segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Barriga cheia!



Que bem que me soube ir a um museu. Juro que só saí de lá quando me senti cheia! Já sentia falta de um pouco de história, cultura, beleza, arte... entrei vazia, saí cheia, como quem está com fome e através de alimentos, enche o estômago. 

Não planeei, simplesmente passei perto e entrei. 

E por isso pude ver objectos, quadros, gravuras bem de perto. Algumas sem cordas de separação, sem caixas em vidro, sem um "fosso" a separar a pessoa do objecto de arte. Detalhe que muito me agradou. É assim que devia ser sempre. Respeito e confiança. Eu vou ali ver, não roubar. E quase todas as obras estavam ao alcance da mão. Podia tocá-las, chegar bem perto e ver bem, pegar, tirar do lugar... facilmente. Mas não é isso que é suposto fazermos e acreditem, gosto assim. Gosto que se assuma que as pessoas respeitam as obras e se insista em disponibilizar cultura da forma como ela é suposta ser. Ter tudo enfiado em caixas com alarmes, protecções, fechaduras... Irra! Só se o objecto em causa necessitar por motivos de integridade. Não por poder ser roubado, porque isso altera o usufruto que se retira da arte. A experiência, o resultado, a emoção... fica mais frio e institucional. Afinal, quem quer roubar, rouba de qualquer maneira. Não foi há relativamente pouco tempo que "desapareceu" do Museu da República uns objectos extremamente valiosos*/**? Já visitei esse museu - que adorei, mas cujos elementos estavam todos mais que fechados e protegidos em redomas e estantes em vidro, com alarmes e fechaduras. Até os quadros, erguidos a uns três ou cinco metros de altura, bem no alto das cabeças, bem "indisponíveis". Poderiam ser vistos mais de perto no nível acima, mas ainda assim, somente ao de longe. Nenhum detalhe podia ser observado por a distância não o permitir. Não se usufrui da mesma maneira de arte quando assim é. 


Este onde fui é diferente. Quadros ao nível da vista, na parede, podendo ser tocados. Confesso que, por um lado, senti alguma apreensão por algumas obras ali expostas. Mas somente por desconhecer se a sua integridade estava em risco por estarem expostos numa sala de temperatura controlável por meios tradicionais (janelas fechadas ou abertas), onde a respiração e a humidade eram factores variáveis e o uso de flash fotográfico assim como o contacto com o ar pudesse alterar as tintas das obras. 

Mas estar perto de originais é... outra coisa. Penso que eram todos originais, e não réplicas como tanta vez se usa, sem que o público saiba que o artista criador jamais chegou perto daquele objecto. Proporcionou-me o tipo de experiência que pretendia ter. Tomara que esta raridade não desapareça. Até em museus de pequenos lugares do interior de Portugal, já se vê tudo enfiado em redomas de vidro e sistemas de segurança. Prefiro entrar num palácio - por si só um museu ao vivo, e apreciar a "decoração", o mobiliário, os quadros, o soalho, os baluartes e lustres... como uma casa, um palacete habitável. 

E foi essa a experiência que tive. Pude estar perto de quadros e tocar neles se não soubesse que fui ali ver - não tocar. Mas estavam ali e podiam ser tocados. A maior "ousadia" foi pousar o telemóvel para ajustar uma parte que se estava a soltar no tampo em mármore de uma cómoda do século XVIII... que em tudo se parecia com um móvel belo mas comum de se ver em casas e apartamentos até os anos 90, antes dos IKEA invadirem o mercado de consumo e todo o mobiliário antigo que as pessoas possuíam com história (e carácter) virasse obsoleto. 

Pude chegar perto e tocar, ao de leve e muito respeitosamente, no piano onde alegadamente em 1890 foi composta a música «A Portuguesa», hoje conhecida como o Hino de Portugal. 


Uma tampa transparente em plástico, para proteger as frágeis teclas, era a protecção que o piano exibia. Discreta e que em nada influenciava a peça em si. Pelo contrário: realçava-a. Ao invés de se ter um piano com tampo fechado, ele parecia resplandecer e fazer imaginar as músicas ali tocadas, as partituras ali escritas e guardadas.  Pareceu-me que a protecção plástica nas teclas podia ser facilmente removida, sem alarmes. E porque haveria de existir alarmes? Nem deviamos esperar tal coisa. Isso seria partir do pressuposto que as pessoas são todas uns vândalos ao invés de entrarem ali com o propósito de encontrar história, cultura, arte e, tal como me aconteceu, encherem a alma.



*Foi em 2016 que se deram uns furtos suspeitos - que levou à apreensão do director do Museu. Claro, quem rouba assim só pode ter conhecimento interno da matéria. Não é um Zé qualquer que o faz... E isto leva-me a outro tipo de conclusão: É o ladrão que protege o seu espólio. Um museu com peças "trancadas" a sete chaves e indisponíveis à vista aproximada é gerido ou é propriedade de... gatuno. Um museu aberto, com peças à vista e do toque, é mantido por um filantropo, com autêntico amor pela arte. ** Afinal já vão DOIS roubos no museu da PR.... o segundo foi em Julho deste ano. Desapareceu uma medalha em ouro. Coisa que era só chegar perto e pegar, tenho a certeza... lol. 

3 comentários:

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