sexta-feira, 10 de julho de 2020

Sensibilidade ao desemprego

Ainda aqui nao contei, mas emocionei-me e tive discretamente de limpar as lagrimas por duas vezes, quando uma das italianas a viver nesta casa deu de frosques pela calada.

Claro que, semanas antes, meses até, já eu notara uma agitação. A habitual postura de me manterem de fora das conversas que normalmente  estariam a ter se eu nao estivesse presente, deu o alerta. Isso e o barulho de coisas a serem mexidas no quarto dela, o caixote de lixo entupido até a tampa deixar de fechar em apenas umas horas apos ter sido colectado pela camera e o constante uso do aspirador no seu quarto.

Nunca foi de limpezas demoradas logo, a mudança de habitos denuncia que algo se esta a passar.

Mas claro, nada foi dito na minha presenca nem nenhuma conversa que iniciei com eles, sobre tudo e mais alguma coisa, os faz mencionar o que, de outra forma, seria mais do que natural e esperado: ela ia abandonar a casa.

Sabem os meus horarios, sabem que ia trabalhar de tarde, saindo de casa pelas 4, mas, muitas vezes, optando pelo meio-dia, uma da tarde, de modo a ir para as filas das lojas a tempo de comprar mantimentos e seguir para o emprego.

(Mas na verdade, tambem para lhes conceder ainda mais tempo do todo que ja tinham para ficarem a sos com a casa. Julgando eu que ficariam gratos e simpaticos. Big mistake.)

Entao, sem que constituisse realmente uma surpresa, uma noite ao regressar do emprego, o carro do namorado dela que aqui estava a viver na casa e que fazia meses que ocupava a entrada, nao estava mais. Haviam sinais de disturbios no chao do wc, como se alguem tivesse arrastado algo pesado. E no wc, nao encontrei as gavetas de arrumos onde ela mantinha traquitana.

Nao sei porque lhes passa sempre pela cabeça que eu me surpreendo ou que vao conseguir irritar-me por eles me excluirem do que se passa pela casa. Acho tao previsivel terem esse conportamento, que sei detecta-lo so pela postura e linguagem corporal.

E depois, sempre a acharem que nao capisco niente de italiano,  como se nao fosse facil identificar palavras e frases que sao semelhantes as minhas, originarias do mesmo Latim.

Ouvi-os falar sobre viajar para italia pelo menos umas seis semanas antes do sucedido. Estava a ver é que nao iam, de taaaanto tempo que levaram.

Ainda assim, nao foi o suficiente para se organizarem devidamente pois, quando la chegaram, tiveram de regressar. 🤣🤣

Uma viagem de automovel de horas ate a fronteira de italia, para terem de voltar no dia seguinte.

Nessa manha, ao sair do quarto e ao entrar na sala, dei os bons dias aos dois cabecilhas do covil que, como sempre, iniciam cedo (e sempre no mesmo lugar) a sua rotina de vilanice. Dei os bons-dias e perguntei direto se ela tinha ido embora da casa.

Um instante de surpresa passou-lhes pelo olhar, hove uma hesitacao e de imediato a Gordzilla (porque tudo que diga respeito a italianices ela logo intervem como se tivesse de defender a patria de um insulto) diz "sim e nao".

Eu fiquei a aguardar um desenvolvimento e ela meio calada, a nao querer dizer nada que me pudesse esclarecer. É este tipo de atitude com que sempre tive de lidar. Insisti, dizendo algo como: "como assim?" e foi entao que disseram que ela tinha abandonado a casa MAS ia regressar porque nao tinha permissao para entrar em Italia. Esqueceu-se de se informar sobre isso. 😂

Para contextualizar, ainda se estava em lockdown por causa do virus covid 19. E italia foi dos primeiros paises a fechar estabelecimentos, a fechar fronteiras para impedir a circulacao de pessoas e a impor quarentena regional. Portanto, nao deixa de ser um lapso invulgar, que lhes custou o terem de regressar ao Reino Unido.

E a Piada é que abandonaram acasa que nem ratos, pela calada, e as escondidas de mim. E quando estao a regressar, quase a estacionar o carro, eu sou a primeira pessoa que tem de ver.

A unica coisa que lhes digo é bastante simpatica ate. Imaginemos os cenarios:

1) Podia mostrar-se zangada por um colega de casa nao me ter mencionado que ia embora
2) podia ter gozado com a cara deles e fazer troça, dizendo piadas visando humilha-Los com o seu inegavel fracasso
3) Podia ter dito: bem feito! É para aprenderes a ser decente. Cá se fazem, cá se pagam. Ahah.
4) Podia ter cobrado uma "explicacao" e atirado-lhes na cara que nao gostei que se tivessem ido embora sem mo dizerem. Quer gostem quer nao, sou colega, vivo na casa e o certo era dizer.

Mas o que lhe disse, com um genuino sorriso e sem fazer julgamentos de valor foi:

-Ola. Já soube da tua pequena  aventura.

E assim nao a fiz sentir-se mal por estar a regressar a um lugar que tinha abandonado e que comecou a esvaziar nos momentos em que eu nao estava por perto para desconfiar. Nao a fiz sentir-se mal por ter sido parva e nao se ter informado devidamente antes de partir. Foi impedida de entrar no proprio pais por estar registada como moradora neste.

Mas onde entram as lágrimas? Querem voces saber, caso Tenham lido até aqui.

Entram quando perguntei se ela ia regressar para o seu emprego.

Disseram-me que provavelmente ela o tinha perdido. Como sabia que ela tinha acabado de assinar contrato, coisa que eu estava na esperanca de tambem poder fazer quando fiquei sem o meu emprego, logo aí o meu coracao sentiu pensar por ela. E ha medida que a conversa entrou na eventualidade da empresa falir e ter de a dispensar, fui ficando emotiva. Aos meus olhos vieram lagrimas. Que removi com a mao, esperando que a minha sensibilidade nao tivesse sido notada pela Gordzilla, que era quem me estava a dizer aquilo. Faco isto duas vezes, sem conseguir conter pesar pela situacao de desemprego e incerteza que, subitamente, caiu em cima da rapariga. Mesmo tendo feito parte da quadrilha de gangsters.

A situacao dela e tambem de muitos outros. Sinto compaixao. Acho natural. EU sei muito bem o que nos faz na alma, na mente, estar no desemprego. Sinto receio de estar nessa situacao novamente. Tenho isso presente todos os dias.

E é por isso que hoje senti uma pontinha desse receio novamente. Os meus turnos sao facultados semanalmente. Nada é certo. Mas nos ultimos dois meses tenho mantido um horario de 38/43h semanais.

Porem é uma angustia constante. A qualquer instante podem Puxar o tapete por debaixo dos meus pes. E hoje, enquanto aguardava que me propusessem por mensagem os restantes dias da semana em falta para que pudesse confirmar que os fazia, percebi que nao me facultaram 5 dias. Alem disso, voltaram a reduzir o horario. Agora é menos meia-hora todos os dias. Isso significa 2h30m a menos de salario. Adicionando um dia, da 10h15m a menos.

E tudo porque?
Ontem estive a treinar duas novas empregadas. Vi uns seis novos funcionarios. Soube que uma colega teve o turno cancelado. As novas funcionarias que estive a ensinar ficaram a fazer o trabalho normalmente entregue a esta outra.

Eles nao precisam de novas pessoas. Mas como agencia de recrutamento, estao sempre a injecta-Las. So que, para isso, tem de remover outras. A desculpa que me foi dada é que a empresa pediu menos pessoal, e os novos empregados substituem outros que abandonaram o serviço.

Tretas.

Assim que chegaram, ja me causaram prejuizo.

Fui simpatica e ensinei tudo o que sabia. Mas o tempo todo nao deixei de recear ter os meus turnos cancelados por causa delas estarem ali.

Perguntei a uma se procurava outro emprego. Ela respondeu que sim  mas nao me pareceu fazer esforços. Pois mencionei-lhe que tinha começado  ver ofertas razoaveis na internet e o seu desinteresse foi visivel.

Aquela funcao é fisicamente ardua mas muito simples. Gente preguicosa que nao puxa pelo lafo fisico e se acomoda na simplicidade é o que mais há por lá.

E depois, de inicio nao mas, ao final de 12 semanas, pagam bem. Nenhum outro emprego do genero oferece 12 a 13 libras por hora. E é essa a real motivacao por detrás de muitos que ali estao.

Esta rapariga estava a espera de ser chamada de volta para trabalhar com a Norwegian. A probabilidade disso acontecer e muito remota. Ela propria o disse. Vi o gerente a engraçar com ela e a dizer-lhe que tinha uma ex gerente ali a trabalhar.

Percebi que beleza e posicao fazem os outros olharem para ti com mais respeito e interesse. Dedicacao ao trabalho e eficiencia, nem por isso.

Toda a minha vida regi-me por valores que pouco me valem.

Mas mudando de volta para as lagrimas derramadas pela desgraça de quem nao as merece: quando mostrei pesar pela situaçao, a Gordzilla muda de atitude e, de garras afiadas, começa a defender a italiana como se alguma vez esta tivesse estado sobre ataque. E diz, num tom de voz desagradado: "ela arranja outra coisa depressa. Tem experiencia, tem muitos anos de experiencia, é uma profissional!".

Percebi de imediato que ja estava a defender a italiana de alguma acusacao minha que so se passava dentro da cabeça dela. E parei.

Uma pessoa com pesar, a lamentar o sucedido, mesmo tendo acontecido com alguem que nao fez por merecer a minha compaixao, e ainda assim acabo a ser destratada.

"Profissional com anos de experiencia". Pois sim!

Porque é italiana, nao pode sequer recair sobre ela a possibilidade de nao ser perfeita, desejada. Essa imagem que querem projectar e que nao pode ser desmanchada, nem pelos factos.

E os factos é que ela nem um ano tinha de experiencia naquela funcao. Pelo menos foi o que me contou. Costumava trabalhar num restaurante em Londres. Vivia das gorjetas.

E a Gordzilla a galar-me dos "anos de experiencia" como hospedeira de bordo.

Aparências.

Enfim.

1 comentário:

  1. "Toda a minha vida regi-me por valores que pouco me valem." - Permita discordar: que ler isso percebe a dimensão e a grandeza da sua personalidade e da sua pessoa. Tais valores podem não ser mais lucrativos, mas não têm preço.

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