terça-feira, 8 de março de 2022

A mancha castanha

 

Limpei todos os cantos do quarto quando me mudei para ele. Limpei tudo. Mas escapou-me uma mancha. Que só vi tempos depois. Até me interroguei se sempre terá ali estado e me escapou ou se alguém a tinha colocado ali depois de eu já estar no quarto. 

Essa mancha é castanha. Está em cima do rodapé, junto à parede perto da porta. Mais tarde, vendo bem a porta, reparei que também tem salpicos castanhos. É fácil de deduzir - tal como um detective forense, que alguém a segurar uma caneca de café, abriu a porta e nesse instante em que estava aberta, entornou café na carpete, o líquido castanho bateu também no rodapé e salpicou a porta.  

É a única coisa que... não limpei. 
E talvez nunca limpe. 


Hoje SEI quem deixou aquela mancha ali. 


You see... quando vim ver a casa pela primeira vez, foi-me dito que o quarto estava vazio fazia três meses. A rapariga que o alugava não o usava - provavelmente porque na altura isso era comum, visto que as pessoas viajavam e depois o espaço aéreo era fechado, não podendo retornar. Mas o indivíduo da agência disse-me que ela havia mudado para uma casa na rua em frente e não usava mais o quarto. 

Uma semana depois, peço para ver o quarto novamente, por já não me lembrar da sua configuração. O mesmo indivíduo da agência diz-me que só mo pode mostrar num certo dia. Quando chego para rever o quarto, uma das ocupantes da casa, uma rapariga, aparece de roupão para lhe encher os ouvidos de queixas a respeito de um outro hóspede. 

A tal rapariga, era a M. Claramente estava a aproveitar a ocasião para desenrolar uma infinidade de queixumes, mostrando nenhuma preocupação em influenciar negativamente a minha visita. Percebi que o indivíduo da agência sentiu um pouco de embaraço. Provavelmente deduziu que eu era uma candidata perdida. Depois daquele rol de queixumes, ninguém se mudaria para uma casa já a ouvir falar dos problemas. Às tantas, ele pergunta-lhe se pode subir e mostrar o quarto. Ela responde que sim e mostra-mo. É ela que o está a ocupar. Achei estranho, porque o quarto estava vazio e desocupado. A rapariga tinha-se mudado para outra casa, mas ainda tinha as coisas dela dentro. Deduzi que a M. era a rapariga a quem o quarto ainda pertencia, a que se ia embora. 

Aliado aos muitos queixumes, só podia ser. 

Porém, no final da visita, já fora da casa, fiquei a saber que a M. tinha acabado de se mudar. Não era ela que se ia embora. Mas então, porque estava a dormir no quarto vago? 

Agora penso também: se só estava a viver na casa há uma semana ou menos, como pode fazer a quantidade incessante de queixumes que a ouvi dizer? Não tinha tido tempo para estar tão incomodada! A quantidade e tipo de queixumes que prestou fez-me deduzir que morava na casa fazia muuuuito tempo. Mas não. Se isto já não diz tanto sobre o seu carácter... 

Não quis confrontar o indivíduo com as discrepâncias. Facto era que o quarto estava livre e eu ia poder ocupá-lo. Fiquei de dar uma resposta. Queria muito dizer sim. Mas ainda ia pensar bem. 

No dia seguinte liguei à agência e disse que ficava com o quarto. Pedi se podia  transportar as minhas coisas durante o fim-de-semana. Foi-me dito que não era possível porque o quarto estava ocupado. Estranhei, porque estava vazio há 3 meses e o indivíduo tinha-me dito que os pertences deixados no quarto iam ser retirados na semana anterior. Mas não quis saber porquê a história não batia certo. Talvez a pessoa não tivesse tido tempo de tirar as suas coisas e esticou para o fim-de-semana. Tomei a coisa como incontornável e combinei me mudar na data indicada: segunda-feira, 13 de Julho. 

Nesse tempo de espera, passei muitas vezes pela frente da casa. Fiquei alarmada com um elemento  novo: da rua, ouvia-se música alta a vir do andar de cima. Passei mais vezes, continuava-se a ouvir música alta. Fiquei alarmada.

Durante anos a passar nesta rua, nunca antes percebi música alta a tocar. Mas também não teria percebido, se existisse. Percebia-o agora, por me interessar vir a ocupar a casa. Na semana e meia que levei até pedir para ver o quarto novamente, não existiu música. Foi só depois daquela minha segunda visita. 

Voltei a ficar insegura sobre a mudança. E se fosse me mudar para uma casa com indivíduos que não querem saber se incomodam os outros, metendo música alta a tocar a toda a hora, fazendo barulho, deixando tudo fora do lugar, sujando sem limpar... enfim, O que ninguém gosta. 

 Reflicto muitos nos meus passos, antes de os dar, percebem? O receio de me mudar para uma casa com pessoas desrespeitosas regressou. Mudar para pior ou igual ao que já tinha não estava nos meus planos. Queria uma casa serena, arrumada, limpa. Esta casa era assim. ERA. 

A M. foi quem mudou tudo.

Embora ela ache que ela é a única pessoa que contribui para a casa estar arrumada, depressa percebi que era o contrário. E como tudo o que é preciso é que alguém comece a descarrilar para os outros seguirem atrás, foi exatamente isso que aconteceu. Para esta casa voltar a ser o que um dia foi, é necessário que a M. deixe de cá viver. Ainda assim ia levar tempo para conseguir reparar os muitos hábitos negativos que ela incutiu e outros repetem. Só que ela sair é coisa que nunca vai acontecer. Imagine-se! Aqui ela reina. Faz o que quer. Gasta pouco dinheiro. Poucos ou ninguém lhe faz frente. 

O melhor que fiz foi deixar de lhe falar. Agora recebo mais "respeito" do que quando lhe falava e ficava sujeita ao seu rol de queixumes. Só me extenuava. Tinha de andar em bicos-de-pés, sujeita às suas mudanças de humor. Dei um "murro na mesa" e disse chega. 

Agora tenho de aturar outros comportamentos irritantes. Por exemplo, continua a seguir-me. Não passam nem 30 segundos e ela vai enfiar-se no WC assim que me escuta a sair de lá. Se desço à cozinha, a mesma coisa. Basta eu dar sinal de vida, e ela trata de ocupar a casa como só ela sabe inconvenientemente fazer. 

No meu entender, está a ver se encontra algo mal feito de minha parte, para poder criar uma boa história de queixumes. Afinal, foi assim que a conheci - a fazer queixas, e queixas é sempre o que faz quando aparece alguém da agência. 

Amanhã cedo vem cá uma pessoa da agência inspecionar a casa. Pela tarde, quando desci à cozinha, o espaço estava caótico. Louça suja por todas as bancadas. Todos os quatro bicos do fogão ocupados com tachos com restos de comida. Tirei uma frigideira do armário, fritei um ovo, lavei a frigideira, sequei-a e voltei a colocá-la no armário. Tudo isto em 10 minutos. 

Aquela quantidade de louça suja... Não compreendo como não podem todos fazer o que eu faço. Custa tão pouco lavar assim que se deixa de usar! Não há nada meu naquela confusão. Nunca ouve, nunca haverá. 

Fiquei a imaginar se alguém vai se dar ao trabalho de limpar aquilo, uma vez que a visita vai aparecer amanhã e o mau aspecto que aquilo fornece não deve ser algo que a M. em particular, queira passar para fora. Afinal, parte daquela loiça - quase toda, é dela.

Tenho escutado barulhos de pessoas pela cozinha nas últimas horas. Estão a cozinhar. Quem sabe, depois de se alimentarem, decidam também limpar aquela porcaria? (sonha, sonha...)


Descobri que a M. dormiu no meu quarto uns dias antes de se mudar para o quarto maior da casa. Por isso é que não me foi permitido mudar no fim-de-semana.  Tive de esperar pela segunda-feira seguinte. A M. já a atrapalhar a minha vida, sem eu perceber. 


Ela própria contou-me que dormiu no quarto, que não gosta dele, que é pequeno demais e disse-me também que a empregada de limpeza tinha limpo o quarto e depois dela, a própria M. tinha "limpo tudo". Disse-mo depois de eu comentar que dava para perceber que o quarto estava desocupado fazia três meses, porque encontrei "muito pó" que tive de limpar. Ao que ela quis saber mais sobre o assunto, dizendo que tinha "limpo tudo", todos os cantinhos. Só que não. A forma como se descreveu, começou logo aqui, a causar discrepância com a realidade. 

Respondi que eram aqueles cantinhos que as pessoas preferem ignorar, como atrás da cama, os rodapés, os abatjour e as lâmpadas, que estavam todos cheios de pó preto. 


 Mas este post é sobre a mancha castanha... a mancha de café. 

A mancha de café, sei-o instintivamente, é coisa da M.

Num quarto desocupado por três meses, onde só a M. viveu por dois ou três dias antes de eu me mudar, quem mais, se não ela, podia ter manchado a parede e a porta com café??

Tudo o que a M. realmente é está ali resumido, naquela mancha de café. O seu descuido com as coisas, o facto de andar sempre com uma caneca de café e ser incapaz de o beber sem deixar vestígios por toda a parte. Seja no chão deixando o pó do café espalhar-se, seja com salpicos por colocar com força a caneca no tampo, deixando também marcas redondas nas bancadas, seja quando vai ao WC despejar o café na sanita e lavar a caneca no lavatório. Deixando o assento salpicado de café. 

A M. não é nem nunca será o que diz ser.  

1 comentário:

  1. Passando, elogiando a publicação, e desejando, um Feliz dia internacional da mulher. Não existe, e contra mim falo, a força que o coração e a alma de uma MULHER tem
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    Hoje escrevi: “ É lindo o coração da mulher “
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    Pensamentos e Devaneios Poéticos
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