Noutro dia decidi não atravessar a avenida entre um momento sem movimento automóvel, como habitualmente faço. Segui pelo passeio, até chegar aos primeiros semáforos. Acontece que esse cruzamento é TERRÍVEL, porque movimenta três sentidos. Os carros que querem virar à direita, ficam parados. Os que querem virar à esquerda, vêm todos acelerados para apanhar o sinal aberto e depois que este fecha, abre o sinal para os da direcção oposta virarem para ali. O peão... vê os carros parados, vê que os outros ainda não podem virar... tenta atravessar a estrada. Porque sabe-se lá quando o sistema diz que "acabou o tempo para aquele, aquele e aquele, e é a vez do pedestre passar".
Muitas vezes, é até mais fácil para os próprios automobilistas deixarem o peão passar. Porque assim este não pressiona o botão dos semáforos, o que deixa a circulação automóvel fluída, sem forçar uma paragem.
Mas aqui no UK isso não é percebido assim e os automobilistas comportam-se como a querer reclamar toda a estrada para si, por terem esse "direito". Se um peão ainda estiver a atravessar a estrada na passadeira quando o semáforo para carros ficar verde, leva com uma buzinadela e os automobilistas não hesitam em por o carro em movimento. Se um peão atravessa a estrada fora da passadeira numa via dupla, ou mesmo tripla, num momento sem carros e surge um automóvel, o mais provável é este ACELERAR e escolher dirigir na faixa perto do passeio, mesmo quando, ao fazer a curva, não era essa a direcção mantida. É intencional. Mal intencionado. Aqui usam este recurso para "reclamar" o "direito total ao espaço". É uma forma de comunicar ao peão que não aprova que atravesse a estrada ali. Isso e buzinar. Adoram buzinar!
Já em Portugal, se a pessoa atravessar a estrada fora da passadeira, o automobilista muitas vezes reduz a velocidade, ou, pelo menos, não a aumenta. Vê o peão à distância e não se põe a acelerar. Há uma espécie de "acordo" mudo, de cortesia e entendimento.
O caso mais recente que me incomodou, foi nesse cruzamento. Só os carros à minha direita tinham sinal verde. E não vinha nenhum. Acontece que a pressa deles é tanta, que dar três passos sem aparecer um acelerado não pareceu possível. Percebendo isso, recuei até ao passeio e fiquei à espera. Com os dois pés bem assentes no passeio, um automóvel que estava longe quando recuei, DEPOIS de fazer a curva e passar por mim, BUZINA. O que vem atrás, decide fazer o mesmo. Para quê?? Não tinham espaço suficiente na estrada? Eu de pé no passeio incomodei-os? Não têm mais nada com que se preocupar, não têm de se concentrar na condução, querem ver? É mesmo necessário, vital, essencial buzinar aos ouvidos do pedestre??
Perdi logo a paz de espírito que transportava comigo. Qual é a necessidade que um «cu tremido» (que é como defino os não-caminhantes carro-dependentes que confortavelmente viajam sentados) tem de buzinar a um peão que já não está a tentar atravessar a estrada?
Dá vontade sabem do quê?
De transportar uma buzina e pagar-lhes na mesma moeda para descobrir se gostam. Ia dar-lhes uma valente e sonora BUZINADELA que é para com o susto se espalharem com o carro e saberem como é bom! Teriam de andar a pé ou ainda melhor, de transportes públicos, para sentirem o que é bom para as manias de soberba.
Andar a pé... coisa que muitos desconhecem desde que tiraram a carta na juventude. Apanhar vento, chuva, sentir os pés a bater no asfalto que aqui no UK é tudo menos plano, sentir aquela dorzinha na base da coluna cada vez que se tem de pisar um piso tão cheio de altos e baixos. Sensações únicas.
Logo a seguir às buzinadelas, passa por mim um rapaz agarrado ao telemóvel, e, sem hesitar, atravessa a estrada, seguindo caminho. E eu refilo. Pois refilo! Olho para os carros parados no mesmo semáforo... Onde estão as buzinadelas agora? Eu no passeio e ele atravessou a estrada! Com um telemóvel na mão. Podia estar distraído, já eu, tomei a decisão consciente de recuar para o passeio, por estar até muito atenta às minhas chances de passar para o outro lado. Os carros parados não reclamaram porquê? É descriminação de género? LOL. Mais uns passos à frente, depois de passar o cruzamento, tive de me desviar desse mesmo rapaz que, continuando a olhar para o telemóvel, tinha virado de direcção e claramente estava a procurar seguir as indicações de localização do Google Maps.
Aprender a ter mais consideração pelo lado em maior desvantagem. É só isso que quero ver acontecer. Quero sentir que há pessoas educadas que, mesmo não concordando que o peão atravesse a estrada fora da passadeira, perceba que, por algum motivo, ele tomou essa decisão. E não lhes custa nada abrandar... ou simplesmente, manter o limite de velocidade. Já para o peão, parar consome segundos, mesmo minutos. Que estão contabilizados em passos, em mais ou menos tempo debaixo da chuva, neve ou frio, em vontade de ir ao WC, ou aquecer-se... No meu ver o que é pior, é a quebra do ritmo, que vai realçar o cansaço ou stress. Dali a três segundos, o carro e todas as pessoas que viajam nele já estão a metros de distância. Mas o pedestre continua a atravessar a estrada.
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