e a viabilidade - decerto algo impede que esta seja a via escolhida (talvez o risco de acidente) mas NADA me pareceu mais urgente naquele instante do que apagar o incêndio. O trâfego aéreo comercial na zona é intenso? Vire-se! Um incêndio é uma situação de emergência e como tal devia ter prioridade. Deviam existir aviões-cisterna de bombeiros, todos vermelhos, algures num hangar no aeroporto de Lisboa, prontos a abastecer e a partir para o combate. Mal um passageiro mais mal disposto começasse a achar que estavam a demorar muito a partir e visse aquele avião a arrancar saberia sossegar porque ia entender que algures decorre uma emergência maior e mais séria. Mas creio que é o aspecto económico do "empatar" do tráfego aéreo e não um passageiro chateado que influencia este género de decisões.
Já viajei de avião quando avistei um incêndio visto de cima. Não é NADA bonito. Só se vê o fumo branco/cinzento numa imensidão de terra que só a imaginação pode calcular, visto que a altitude é elevada. Passados uns quilómetros, outras colunas de fogo... tudo visto do ar tem um impacto diferente. Sente-se que o pais inteiro está a arder.
O incêndio que avistei hoje, a meu entender, dificilmente poderá ter origem no estado do tempo. Pois se hoje a temperatura indicava 23º a 24º! Não existiu calor algum, pelo contrário. Existia sim era muito vento, condição que deve despoletar um impulso qualquer nos incendiários deste país.
Minutos depois cheguei ao meu destino, alguns quilómetros bem longe do incêndio. Assim que se abre a porta da viatura o cheiro a queimado faz-se sentir. E as cinzas - pequenas partículas quase invisíveis a olho nu, andavam a bailar pelo ar.
Pelo que hoje SEI porquê o ar está pestilento. Só não sei como uma pessoa pode intencionalmente despoletar uma acção destas.
Tabela de histórico anual da presença de Ozono (Lisboa) |
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