Quando fui ao Porto fiquei hospedada numa pousada(?) dirigida por uma senhora simpática, que tinha na voz uma entoação que achei curiosa. Por isso perguntei-lhe se era ali da zona. Não nasceu em Portugal. Não recordo agora o país onde disse ter nascido, mas sei que já vivia neste há uns 40.
Horas depois oiço a porta do quarto frente àquele no qual estava, abrir para um novo hóspede, ali conduzido pela mesma senhora afável. Ela pergunta-lhe o mesmo que perguntou a mim, desta forma: "O senhor vem de Lisboa?". E ele responde:
-"Sim venho de Lisboa, vivo lá"."Mas sou aqui do Porto! É daqui que eu sou".
-"Ah" - diz a senhora. "Não é por nada mas isto aqui é melhor que lá em baixo".
E depois ficam ali numa alongada troca de ideias, não maliciosas, sobre a forma de receber e de estar do Porto e as de lá "de baixo", concluindo que eles ali sabiam receber melhor e em Lisboa as pessoas eram «diferentes».
Achei curioso "tropeçar" assim do nada com esta muita falada «rivalidade» entre um ponto do país e outro. Nem sei se posso chamar-lhe assim, mas fui um nadita de nada exposta à superfície dessas ideias.
Antes de partir, entrei num café franchising e dirigi-me para a caixa, onde duas mulheres estavam a ser atendidas na compra de uns bolos de aniversário. Existiam também duas empregadas atrás do balcão. As duas clientes estavam a terminar de ser atendidas e quando vejo a segunda funcionária dirigir-se para a frente do balcão diversificado em bolos, salgados e sandes, vou para lhe falar: "Bom dia, queria...." mas esta dirige-se às duas mulheres que já estavam a ser atendidas. Que ficaram atrapalhadas. E assim foi informada pela colega:
-"Já estou a atender estas senhoras".
Naturalmente deduzo que vai virar-se para mim, ali ao lado das clientes. Mas sai do balcão e ignora-me. Não acho normal mas não dou importância. Fico a torcer para ser atendida pela empregada que parece ter paciência e simpatia para as conhecidas clientes dos bolos de anos. Entra mais alguém no café e fica atrás de mim. A empregada fujona regressa e dispara:
-"Quem está a seguir?" - e sem sequer me olhar na cara, olhando por cima da minha cabeça mas sabendo que eu estou ali à alguns minutos porque não é cega, vira-se para a mulher atrás de mim e começa a atendê-la.
Achei rude, mas descartei a hipótese de qualquer má intenção. Talvez tivesse num mau dia. Talvez até fosse uma distracção ou estivesse de implicância com a outra colega. E ali fiquei «pendurada», agora realmente à espera que as clientes indecisas do bolo de aniversário se despachassem para poder pedir o meu hamburger. Ao menos a rapariga que as atendia parecia cordial e paciente. As indecisas não se despacham mas a funcionária que me ignorou sim. Empata-se mais um bocadinho de costas para o balcão até que ao virar-se para a frente, comunico-lhe:
"Bom dia, quanto custa o hamburguer?"
- "Tudo um euro. O que é que quer?"
-"Quero um hamburguer" - digo com simpatia. Depois acrescento uma observação qualquer a respeito de me sentir melhor comendo isso a bolos, que tinham bom aspeto, ou algo assim do género e estava a ser simpática. Mas a jovem rapariga atrás do balcão continuou uma pedra de gelo que nem contacto visual fez comigo.
Agradeço-lhe novamente. -"Obrigada". Não me responde e vira a cara, o corpo, para fazer outra coisa qualquer. Tinha pago o hamburguer, agarrei-o da bancada onde foi colocado com alguma brusquidão dentro do saco de papel que pedi "para levar", mas acabei por sentar-me numa mesa para o degustar tranquilamente. Estava a chover a potes lá fora!!
Sento-me e logo reparo numa mesa vazia, só com chávenas de café sujas, com um lenço de senhora em cima da cadeira. E penso: "Alguém deve ter-se esquecido disto aqui". "Se avisar uma empregada, pode ser que a pessoa ainda esteja aqui e o recupere". E vai que tento chamar a rapariga, a mesma que me «atendeu», que está agora a passar um pano no tampo de algumas mesas. "Olhe, desculpe... " "Se faz favor..." - Nada. Continua com o mesmo problema de audição que demonstrou ter de início.
Insisto: "Desculpe, acho que alguém esqueceu aqui este lenço". Ela olha pela primeira vez nos meus olhos, mas não diz nada e vira-se para o lenço. Algo realmente frio e aparentemente intencionalmente discriminatório emana do atendimento desta rapariga. Ela avança para puxar o lenço da cadeira - sem nada me dizer mas aí um rapaz diz que o lenço lhe pertence. Ora, eu já havia reparado no rapaz, sozinho sentado noutra mesa. Pareceu estar ali a observar os outros ou a fazer tempo, sem propósito e sem consumo. Até me ocorreu que, se não dissesse que o lenço estava ali este podia levá-lo, pois parecia agir algo estranho. Um lenço feminino pertencente a um homem? Jamais me ocorreria tal coisa, mas tudo bem e, com simpatia, olhei para o homem e disse:
-"Ah, desculpe, como não vi ninguém aqui pensei que tinha sido esquecido".
E não dei muita mais conversa, limitei-me a, finalmente, começar a saborear o meu hamburguer com tranquilidade e em sossego. Não era um bom hamburguer - longe disso, mas deu para encher o estômago.
Depois saí. Mas devido à chuva, ainda me alonguei na porta, que tinha uma área pequena e isolada. Ajeitei bem as coisas que carregava, cobrir-me com o capuz e fechei bem o impermeável.
Estava quase para voltar para dentro porque ocorreu-me comprar algo para consumir durante a longa viagem de regresso. Mas ao virar-me para o interior, subitamente senti que não era bem vinda ali. Que me queriam na rua. Senti-me mal atendida. E arrependi-me de não ter dito à rapariga: "Desculpe, eu estou aqui" quando me ignorou e se virou para clientes que já sabia estarem a receber atendimento. Ou ter-lhe dito "Olhe que sorrir não dói" quando lhe estava a ser cordial e mostrou-se antipática.
Conclui que este tipo de pessoas não se limitam a sugar as boas energias, são também venenosas. Caso contrário não estaria um ano depois, a lembrar-me dela. O melhor a fazer é chamar logo a atenção da pessoa. Se existir confronto, uma troca infeliz de palavras, deve ser melhor do que sentir a má vontade e nada dizer. O veneno que estas pessoas emanam acaba por contaminar.
Se for verdade que o povo do Porto é mais simpático no atendimento, esta rapariga deitou tudo por terra. E foi com esta última impressão que abandonei a cidade. Posso dizer que a senhora da pousada foi simpática, mas também tinha esse interesse, né? Simpatia sem interesse, só o de uma jovem caixa de supermercado, que prestou um atendimento sorridente, atencioso e bem disposto. Saí dali a desejar muita sorte e fortuna àquela jovem rapariga simpática e que estava a esperar um filho.
E nestas recordações comecei a refletir nisto de se insistir em separar e avaliar o carácter das pessoas pela região... Algo que abomino. Já me senti descriminada por ser de Lisboa. Quando fui estudar fora da cidade. Uns foram antipáticos sem motivo, outros simpáticos, ambos com ideias préconcebidas das «boas» oportunidades de vida em Lisboa. Passados todos estes anos posso dizer que foi legítimo, existiu realmente uma discriminação. Que me apanhou de surpresa, que me apresentou a algo que desconhecia, por não praticar: o preconceito.
Gosto de pessoas porém sou algo distraída, nessa distracção incluo regionalismos e sotaques. Posso estar a falar com alguém e não dar conta, não identificar nada de diferente. Meu avô nasceu no Porto. Aliás, praticamente toda a família veio do Norte. Sempre o ouvi falar comigo aqui em Lisboa e nunca achei o seu falar diferente do meu falar. Ele dizia bassoura e eu dizia vassoura. Só isso. Talvez tenha percebido melhor o quanto gostava da forma como falava e porquê, depois que se foi. Porque ficou a saudade. Cada vez que oiço alguém falar igual a ele, e digo isto não só nas palavras, mas no jeito de se expressar, na construção de ideias, o meu coração enche-se de carinho.
E foi assim que me emocionei com o testemunho ocular de um senhor na televisão, aquando um tiroteio num hostel no Porto, em Janeiro. Ai Jesus, que ele a falar parecia tal e qual o meu avô! Nem todos parecem mas há algo na educação que uma certa geração recebeu que ficou-lhes nas palavras, nos gestos, na entoação, e me é familiar.
Meu avô jamais teria entrado naquele café, sentido o que eu senti e deixar a coisa ficar como ficaram. Ia dar uma lição de humildade e boa educação ao mal educado que não soubesse fazer o seu trabalho. Era bem capaz de dizer umas curtas verdades, deixar o outro encurralado sem argumentos e dizer: "Não bolto mais aqui!".
Fiquei a pensar na senhora da hospedaria, que se sentia tão pertencente àquela cidade, porém tinha todas as suas raízes num outro país. Do rapaz que vivia e trabalhava em Lisboa mas que fez questão de se diferenciar como nascido ali. E eu... que conheci pouco sem ser esta cidade onde nasci (e mal, ainda por cima) e no entanto tenho todas as raízes no Porto, em Viseu, em Castelo Branco, Amarante... locais onde os meus viveram por anos e cuja genética carrego. Mais que Lisboeta, Portista, o que for, sinto-me portuguesa. Sinto-me portuguesinha - só mais uma entre muitos.
O preconceito está em todo o lado mas isto de preconceito por causa das regiões de onde somos é a coisa mais parva que pode existir. Então não estamos todos em Portugal? Que diferença faz o sotaque ou a zona?
ResponderEliminarA semana passada vi um blog aparentemente divertido. O primeiro texto até era engraçado mas como sou curiosa, decidi ler mais uns posts quando vi uma coisa pavorosa: o dono do blog dizia que não gostava da Madeira nem dos madeirenses porque não entendia nada do que diziam e eram pobres. E eu fiquei chocada. Ainda pensei responder-lhe mas vi que não valia a pena o trabalho. Preconceito responde-se com indiferença.
Até eu fiquei com vontade de ir a esse estabelecimento descompor essa rapariga! Que falta de educação!
ResponderEliminarMas realmente, às vezes mais vale virar costas e não perder mais tempo e boa disposição com quem não merece.
O preconceito existe em qualquer lado. Graças a Deus não tenho razão de queixa, durante anos fui ao Porto todos os anos, pois a empresa em que trabalha sempre expunha na Exponor, ficava no Porto durante o tempo que durava a exposição e nunca tive razão de queixa, como não tive noutros sítios por onde tenho andado, o que não quer dizer que não saiba que existe. Já tenho observado pessoas que descriminam outras e como dizia minha avó cesteiro que faz um cesto, faz um cento desde que lhe dêem tempo.
ResponderEliminarUm abraço