quinta-feira, 19 de março de 2020

Isolamento duplo


Vai acabar por ser decretada a mesma medida que está em voga em toda a europa: o Reino Unido vai ter de decretar estado de Emergência e dizer às pessoas para ficar em casa. 

Hoje, 15h, ao passar pela mesma esplanada e café onde no dia anterior avistei a malta toda no relax, vi os empregados no interior a limpar tudo e as cadeiras e mesas lá dentro. Ou decidiram fechar mais cedo, ou então fecham de vez. Até que enfim, algum discernimento!

Mas as pessoas não temem o vírus. Não se protegem, protegendo assim os outros. Cada vez que saio à rua, coloco uma máscara. Mas tenho medo. Pois a máscara não me protege a mim. Protege-os a eles. A todos aqueles que se cruzam comigo. Porque o ar que sai da minha boca, a saliva que pode vir junto quando falo, não vai cair em cima de nada nem ninguém. E as luvas que uso impedem-me de contaminar objectos, alimentos e máquinas de supermercado de auto-pagamento.  Mas se alguém tossir perto de mim, os meus olhos são como duas janelas abertas para as minhas células. 

Pode não parecer, mas já uso aquela máscara faz um mês!
Para mim, isto não tem dias, nem semana, mas um mês. Pois foi quando decidi ir a Londres que optei por a comprar para a usar na metrópole. Acabei por não o fazer - mas se tivesse sido contaminada nesse dia, por esta altura já o saberia.  Usei-a dois dias depois, para ir ao emprego e não respirar o ar poluído.

Por incrível que pareça, estou a ser alvo de maior hostilidade por parte das pessoas agora, que o Cóvid finalmente obriga os governantes a tomar medidas de maior contenção, do que há um mês, quando comecei a colocar a máscara. Se bem que no emprego, com os colegas que me viram aproximar com ela, fui um tanto gozada, fizeram caretas e não queriam aceitar que era necessária por qualquer que fosse o motivo. No avião da Easyjet, sete dias atrás, não foi muito diferente. E foi por parte da TRIPULAÇÃO que senti essa hostilidade.

Deve de ser inveja. Por esta altura já toda a gente gostaria de ter uma. Mas não as há. Então hostilizam quem as tem, porque estão cheias de medo. 

Bem que aviso que podem fazer umas. De vários tipos. O youtube está cheio de tutoriais a explicar. Mas a que eu mais gostei foi o de uma tipa espanhola, focada no pessoal médico, que simplesmente cortou uma capa plástica tamanho A4, daquelas que usamos para colocar folhas dentro, colocou um cordel em cada extremidade, e fez uma máscara transparente que cobre o rosto inteiro. Não só protege o nariz e boca, como os olhos. 

Ontem foi o primeiro dia de "quarentena" a meio-gás aqui em casa. E senti-me triste. Já não me dói mas sinto tristeza. Não entendo e nunca vou entender, porque sei que não há motivo. Mas permiti que agissem assim e agora fazem-no com satisfação e de forma rotineira. Vou ter de ficar fechada em casa com três italianos. O quarto, ficou na itália. Esses três, ontem, chegaram separados, foi cada qual para o seu canto. Mas na hora do jantar, comigo na sala a ver televisão e tendo interagido com eles (tenho sempre de tomar a iniciativa, ninguém me fala se não o fizer), o rapaz estava a cozinhar. E eu percebi que não era só para ele. Ainda fiquei à espera de escutar: "queres comer connosco?".

Mas não escutei nada. Vi meterem três pratos na mesa, sentarem-se, comerem, conviverem. Este isolamento devido ao vírus vai ser muito divertido para os três. Mas para mim, vai ser um duplo isolamento. Não só vou estar isolada do mundo, como vou estar isolada de contacto humano. 

Preferia ter a minha própria casa, isolar-me nela sozinha. Seria mais pacífico que ter de me sujeitar diariamente a exemplos destes. Que se repete agora mesmo, enquanto escrevo. Estive na área comum da casa, a tarde toda, só saí de lá estavam eles a cozinhar. Lancharam primeiro, serviram vinho, convivem na boa. Só falam italiano, sem parar. Desculpe-me quem gosta, mas palrar dessa maneira sem pausa para um silêncio não é agradável. Estava na sala a ver um filme em inglês, sem legendas. Quase todo o diálogo foi imperceptível devido ao falatório e gargalhadas. Mas não saí. Mas também não usufrui do filme com o gosto que podia ter tido, caso a atmosfera fosse mais serena, tranquila. Quando eles vêm TV - que deve ser daqui a 5m, todos juntinhos também - gostam de estar concentrados e que não exista ruído a atrapalhar. 

A mais-velha chegou a casa com uma mala de computador, que deixou numa cadeira na sala. Pelos vistos vai começar a trabalhar em casa amanhã. Só espero que não queira transformar a sala, que é um open space para a cozinha, no seu escritório. E que não imponha que os outros fiquem nos seus quartos para que ela possa estar ali sossegada. Nem espere que deixemos de acender a TV, fazer barulho, conversar...

Quer dizer: digo isto mas sei que essa regra só se aplica a mim.
Os outros podem fazer o que quiserem, têm imunidade de nacionalidade.

Ouvi-os rejubilarem de contentamento quando a mais-velha contou que ocupava o WC pela manhã de propósito para que eu não o pudesse usar. Como se eu não soubesse! Não contei nada aqui mas, às 6.30 da manhã, o meu despertador tocava para me preparar e sair às 7h. Ela, que sai às 8.00, colocou o dela a tocar 10 minutos mais cedo, para ser ela a ocupar o espaço. Ficava sempre sentada na sanita 30 minutos, com o telemóvel na mão, a ver séries, filmes, programas italianos, etc

Numa casa partilhada, isso não é um luxo a que tenhas direito. Muito menos em dia da semana, pela manhã. Mas se fosse um deles - um italiano a precisar de usar o espaço a essa hora, aposto como ela perderia esse hábito rapidinho.

E é assim. O que vai ser pior?
O Corona (nome italiano) ou os colegas italianos?

14 comentários:

  1. Amiga passei só para saber notícias. A tomar conta das duas netas, e com o problema dos olhos quase não dá para andar na net.
    Abraço e que Deus a proteja

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    1. A Elvira é a super-mulher. Sem boas vistas e a tomar conta de DUAS crianças! Que Deus a abençoe e a ajude, que bem merece.
      Fique bem e obrigada por vir sempre visitar e pelas suas palavras.

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  2. retribuindo a vista que muito me deixou feliz, direi que, gostei muito deste seu cantinho

    Lendo com toda a atenção, direi que, vai precisar de uma dose dupla de paciência. Como diz e bem, não sei o que será pior de aguentar, se os problemas do coronavírus e a presença barulhenta dos colegas italianos.

    Que Deus a ajude minha amiga. Que Deus a ajude

    Fiquei seguidor e voltarei sempre que hajam temas novos

    Fique feliz

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    1. Vamos retribuindo as visitas, caro Ricardo. A blogosfera é um lugar bem melhor que o mundo lá fora.
      Fique com Deus e cuide-se bem nesta fase tão incerta. Felicidades.

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  3. Realmente não te invejo a sorte, credo.
    Que gente mal formada.
    Pensa que melhores dias virão e que terás o teu espaço.
    O Boris resolver agir agora, talvez pressionado pela OMS ou pela própria União Europeia.
    E a realeza não diz nada?
    Só servem para vender canecas
    Beijinho. Fica bem

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    1. Acho que a única realeza com cérebro foram os que bazaram daqui para o Canadá, Magui! Eu faria o mesmo no lugar deles. Família recente, queria mais era que me deixassem em paz para fazer o que bem me apetecesse. Já reparaste nas caras jovens da realeza? Parece que envelhecem 20 anos assim que assumem o posto, caramba! Deve existir uma água muito má naquele palácio Kkkkk.

      Fica bem tu também. Toma cuidados. Bjs

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  4. Deve ser mesmo difícil ter colegas de quarentena assim, espero que sermos colegas na blogosfera possa ajudar um bocadinho e que encontrem um remédio depressa e que na próxima vez que tenhas uma paragem no Porto nos possamos conhecer em pessoa. Força! E muita sorte para que o Covid fique longe!

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    1. Claro que ajuda, redonda :)
      Que boa ideia! Lembras-te da troca de presentes de há dois anos? Foste a única a aderir. Tenho aqui comigo a caneta e a fita :) Boa sorte para ti também. Fica segura.

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  5. É inevitável para combater eficazmente a doença.
    Bfds

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    1. Não sei se vou poder dar-me a esse luxo. Mas concordo plenamente! Temo apanhar esse bicho, já que no reino unido as pessoas não tomam precauções. Eu sou praticamente a única na rua a usar máscara e a única no emprego também. E isso não me protege a mim (os olhos continuam expostos), só os outros.

      Consegui um outro trabalho - num armazém chinês olhe a ironia - Os que são trabalhadores de contrato de zero horas que é o que eu sou, o governo ainda não especificou como este grupo de pessoas podem ficar em casa e ter direito a algum subsídio. Por isso o que está a acontecer é que os trabalhadores a contrato ficam em casa a ganhar salário. E as empresas estão a chamar com muita mais assiduidade trabalhadores "para qualquer altura" - que é o meu caso. Faço parte do grupo que tem de ir trabalhar com a ameaça do corona. Porque se não o fizer, não tenho dinheiro. Podia ficar em casa à mesma. Mas por quanto tempo? E teria de partilhá-la com pessoas que mal conversam comigo. Não é tão apelativo quanto ocupar o dia a trabalhar.

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  6. Quando chegar aí o pessoal vai ganhar juízo

    Btw (expressão do inglês :)), criei este perfil no google para evitar estar sempre a copiar e colar o perfil. Tbm já te sigo ;)

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    1. Vais mudar-te para o Reino Unido? Agora com o Covid não é recomendavel. Acho excelente a ideia do perfil. Obrigada pelo support. Cheers

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  7. Credo, viver nessa casa é um inferno. Porque não muda? Esse clima tóxico prejudica a própria imunidade. Saia, Procure outro espaço. Acabará por encontrar. Fique bem.

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    1. Nesse sentido sou muito teimosa. E o meu senso de justiça diz-me que sair não é justo para mim que só fiz o bem e não machuco ninguém. Mas obrigada pelo carinho e preocupação.

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