quinta-feira, 14 de abril de 2016

Say it to my face - Diz-mo na cara!


Lembram-se de um post que fiz sobre o suicídio? A ideia que nele quis passar é que ninguém está inocente de responsabilidade. É ao mesmo tempo um acto de coragem e de cobardia, cuja derradeira responsabilidade cabe ao autor, mas cuja causa também pode e deve ser dividida por todos os que cruzaram vidas com ele.


Volto a este tema depois de ver uma série de casos impressionantes de injustiça, todos com situações trágicas e mesmo fatais. 
Preocupa-me muito para onde a sociedade está a evoluir. O que vejo preocupa-me. Ao invés de estarmos a caminhar para entendimentos e ausência de equívocos, parece que os alimentamos. 


O BOATO

Este é o tema que hoje quero abordar.
Fui apresentada às consequências dele muito cedo. Ainda era criança quando espalharam mentiras terríveis a meu respeito. Como eu soube? Não soube, Durante muito tempo só senti. As pessoas mudaram a atitude delas comigo. Eu chegava perto para conversar, para brincar, e elas afastavam-se. Outras vezes olhavam-me e começavam aos segredinhos. A minha vida nunca mais foi a mesma. Acabei por me retrair um pouco. Vim a saber do que se tratava um ano e pouco mais tarde, quando um grupo de crianças fez-me uma "espera" para me encher de insultos e ameaças. Nunca fui covarde, ainda hoje não sei bem o que isso é. Pelo que fiquei ali a tentar esclarecer a situação porque nem estava a entender de onde vinha tudo aquilo. Já havia notado animosidade, má vontade, implicação. Mas não existindo razões para isso, relevei e achei que era mau feitio. Nessa espera onde estava tão em desvantagem numérica, triunfei. Quem não tem o que temer não treme de medo. Ouvi muitos absurdos, escutei ofensas e palavrões que até desconhecia. Até que uma revelou que estavam ali para acertar contas comigo por eu as ter denunciado de terem feito batota num teste. E queriam vingar-se. "Quem disse tal coisa?" - perguntei. "Não vamos dizer porque ele (já sabia o género) pediu para não dizermos porque tem medo que lhe batas". "Eu?! Isso é mentira!" "Não é não, que ele nos disse que já lhe bateste!" "Então se é verdade, ele que o diga na minha cara, quero ver se tem coragem!". Não teve. Meteu a cauda ainda mais entre as pernas e fugiu. 

Depois a turma de «linchamento» dispersou e foi então que comecei a escutar o motivo... Parece que eu tinha o que hoje se chama de stalker. Um rapaz obcecado que, não conseguindo os seus intentos de obter a minha atenção total e absoluta, decorreu à difamação do carácter e alienação de oportunidades de relacionamentos de amizade. 
Foi um caso destes que vi agora, entre adultos, mas adaptado aos tempos modernos. Dou «graças a deus» por ao menos a minha experiência ocorrer tão cedo que ainda não existiam estas modernidades da internet para facilitar a vida a estas pessoas que, pelos vistos, já nascem doentes ou começam a manifestar a doença em jovem idade. 

No caso que vi, a vítima era um homem adulto, trabalhador, com dois filhos, separado e noivo de uma jovem. Estava a ser difamado num site na internet. O que ele sentiu foi as pessoas a ficarem estranhas com ele, começou a perder clientes até que foi demitido. Demitido depois de uma catástrofe pessoal: a noiva foi assassinada. Os boatos insinuavam que ele podia ter alguma coisa a ver com a morte dela. (que maldade!!). Contaram que era drogado, que já havia estado em várias clínicas de reabilitação, que era um tarado sexual. Isto não se faz! Ainda que alguma coisa menos grave fosse verdade, não é necessariamente motivo para descriminação. Mas as pessoas engolirem estas tretas sobre um indivíduo local que conhecem há anos e do qual não têm razão de queixa é que me desilude tremendamente. Vá que existem casos assim, de indivíduos aparentemente bons que se descobrem perigosos. Mas geralmente esses são exageradamente amados por muitos e silenciosamente mal vistos por poucos. O que condeno é que não tenha existido uma alminha que se dignificasse a revelar ao senhor o que se estava a passar. Ele só veio a descobrir por ter sido destratado pela família da noiva durante o funeral.

Acabou por ter de se mudar para outra cidade, com os filhos. Ficou provado que o assassinato foi cometido pelo ex-marido, provavelmente irritado por a ex estar a construir a vida ao lado de outra pessoa. Portanto, este homem estava a viver uma tragédia pessoal tremenda e a ser bombardeado por todos os lados. E não sabia porquê! Ninguém lhe contou nada. A ele, que nunca fez mal a ninguém. Quem lhe desejava tanto mal? Mas a internet deixa pegadas...E num momento em que estava deprimido a contemplar o suicídio, acabou por encontrar um homem das leis disposto a lutar por justiça. Sozinho, este justiceiro solitário que fala na cara das pessoas lá descobriu os sites, investigou, conseguiu um IP e localizou o difamador: uma mulher cujo nome nem dizia nada à vítima! A psicopata (porque era) não se demoveu. Ela tinha razão. Tudo mentira, mas ela é que estava certa. Inventou que ele roçou nela e era um pervertido. Mas cá para mim ela estava obcecada por um homem que nunca lhe olhou duas vezes. E o resto é doença mental e muita, muita malícia e cobardia.


Infelizmente ao longo da vida senti mais vezes este tipo de atitudes de exclusão e mudança de comportamento que este homem à beira do suicídio também sentiu. A última vez foi à coisa de dois anos. Senti pessoas a olhar de lado, a poupar nas palavras, a mudar a atitude, até mesmo quem não me conhecia de todo a fugir e a mandar indirectas. Isto aconteceu depois de me ver alvo de uma animosidade sem fundamento num grupo no facebook. O que fiz? Na primeira oportunidade perguntei o que se passava. "Ah, nada, nada. Foi um engano, já percebi". Pois. Mas engano ou não, eu não percebi nada, o mal estava feito e perpetuado. Até hoje não sei a razão de alguns desses comportamentos que pontualmente ocorreram. E tem alturas em que a imaginação corre solta. Tem dias em que a lembrança atormenta, corrói. A intuição diz muita coisa mas não prova nada. Fica o tormento, a tortura de não saber. 

As pessoas que espalham vis mentiras são criminosas e reles como indivíduos, mas aquelas que vão atrás e escolhem acreditar não são melhores. Defendo que devia existir uma lei que responsabilizasse estas pessoas que agem discriminadamente com base em boatos. Mas têm o quê? Doze anos??

Era essa a idade que tinha no caso que relatei e ainda assim existiram pessoas, poucas mas boas, que vieram ter comigo para me transmitir apoio e contar da obsessão daquele indivíduo. "Parecia doente", "Não se calava", "Só sabia dizer que se ia vingar de ti". Mas hoje? Hoje ninguém diz nada na cara da outra pessoa. A não ser para insultar, claro. De preferência em matilha, tal como na «espera»... Ninguém a avisa, a alerta para uma situação injusta. Calam-se. Em conivência silenciosa. Já não se procura o esclarecimento e, principalmente, ninguém se rectifica. No meu caso, um ano depois, uma delas teve coragem e, inesperadamente, pediu-me desculpa, disse-me que há muito que vinha a desejar fazê-lo, que se arrependeu e percebeu que não devia ter feito o que fez. Não acreditava em nada. Até hoje interpreto isso como uma atitude digna e necessária.

Se amanhã cometer suicídio, quem garante a estas pessoas que uma parcela do que me levou a fazê-lo não reside nestas suas atitudes? É aqui que quero chegar


Impune ninguém está. Por isso peço a quem me lê que não compactue com intentos maliciosos como os boatos... Não descrimine ninguém. Não vire a cara. Por mais que simpatize com a pessoa que lhe conta os «podres», desconfie sempre, dê o benefício da dúvida. Confronte o acusado, ele merece estar a par do que lhe está a ser feito. Todas as pessoas merecem ser escutadas antes de descriminadas por atos de fundamento distorcido, descontextualizado ou que estão longe de ter cometido ou de vir a cometer. Telefone ou entre em contacto com alguém a quem deixou passar essa oportunidade. É para isso que estamos nesta vida!

E já agora. atenção ao espalhar de boatos cibernéticos via partilha de informação e likes. Quase tudo é falso e tem um propósito malicioso.


Character Assassination = Crime

4 comentários:

  1. Nunca passei por nada parecido, também não conheço ninguém que tenha passado por isso. Percebo que deve ser uma situação muito traumatizante.
    Abraço

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    1. Obrigada pelo comentário, Elvira.
      A sério que o tema lhe é desconhecido? Fico ao mesmo tempo surpresa (mas nem tanto) e agradada. Por toda a parte onde vá oiço tantas pessoas a se queixarem disso. Difamação, bulling... Principalmente as gerações mais novas. Acho que tudo tem muito a ver com a geração, na realidade.

      Cada qual é apresentada a um conjunto de valores e comportamentos diferentes. Então certas possibilidades são mais ou menos possíveis de acontecer conforme a sociedade dá ou não abertura para que sejam recorrentes.

      No seu tempo de juventude imagino eu que também devia existir quem gostasse de inventar histórias da vida alheia... Mas ao mesmo tempo julgo que a consciência e o sentido de comportamento variava muito do comportamento desta geração de adultos de reality shows cheios de barracos, mentiras e agressões e televisão com programação generalista que glorifica comportamentos criminosos e atitudes agressivas. Esta sociedade exibe estes comportamentos que as pessoas assimilam como naturais e apreciam a impunidade de tantas más acções.

      Abraço :)

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  2. Mais um post daqueles que sobressaem pela qualidade.
    Parabéns pela forma como explanas estas temáticas presente a cada esquina.

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    1. Obrigada por comentar. Não mereço esses elogios mas fico feliz se a mensagem que tentei passar teve impacto ou é compreendida :) Obrigada.

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