segunda-feira, 29 de abril de 2019

Trailer trash made in UK


Hoje o dia não começou bem.
Foi muito frustrante ir à marcação no Centro de Emprego. Não imaginam como é... como foi. Sentes que és uma nulidade. A preocupação contigo é zero. A ajuda, sub-zero. Sentei-me, disse que tinha perguntas para fazer, recebi como resposta: "nada de perguntas agora. Primeiro temos de seguir os procedimentos".

E os procedimentos foram:
"Diga-me o seu nome completo". 
"Data de Nascimento".
"Morada".
"Número de Contribuinte".

Cada vez que lá vou tenho de "confirmar a minha identidade" desta forma. É só isto que lhes interessa. Rigorosamente mais NADA. Escrevem no computador que compareci na data combinada, querem saber se estou a trabalhar e apressam-se a mandar-me embora. Não há "tempo para perguntas" porque já estão "atrasados para atender o próximo". Disse-me quem me atendeu, que "já tinha passado o meu tempo". Quis saber quanto tempo disponibilizam para o atendimento. Soube que eram 10 minutos por pessoa. Só que o PORMENOR dele me ter atendido 6 minutos depois da hora marcada foi conveniente deixado de lado. Não estava ali há mais de três. Logo fui "educadamente" convidada a sair. "We are finish. You can go".  

Era preciso registar no computador dados vitais sobre o meu part-time mas "o sistema estava em baixo". O que não acreditei. Com tanto apressar, para mim tratou-se de um pretexto para não prejudicar a sua média de atendimento elevado (mas ineficaz). Atirou para o próximo essa responsabilidade. Tive apenas tempo de informar que havia um dia que não podia comparecer à marcação. Perguntei se podia adiá-lo. 
- "Não. Tem de aparecer".
- "Mas não posso. Não vou aparecer. O que acontece se não puder comparecer?".
- "Tem até 5 dias para aparecer ou desaparece do registo. Convém aparecer no dia seguinte".
-"Não posso. Só no quarto dia". 
-"O que é que vocês fazem aqui para realmente ajudar alguém a arranjar emprego?"
-"Fale com o David da próxima vez que vier, ele é que é o seu working coach. Adeus.".
-"Ok. Obrigada".



Senti-me desmotivada. E fiquei com a sensação que os astros não estavam a conjugar as suas energias para que o meu dia corresse melhor. Decidi não ir a mais nenhum lugar e permanecer o resto do dia em casa. Tinha planeado passar por umas lojas mas decidi ir só a uma, pela urgência.  Não encontrei o que pretendia e de certa forma isso não me surpreendeu, tendo em conta a forma como o dia tinha começado. Saí da loja, esgotada, sem energias... precisei de me encostar e sentar no chão. Caminhar pareceu algo penoso e o percurso até casa leva um quarto de hora. Optei por apanhar o autocarro gratuito que ia aparecer dali a três minutos. Fico na fila a aguardar a vez... o autocarro chega, atrás de um outro, que leva o seu tempo a "despejar" passageiros. Quando me preparo para entrar no que estava atrás, verifico que já tinha partido. Habitualmente eles não fazem isso. Só partem após avançarem à frente. Mais uma vez... senti que era a energia dos astros que não estava boa para mim. Era urgente ir logo para casa. E não sair mais de lá.

Chegada, enfiei-me debaixo do chuveiro - algo que estava prestes a fazer antes de ter saído para o Centro de Emprego, quando dei conta que me enganara na hora da marcação e tinha de sair de imediato. 

Tomei o duche e preparei-me para um exílio caseiro. Precisei telefonar para uma instituição governamental a fim de esclarecer o tal "erro" do centro de emprego, e fui instruída a enviar uma carta ainda hoje para um certo endereço. (Vá lá, aqui foram simpáticos, prestativos, não me despacharam e tudo correu pelo melhor). Soube então que tinha de sair novamente de casa. Mas era para um bem maior. De banho tomado e tendo falado telefonicamente com uma pessoa decente, até senti que alguma energia pouco benéfica se tinha esvaído... Planeei na minha mente a forma mais prática e cómoda de fazer o procedimento e lá fui. 

Terminadas as burocracias (sim, porque não foi só enviar uma carta...esse foi o último passo), não fui ao supermercado no qual gosto de ir. Sabia que o correcto era regressar a casa. Pelo caminho entrei no MacDonalds, talvez comprasse um hamburguer. Mal entro, não sei se foi o cheiro, se foi outra coisa, começo a sentir-me indisposta. Meter algo no estômago naquele instante tornou-se inviável. 

Optei por seguir caminho direta a casa. Algures um sino eletrónico bateu palidamente as 17h. Não era o som do sino que gosto de escutar: o da minha igreja. Em frente, há uma igreja antiga - bastante antiga até, já que a parede da estrutura principal data do século XIII. É uma visão e um lugar que me faz sentir bem e me ameniza. Foi ali que fui quando estava a lidar com a tragédia de Pedrogão. Acolheram-me, sorriram, cantou-se, foram simpáticos. Foi um momento espiritual. Ali pedi uma reza pelas almas dos familiares que faleceram. Pouco depois disso e de outras formas de rezar, senti que estavam em paz. Talvez também por este motivo tenha ficado a simpatizar ainda mais com aquele pequeno edifício de uma torre e uma nave. 

Há outra igreja mesmo ao lado e nem dou por ela. Talvez devido a ter um portão, com cancela e sinais de proibição por toda a parte. Muito pouco "cristão".


Estava a rumar para ela. Para a "minha" igreja. Queria, precisava. A igreja fica entre passagens pedonais movimentadas. Enquanto seguia na sua direcção, tentava decidir por quais dos caminhos ia atravessar. Quase segui o mais comum e agradável, rodeado de arbustos e árvores. Mas estava muito movimentado e por isso optei por contornar a igreja pelo exterior, grata por poder apreciar as suas vistas, agora mais visíveis devido à sebe ter sido podada. Decidi tirar fotografias.

De todo o dia, aquele foi o instante que fez o negativo dissipar-se. Até o mal estar ao entrar no MacDonalds um minuto antes já tinha desaparecido. Estava serena, feliz por olhar a arquitectura da igreja. Ia fotografá-la e levá-la comigo para apreciar tranquilamente em casa. 

Sinto muita gente a passar atrás das costas e pensei comigo mesma que desejava que não houvesse tanto movimento. É desconfortável. Não permite ter alguma privacidade para tirar umas rápidas fotografias. Com tanto instante para passar, tinha de aparecer muita gente durante o meu impulso fotográfico?

Mas a linda visão da igreja dissipou este pensamento. Concentrei-me no acto, pois era impossível com a claridade, precisar se estava a enquadrar bem a igreja ou até se a imagem estava focada. Queria ser o mais rápida possível mas ser artística, encontrar um bom ângulo, que fizesse sobressair aquela beleza. Fui por tentativas. A expectativa de chegar a casa e ver como as imagens ficaram toda igual à expectativa daquele instante em que se regressava da loja fotográfica após levantar as revelações de um rolo fotográfico. 

Nisto sinto alguém passar de trás para a minha frente e uma voz feminina com sotaque britânico diz aquilo que mais me repugna escutar no Reino Unido:  
-"That's rude!".

Os britânicos desta terrinha fedorenta gostam muito de virarem-se para desconhecidos e acusarem-nos de terem qualquer comportamento "rude". 

Essa petulância quase me tira do sério. 
Rude é a atitude que acabaram de ter.

Olhei na direcção da voz e vejo uma jovem com ar de Trailer Trash


Foram os americanos que inventaram esta expressão "trailer trash". É um termo pejorativo que faz referência a pessoas de raça branca, pobres e que vivem em caravanas. Tenho percebido que encaixa em algumas pessoas desta cidade na perfeição. Estas jovens podem não viver em caravanas (eram duas, uma estava atrás de mim, e segurava um carrinho de bebé. Se havia uma criança dentro não percebi mas por essa possibilidade a "mãe" devia ter mais juízo). Inicialmente só dei conta da mais-gorda à minha frente. Ambas "encurralando-me" entre si. Sabia que devia ignorar, mas elas estavam a querer provocar. No meu instante de serenidade com o lugar. Acabei apenas por dizer que se tratava de uma linda igreja. "That is rude! Taking pictures!" - repete com altivez a gorducha. Rude, se elas quisessem saber, era tirar selfies de biquinho e postar no facebook - acrescentei, sabendo que o conceito dificilmente ia cair em terra fértil. Fiquei incomodada por não poder tirar rápidas fotografias em paz. E por elas terem conspurcado aquele momento de serenidade.  


A trailer trash mais-gorda, de chinelo, leggings e t-shirt justa, reforça o ataque:
-"Isso é rude! Tirar fotografias às campas! Esta não é a tua gente!".

As igrejas antigas têm campas. Não é nada de extraordinário. Toda a cidade as têm. Não é proibido fotografar nem sequer é proibido entrar e olhar. Muitos cemitérios hoje em dia - principalmente os antigos, disponibilizam visitas guiadas ou permitem que sejam uma via de passagem. Mesmo que fosse indelicado - que não é, existe respeito, pelo menos de minha parte. Estas campas que apareciam no espaço à volta da igreja tinham formas diferentes, letras totalmente esbatidas ou estavam parcialmente destruídas. Tenho muita curiosidade em saber de que ano datam, se contam as suas histórias... mas só uma vez me aproximei, sem ser muito evasiva. E depois, nessas mesmas campas vi eu, por muitos meses, uma tenda de campismo. Alguém estava a dormir no cemitério. 

Os mortos decerto não se incomodaram. E os responsáveis pela igreja pelos vistos permitiram. O que só reforça a boa energia que o lugar me deu. Vemos sem abrigos sentados por todas as ruas da cidade. Está a tornar-se desolador. Quando para cá vim há dois anos não haviam tantos. Essa visão é para mim algo bem rude e difícil de ver. 


Entre outras coisas, mandou-me foder a minha mãe, fez o movimento pélvico para trás e para a frente e mostrou-me o dedo do meio.

A rapariga a empurrar um carro de bebé ria-se, gargalhava. Mal virei as costas, também ela me chamou rude e ambas continuaram caminho mas na direcção oposta à que seguiam quando começaram o ataque verbal. Provavelmente satisfeitas consigo mesmas por terem conseguido provocar uma discussão com uma estranha. Não precisavam mais de ir para outro destino... já tinham despejado a verborreia toda.


Este lugar está cheio delas e deles. Trailer trash à moda do Reino-Unido. São um "cozinhado" onde a maioria é muito jovem, falam com um sotaque afectado, fervem em nenhuma água e cospem asneiras cada vez que abrem a boca. E o país ainda teme a entrada de estrangeiros... Por pior que sejam, ainda não encontrei UM que não viesse atrás de uma vida melhor e, mal ou bem, pronto a trabalhar para isso. 


Já para estes jovens na casa dos 20 anos, aqui nascidos, trabalhar parece uma palavra que os assusta e uma actividade que é para evitar ao máximo. Eles, pelos jardins e bares, envoltos em atividades ocultas, agrupados de forma suspeita. Elas já de bebé a xular os benefícios do governo, para os quais contribuem o salário dos estrangeiros. 

Roubos, crimes com faca, mortes e violações. Não são poucos os casos a acontecer nesta localidade. Isso me espanta, porque há coisa de três meses uma mulher foi violada no jardim local durante a manhã. E têm havido esfaqueamentos - entre este género de indivíduos trailer trash que cada vez mais habitam esta zona.

Não fosse pelos estrangeiros trabalhadores e alguns poucos bem educados e instruídos britânicos que imagino existirem a trabalhar em empresas de pessoas requintadas e por isso inacessíveis ao comum mortal, pouca coisa se aproveita do original que por cá anda.

Se é este o futuro do Reino Unido, tenho de emigrar novamente e rapidamente.

Mas para onde?

Isto tudo para concluir: a sensação estava certa. Hoje não era um dia para sair de casa.



2 comentários:

  1. Numa situação dramática ser alvo de antipatia é ainda mais ofensivo.

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  2. Já tive dias parecidos em que parece que quase tudo e todos estão do contra e se pudesse o melhor era não ter saído da cama de manhã...

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