Quando a estação do Rossio em Lisboa recebeu a exposição sobre o naufrágio do Titanic, fui visitar e levei uma criança comigo.
À entrada deram-nos réplicas do que foram os bilhetes originais, com o símbolo da White Star Line num lado e a nossa identidade de passageiros no outro.
Calhou-me ser a sra. Ida Strauss, passageira a viajar em primeira classe. A criança adoptou a identidade de Eva Miriam Hart, de sete anos, passageira de segunda classe. Creio que não foi uma tirada ao acaso pois a rapariga removeu-os de duas pilhas distintas. E também duvido que existissem naqueles bilhetes mais do que meia dúzia de nomes - dos mais conhecidos. Mas ainda assim, foi interessante saber que só no final da exposição iríamos descobrir se a nossa identidade como passageiros nos ia colocar na lista de sobreviventes ou na dos não sobreviventes, caso viajássemos no Titanic.
No final da visita uma parede exibia os nomes de todos os passageiros. Divididos em duas categorias: sobreviventes e não sobreviventes e por condição: classes ou tripulação. Começamos a procurar os nossos respectivos nomes - que nos foram emprestados para aquela jornada. E foi aí que descobri que a criança que levei comigo sobreviveu. Eu "morri" mas não me importei. Estava contente e em paz por ela ter sobrevivido.
Foi uma sensação daquelas que não se explicam e que são rápidas. Era tudo faz-de-conta mas por um instante podia ter sido real. Porque aí percebi que o pior não é falecer, é sobreviver e viver com a memória da perda e do horror e sofrimento que imaginamos os nossos a passar. O quanto é importante saber que os nossos sobrevivem! A nossa própria morte, a nossa vida não é tão importante. Pelo que entendo cada homem que ali ficou a aguardar a sua vez de embarcar. Eles estavam a salvar o que de mais importante tinham: os seus. Compreendo cada mãe que tentou levar seus filhos para dentro dos botes e imagino demasiado bem o que lhes passou pela cabeça e pelo coração quando constataram que haviam falhado e que não havia salvo os seus.
A dor é muito pior como sobrevivente. O próprio fim não parece tão aterrador quando a morte ou sofrimento de uma pessoa querida. Quando soube que a sra. Ida Strauss, a minha "identidade" podia ter-se salvo, pois foi-lhe oferecida uma vaga num dos botes salva-vidas que ela recusou para ficar ao lado do marido, soube que me calhou a identidade mais apropriada. Consigo ver-me a adiar a partida no bote para que outros pudessem entrar primeiro. Mas nunca se sabe. Depende das circunstâncias e dos outros também. Porém, já aqui contei a propósito do naufrágio do Costa-Concordia e do Tolan no Tejo que cheguei a fazer parte da tripulação de um navio e que numa ocasião fiquei chocada com a admissão dos meus colegas que diziam que em caso de acidente não queriam saber de ninguém e tratavam de salvar primeiro a própria pele. Não me revi nesse tipo de atitude mas, mais uma vez, nunca se sabe. Tinha todas as minhas funções em caso de emergência bem memorizadas. Sabia o que fazer em caso de se ter de abandonar o navio em salva-vidas. Mas esses conhecimentos nunca foram precisos colocar em prática - felizmente.
E pronto: eu "faleci" quase que por opção mas a miúda sobreviveu. Estava em paz, feliz. Julgo que muitos que viajaram e afundaram com o Titanic consolaram-se com isso. Os que puderam, os que foram bem sucedidos...
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Partilhe as suas experiências e sinta-se aliviado!