sexta-feira, 22 de abril de 2016

O comentário que despoletou reflexões


Uma mãe de quatro filhos, o mais velho com cinco anos, foi presa sentenciada a vida perpétua atrás das grades, por ter sido considerada responsável pelo falecimento de uma quinta criança, de quatro anos, que estava a querer adoptar. 

O menino, filho biológico de drogados, já havia andado por outros lares no sistema de adopção "experimente e se não estiver satisfeito, devolva" que os americanos têm. Por isso exibia comportamentos típicos de crianças sem raízes e afetos. Fazia birras, por vezes era agressivo - o natural. Mas esta criança também apresentava um atraso no crescimento, nas capacidades cognitivas e no comportamento. Não sei até que ponto o facto de ter sido concebido e desenvolvido exposto a substâncias ilícitas duras veio a influenciar mas ele também exibia um comportamento estranho: Tudo o que via, metia à boca e comia. 

Menina com PICA come carpete

Na América a sigla para esta desordem é PICA. Muitas pessoas sofrem deste mal, umas comem vidro, lâmpadas, pedras, papel higiénico, areia, paus, cabelos... a lista é infindável. Julgo que são comportamentos ligados à ansiedade mas ainda se está por saber se terá também algum factor biológico, como a falta de algum nutriente.

Ora, esta família precisava estar sempre a supervisionar a criança, pois além de qualquer coisa lhe servir para enfiar pela boca, não se saciava nunca. Nunca parava de comer. Comia até vomitar, se acaso lhe deixassem. Ficava tão cheio que tinha de vomitar por não ter mais espaço para armazenar coisas. Mas a compulsividade de ingeri-las não cessava com o estômago cheio.

Casos reportados da desordem PICA pelo mundo
(a página foi bloqueada pelo anti-virus acusada de piching
pelo que não sei a origem destes dados
)

Numa ocasião esta mãe necessitou de uma recuperação e decidiu, por segurança, instalar uma câmara de vigilância no quarto do filho adoptivo para poder tomar melhor conta dele e certificar-se que não ficaria em risco. Acho normal. Afinal, existem os baby-monitors, que transmitem audio, ela só fez um upgrade, de resto já muito usado nas creches para que os pais no emprego possam ver os seus filhos.

Um dia ela distrai-se diz que por uns segundos e reparou que a criança estava diferente. Desconfiou que ela tinha vindo da dispensa mas não viu nada de mais. Rapidamente a criança começou a dizer que sentia frio e vomitou. Normal. Crianças têm estes sintomas. Mas o quadro rapidamente piorou e no espaço de horas levaram-na ao hospital. Onde veio a falecer. As análises ao sangue determinaram que os níveis de sódio (sal) estavam elevadíssimos. 

Pedaço de pedra retirado do estômago de paciente com PICA
Ela e o marido foram imediatamente proibidos de ver a criança e tornaram-se suspeitos de morte intencional. O resultado da investigação já contei: a mãe foi presa por suspeita de ter causado a morte - se não por oferecer fonte de sódio à criança, por não ter de imediato chamado uma ambulância. Mas a questão é: porque haveria ela de chamar o 112 por sintomas tão comuns que não indicam perigo de vida? É que nem os médicos perceberam o que estava mal. Tanto foi que lhe administraram uma solução de sódio! Exatamente o veneno que o estava a matar.

Adiante que esta história vai mais longe. Enquanto estava a ser julgada ela soube estar grávida, deu à luz uma menina. O seu sexto filho - como veio a dizer. E depois continuou presa. Para toda a vida. 


Sete anos se passaram e novos factos vieram "a lume". O pediatra que acompanhava o menino disse ter contado uma versão diferente à acusação e à defesa, mas estes não o chamaram a depor. O mesmo aconteceu para um especialista em morte e envenenamento por sódio. Este veio depois a afirmar que dificilmente o resultado seria outro, pois é tão raro alguém envenenar-se com sódio que nem os médicos esperam um quadro desses. E por muitos procedimentos que pudessem fazer, o resultado com certeza seria a morte.


Eu achei esta parte assustadora! Não sabia que o sal mata - mas mata mesmo! Andam por aí assassinos a comprar arsénico e outros venenos para o sal - uma coisa que existe em todas as dispensas e todas as cozinhas, ser tão eficiente!!

Assusta, não é?
Mas a realidade é que a criança, que sofria de PICA, muito provavelmente ingeriu uma quantidade exagerada de sal e condenou-se. A mãe foi considerada culpada, mas provas que são boas - provas de negligência, de que foi ela a dar o sal, que fingiu não ver, que não chamou uma ambulância porque o queria morto - tudo isto que foi alegado e que foi suficiente para a condenar, não foi comprovado.

Foi um caso muito mal defendido. E uma mulher com probabilidades de ser inocente e tantos filhos para criar, foi condenada a uma vida atrás das grades. Marido e filhos condenados juntos.


Sete anos depois, com estes novos depoimentos, o Estado do Texas anulou a condenação e ela foi posta em liberdade. Pode abraçar pela primeira vez a bebé que deu à luz, agora com sete anos. E o filho que na altura tinha cinco, pode, aos 12, voltar a sentir o abraço da mãe. Fora os do meio... Uma história deveras triste. E mais triste ainda foi saber que a acusação não ia desistir da acusação de homicídio e pretendia levar o caso novamente a tribunal!!

Mas por mais espantoso e revoltante que esta história possa parecer, pior foi ler os comentários deixados no vídeo deste programa. O primeiro foi o que despoletou uma série de reflexões em mim.

Dizia mais ou menos assim: "Assassinou o filho adoptivo e é posta em liberdade.... Apelo à rebelião.... Eu, cidadão refugiado". 

O indivíduo que colocou este comentário auto proclama-se "Cidadão «Vingador» contra a Tirania" - é este o seu nome. O link para o seu «cantinho virtual» youtubiano pode ser visto aqui nesta imagem, onde ele se descreve.

Tem alguns vídeos de segundos postados, não os fui ver, mas prestei atenção aos títulos e descrições. Temas como ateísmo, racismo, "os brancos são pessoas geneticamente defeituosas" e outros títulos. 


Numa primeira impressão fiquei a pensar: Este indivíduo será mesmo um refugiado? Depois pensei: Deve ser alguém a fazer-se passar por refugiado para meter mais lenha na fogueira e atear ódios para com os refugiados.

Seja com qual a verdade, muitos outros comentários que se seguiam partilhavam uma cartilha semelhante. Ela era culpada, ela era assassina, aquilo eram lágrimas de crocodilo, sonsa cristã, jamais devia ser solta, etc.

Se consumir sal, prefira o marinho
Fiquei em choque. Embora de facto a 100% ninguém possa afirmar que esta mulher não deu sal para a criança comer, é altamente improvável tê-lo feito. Acho de um terrorismo tremendo, após todos os factos, após se confirmar que a criança sofria de PICA, de se ver como esta mulher era cuidadosa, como eles viviam, a tolerância que tinham, a vontade de criar uma família grande... a falta que ela fazia àquelas crianças privadas de mãe, um pai privado de esposa... Que tantos preferissem metê-la de volta na cadeia a deixá-la ser livre! 

Entre tantos assassinos, violadores, pedofilos em série, tantas pessoas que são indiscutivelmente um risco para a sociedade, para qualquer indivíduo, é esta mãe o tipo de ameaça que querem colocar para sempre na prisão? 


E isto trouxe também à memória o recente caso do tribunal Norueguês dar razão a um assassino em série, responsável pela morte a sangue frio de 77 jovens encurralados numa ilha, no seu direito de manter contacto com os seus simpatizantes, ó sei lá o quê! Direito? Será que não estamos a esticar a corda no que respeita a direitos para indivíduos que cometem actos tão hediondos?? E é uma mãe de cinco que querem colocar na cadeia??

Quase que retira a fé na natureza humana!

Mas depois li mais comentários, até em maioria, e estes restauraram a minha fé na humanidade. Existem sempre alguns estúpidos, mas entre esses aparecem pessoas sensatas. Mais abaixo uma mulher, toda vestida com trajes islâmicos, defende que o Estado devia indemnizar a família e deixá-los viver em paz. Nada daquele espezinhar da mulher, nada de atirar «pedras», como me pareceu ser o caso do primeiro comentário, o do «refugiado». Mas que serviu para me colocar a pensar "o que pensaria um refugiado? O que faria um refugiado?".

Compulsão para ingestão de terra

Outros comentários sensatos surgiram. "Eu também fui adoptada por um tempo e vi muitas crianças a agir assim, é normal"; "Um primo meu tem PICA e ele come mesmo tudo, não é possível estar sempre a vigiar, e meus tios só o têm a ele como filho", "O sistema judicial americano no seu exemplo mais avassalador de condenar a todo o custo não importando a informação que venha ao de cima"; "Nem devia ter passado um único dia na prisão, a justiça americana é uma piada!".

Sim, a fé na humanidade está restaurada. A fé na justiça é que fica um pouco abalada...



12 comentários:

  1. São situações assustadoras e critérios incompreensíveis.
    Condenar aquela mãe é revoltante.
    Tanto quanto o é passar a mão pelo pêlo ao assassino norueguês.
    Bfds

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    1. Quando a liberdade é ameaçada pelas próprias leis dessa liberdade, deixa de ser liberdade. Passa a ser marioneta.

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  2. A fé na humanidade segue em sentido inverso à fé na justiça.
    Tudo isto nos dá que pensar.

    Bom fim de semana, Portuguesinha.

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    1. Bastante, Observador.
      Eu, 100% contra a pena de morte, mesmo tendo visto horríveis casos criminais, pergunto-me se este extremo gesto de humanidade de respeito pela vida - qualquer uma - não estará a ser prejudicial. Poupar a vida a assassinos em série assumidíssimos e sem remorsos, que garantem desejar repetir tudo de novo- como no caso deste norueguês. Por vezes tenho minhas dúvidas. Será que a pena capital dissuade alguém de cometer crimes capitais? Acho que não. Mas se calhar sim! Enfim...

      Li que um humorística Alemão, na alemanha, fez uma piada com o presidente Turco. E por causa de uma lei não-sei-do-quê que diz não se poder insultar chefes de estado estrangeiros, o programa terminou e o humorista está a ser processado. Lol. É humorista! É seu dever procurar humor em tudo e todos! Está a ser processado porque um tipo doente qualquer desenterrou uma lei do tempo das cavernas para prejudicar um indivíduo que lhe arranhou o ego... bem longe, noutro país. É de uma intolerância extrema e de uma intrusão e megalomania tremenda. Se a Europa livre permite este tipo de coisa - ainda que seja «politiquice», vai acabar com o pescoço no cebo e arrisca-se a ficar sem a cabeça à machadada.

      E nisto fiquei a pensar na "filosofia" do Trump - extremista mais para o radical - e ficam as dúvidas... Deve-se combater extremismo com um certo extremismo? Continuar a ser "bonzinho" cheio de manhas e políticas de boa vizinhança?

      Acho que vêm aí tempos de mudança. Assim que se souber quem foi o presidente eleito nos EUA. E «cheira-me» que será o Trump.

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    2. Não será Trump!

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  3. Nunca se sabe o que aconteceu de verdade mas se a criança comia de tudo, podia perfeitamente comer sal. Provavelmente se os pais eram toxicodependentes, a criança tinha algum problema relacionado com a abstinência.
    Agora, será mesmo que a mulher era inocente? Vamos acreditar que sim, até porque quando ela adoptou, devia saber do passado da criança e comer tudo o que lhe aparece à frente não me parece motivo para matar alguém.
    Os anos que passou presa nunca mais serão recuperados mas agora é tempo de seguir em frente e aproveitar cada minuto com os filhos.

    Sim, o sal mata. Não é por acaso que metade (segundo dizem) da população portuguesa é hipertensa devido ao consumo excessivo de sal. E também não é por acaso que existem números pavorosos de AVC's e doenças do coração por causa do sal.
    É preciso controlar o que comemos e sem excessos.

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    1. Eu sabia que fazia mal comer em excesso.. mas não sabia que era tão eficiente e mortal, capaz de matar de vez! Não tinha associado. Mas sim, claro, por aquilo que se aprende na escola muito lá atrás.... Ainda bem que não se fala muito disto. Desconfio que poderá levar muita gente a salgar as comidas por aí só para ver se «apressa» a partida a alguém, lol.

      Nunca gostei muito de sal mas, claro, uso-o nos cozinhados. Embora também goste de não usar. Quando como algo com excesso de sal - batatas fritas no macdonalds por exemplo - aquilo é veneno lol.

      Ninguém diagnosticou a criança com PICA até ter sido tarde demais. Perceberam depois.

      Bom FDS!

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  4. São casos, de facto, assustadores...mas assustadores são também os comentários de muitos anormais que leêm as notícias.

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  5. Estive aqui ontem, li todo o post mas porque entretanto tinha uma chamada e estive um bom pedaço ao telefone acabei não comentando.
    A leviandade com que certa gente critica, sem se preocupar em saber mais sobre o assunto, assusta-me tanto como a justiça cega, que não é só no EU, mas que se vê por todo o lado.
    Abraço e bom fim de semana

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  6. É por estas e por outras que o mundo caminha para os extremismos. Já que falamos na natureza humana, então não é que próprio Jesus Cristo foi um extremista? Assim sendo...

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  7. Não sabia que o sal podia matar.
    Parece ser um caso triste e muito injusto, espero que a haver novo julgamento e estando ela inocente não a vão condenar de novo.

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