A primeira coisa que me agradou quando iniciei a leitura do livro da Elvira - Renascer, foi o tamanho das letras. Os meus olhos, que começaram a se queixar de falta de vista ao perto, agradeceram e ajustaram-se bem.
Quando conheci a Elvira online, tomei a ousadia de lhe fazer um reparo. Temi que levasse a mal mas, aconteceu o contrário: Elvira agradeceu a honestidade. Esse reparo foi a respeito da colocação de vírgulas na estrutura da frase.
Na leitura desta história não pude deixar de fazer o mesmo. Estava a reposicionar vírgulas ou a eliminá-las mentalmente para se adaptarem à forma como aprendi que devem ser colocadas. Também coloquei dois pontos de interrogação que percebi em falta e quis separar aqueles dois "r" de «guerra» da contracapa. Aliás, queria ter formatado o texto de forma diferente para que não existissem inféns a quebrar as palavras para outra linha.
Agora com o "novo" (que já é velho) acordo ortográfico, até pode ser que tudo tenha mudado novamente. Nas escolas já se ensina as crianças recorrendo a outros métodos que aqueles que aprendi como incontornáveis. Não me considero detentora da "lei" da pontuação e sei que posso ser atroz na colocação dos meus pronomes.
Aprendi de um jeito e é desse jeito que estou habituada. Elvira aprendeu de outro ou ensinou-se à sua maneira. O prémio Nobel da literatura - Saramago, erudito e literato, recusava-se a colocar pontuação nas suas histórias. Não me impediu de ler "O Memorial do Convento" e apreciar o romance - ainda que, mentalmente, estivesse a pontuar cada frase.
Todas estas formas de comunicar sentimentos por palavras são legítimas. O importante é a expressão escrita ganhar vida.
Isto para dizer que cada qual escreve como quiser. Há medida que fui lendo a história obedecendo às vírgulas de Elvira, comecei a ouvir uma história a ser contada oralmente. E gostei. Gostei muito mais. Torna-a mais real. Mais humana, calorosa e pessoal.
A HISTÓRIA:
Tanto eu que li o conto quanto outras pessoas a quem dei a ler, questionaram-se se é uma amalgama de histórias reais conhecidas na primeira pessoa compiladas num romance. Uns ficaram com a impressão que foi algo que aconteceu à autora ou a pessoas com quem conviveu de perto.
Fiquei com a mesma curiosidade. Quem seria, na vida real, o "Julião"? Existiram tantos... mas devem ter sido muito poucos aqueles que voltaram "à vida" por engano. Porquê "Peso da Régua" e não outro lugar? Através da leitura de outras histórias no seu blogue sei que entende bem a actividade de seca de Bacalhau, onde chegou a trabalhar. Quando o história faz uma breve descrição geográfica das mesmas, soube que Elvira escrevia algo que conhecia bem. Quem lhe facultou os locais geográficos em Angola?
Considero a Elvira uma excelente contadora de histórias pelo simples facto de conseguir prender o interesse do leitor durante toda a leitura. Ela também não se demora em descrições aborrecidas e "salta" para momentos chave sem, pelo meio, "encher chouriços". A forma como terminou este capítulo da história de Portugal foi de mestre. A autora, que conta já com três livros publicados, conta uma narrativa com a medida certa. Não se demora em descrições de lugares que ocupam várias páginas do livro e ainda assim é capaz, com uma síntese invejável, de nos colocar naquele lugar que descreve como se estivéssemos lá a visualizá-lo.
Já lhe disse mas vou repetir aqui: ela tem um dom especial que até os mais reputados autores de dezenas de livros invejam. E poucos alcançam. Usam fórmulas claras e escrevem muitas histórias, todos com os mesmos ingredientes formuláticos, para assim disfarçar a falta de talento natural para cativar o leitor.
Mas creio que a Elvira quer saber se gostei. Pois claro que gostei! A história é ternurenta e soa muito verdadeira. As personagens revelam um carácter honesto, integridade, princípios e uma força extraordinária em momentos em que esta é requerida. Em especial as mulheres - sempre fortes, ainda que no seu papel mais "submisso e do lar" do qual nenhuma escapava nos idos anos 60.
A sociedade sofreu muitas mudanças desde esta altura descrita no livro. O "dilema" de Carlos - em não viver um amor verdadeiro para cumprir uma promessa - não tem mais espaço nos dias de hoje. Actualmente a pessoa casa-se com quem quer e ajuda a criar o filho de outra/o. Na realidade, faz-se isso com os próprios filhos biológicos: os casais divorciam-se, geram novas famílias, os filhos são criados "a meias" entre os dois progenitores e seus novos parceiros, que podem vir a ser mais que um, com o tempo. Ainda assim, há sempre um lado é mais predominante na vida das crianças.
Por isso mesmo a história de Elvira é ainda mais especial. Ela revela núcleos familiares empenhados em permanecer uma família. Mostra integridade e especialmente honestidade nas relações entre jovens, amigos, compadres, comadres, pais e filhos, marido e mulher. Nesta história as personagens exercitam uma coisa muito em falta hoje em dia e que, a meu ver, é a principal responsável pelo declínio de harmonia e felicidade: o exercício de DIÁLOGO e SINCERIDADE.
O compromisso de se unirem para criar uma família era quase que sagrado. Mesmo não existindo paixão, acreditavam que, com amor ao próximo, uma união podia resultar numa vida muito feliz. Um casal comprometia-se a iniciar uma vida a dois dando o melhor de si para fazer o casamento resultar e criar uma família funcional. Existia uma dedicação, um empenho, para se fazer o melhor como pai, mãe, filho, filha, família.
A postura da muito jovem "Luísa" - de permanecer mulher de um homem só, homem já morto, também não tem mais espaço nesta sociedade de hoje. Todo o amor que ela tem dentro de si e não mais vai ser partilhado com um parceiro, ela canaliza para os outros. No muito amor com que vai criar a filha bebé, na amizade que demonstra por Carlos e a sua mulher. Sem egoísmos. Hoje em dia, é pouco viável este tipo de maturidade e consideração entre mulheres que, um dia, foram rivais no coração de um homem.
Num certo sentido, ainda que na altura o papel social da mulher fosse muito restringido à maternidade, marido e lar - o respeito e sinceridade que encontravam nas suas relações amorosas e de amizade, deixa algo a invejar na mulher actual.
Em 2022 somos mais independentes. Não precisamos de um homem para a nossa vida fazer sentido. Já filhos, coloco aqui um grande ponto de interrogação. Embora saiba que há mulheres que nunca sentiram essa vontade e centenas mais que, tendo tido filhos e já os tendo criados, se pudessem voltar a trás nessa escolha, nunca os teriam tido.
Ainda assim existem centenas de casamentos infelizes, em que os parceiros mal se falam e se agridem constantemente. Quem somos nós para dizer que antes era pior? Que hoje é melhor? Comparado a quê?
A Elvira continua assim a realizar os seus sonhos - e isso é viver a vida. Deixa para trás e para a eternidade, as suas palavras encadernadas. Os seus bisnetos vão poder pegar nos seus livros e ler as histórias da "avó" de que tanto ouviram falar pela boca das suas mães. E quando chegar a sua vez, também os filhos destes irão fazer o mesmo.
E Elvira, as suas experiências de vida e aquele tempo em que viveu, ficam encapsulados numa obra literária, que poderá vir a ser apreciada e valorizada por infinitas gerações.
Parabéns Elvira.
Tudo de bom para si.
Nota à parte: reparei que, depois de escrever, também preciso de eliminar umas tantas vírgulas dos meus próprios textos, ahah.
Que bom que gostou do Renascer.
ResponderEliminarA questão de pontuação é o meu calcanhar de Aquiles eu nunca a aprendi, e se o fiz, foi há quase 70 anos e não me recordo. Depois, atualmente há tantos escritores que escrevem sem virgulas, com pontos finais sem parágrafos e seguidos de letra minúscula. Estou a lembrar-me por exemplo de Valter Hugo Mãe.
Também eu não sou uma escritora, sou uma contadora de histórias, que decidi publicá-las como presente para as minhas netas.
Nas minhas histórias que são ficção há sempre muita História que situa o leitor em determinada época e torna a história real. O Renascer não seria possível, nem credível na época atual como muito bem diz. Quanto a ter escolhido Régua, eu tenho um tia atualmente com 96 anos que foi guarda florestal em Monsanto, vivia naquela rua onde existia a fábrica de gelados. Quando eu trabalhei em Lisboa, para ficar mais perto do emprego, vivia em casa desse tio, que era natural da Régua. Eu estava em casa dele, quando a camioneta caiu da ponte e lembro da aflição dele já que tinha família a viver lá e não sabia se tinham sofrido com o acidente. Quanto a Luanda, eu vivi lá desde Janeiro de 1973 a Julho de 1975. Eu era empregada no Colégio Cristo-Rei e (Não sei se já leu As cores do Amor) mas tudo o que conto lá é real, apenas a história de Amor da Paula e do Diogo é ficção. O resto, os musseques a arder, as pessoas desalojadas pela cidade, o medo, o ataque ao hospital, Tudo aquilo aconteceu. É uma visão do que aconteceu lá para quem lá não esteve.
Muito obrigada pelo seu comentário. Adorei.
Abraço e saúde.
Sabe Elvira, cada pessoa tem a sua essência. E quando escreve, passa-a para o texto. Se você aprender a colocar as vírgulas como todos os outros as colocam - ou como a gramática o ensina - fica bem. Mas será que não deixa de ser quem é? Ou seja, fica uniforme, banal quase sem alma :)
EliminarAcredito que alguns autores actuais fazem isso só para ganharem notoriedade e serem conhecidos pelo estilo contra-a-regra. Neste mundo vale de tudo para se fazerem notar e se destinguirem dos demais.
Acho que prefiro contadores de histórias a escritores. Pelo menos escritores actuais e populares. Se for para trás e mencionar escritores que se nota terem um domínio total e conhecimento global de como usar a língua de Camões - a esses presto homenagem. Só Camões, com o seu Lusíadas, fez um feito! Na escola, quando estudei a métrica das suas estrofes, fiquei maravilhada porque ele não só escreveu palavras com mestria, ele as CONSTRUIU de forma a serem todas organizadas e a baterem certo. Isso sim, é talento e domínio da língua.
Como contadora de histórias acho que consegue encaixar muito bem factos que viveu e integrá-los na história, enriquecendo-a com detalhes, como a descrição das revistas da época que Julião encontra nas gavetas, as músicas e cantores populares na época e esse acidente na Ponte, que para mim era desconhecido embora perceba que teve notoriedade. Só a queda da Ponte entre-rios, algures em 2001, é que me recordo.
Ainda não li As cores do Amor. Vou ter de ler!
Boa tarde
ResponderEliminarComo é bom ouvir uma descrição sobre a qual eu não tenho capacidade para tal.
Gostei do livro e gostei também do seu comentário sobre o mesmo.
Obrigado
Permita-ne uma correção?
ResponderEliminarÀ medida que fui lendo e não "há medida que fui lendo"
É verdade! Ahahah.
EliminarPs: nao e preciso comentar no anonimato se por acaso o fez so por ir apontar um erro. E raro ter anonimos. E leitores recorrentes acho que so tenho uns 4 ou cinco. 🤗
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