quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

O serviço de Saúde ao fim-de-semana

Quando concluí o post anterior e o terminei de ler, algo se destacou. A expressão "fim-de-semana". 
Fim-de-Semana... e a sua conotação negativa no contexto dos cuidados de saúde.
Onde é que isso me dizia algo?

Meu avô s
entiu-se mal na noite de uma quinta para uma sexta-feira e faleceu nessa madrugada. Faz pouco mais de 10 anos. Morreu ao dar entrada no hospital. 

Perguntaram à família se queriam que fosse realizada uma autópsia para confirmar a causa de morte. A resposta foi não. Voltaram a perguntar, mas pela positiva: "Vai realizar a autópsia"?. Respondeu-se «não». Mais duas ou três frases, e a pessoa volta a dizer que o corpo vai ser autopsiado. Aí já existiu uma certa irritabilidade e, novamente, foi dito à desmemoriada pessoa que a família não pretendia autópsia. Estariam com problemas de compreensão?


Depois foi necessário proceder às necessárias resoluções para realizar o velório e funeral. Falecido a uma sexta-feira nas primeiras horas da madrugada, e sem o procedimento de autópsia, podia ser que fosse a enterrar nesse mesmo dia. Ou no dia a seguir. Mas foi-nos dito que isso era impossível porque o Instituto não-sei-das-quantas estava de férias/greve/fechado e não funcionava ao fim-de-semana

Durante TRÊS dias, de pesar e sofrimento, de morte efetiva, o corpo permaneceu em paradeiro incerto - disseram que ficou na arca refrigeradora na morgue do próprio hospital - mas como ter a certeza? Três longos e morosos dias, que pareciam prolongar o sofrimento e alongar o necessário desfecho rápido que é a sepultação e o repouso eterno. Foi enterrado a uma segunda-feira.

Senti um ímpeto de acompanhar os procedimentos com o corpo. De os conhecer. A ignorância era pior. Senti necessidade de velar por ele dessa forma, de não o deixar de ter debaixo da vista. Não voltei a desejar o mesmo quando outro familiar faleceu, mas com meu avô foi diferente e até hoje não sei explicar bem a razão. Cheguei a conjecturar que lhe tivessem removido partes ou até mesmo acabado por fazer a autópsia, tal foi a insistência para o abrir. Mas a real motivação estava em sentir que era a minha forma de encarar a situação. Precisava entender o que desconheço. Até hoje não tenho como saber. Três dias de corpo em parte incerta... Será que estava realmente onde disseram que ficou? Foi muito tempo até ser depositado no local de descanso eterno. Não saber, esperar e adiar o enterro durante 3 dias, foi terrível.

E tudo porque durante o fim-de-semana não havia não-sei-o-quê ou estavam em greve, algo não funcionava, já tinham fechado - sei lá a razão apontada. Terei de ir averiguar detalhadamente. Fim-de-semana... não enterram mortos ao fim-de-semana... 

No fundo foi isso que nos disseram. "Não dá, agora só na segunda". 
O mesmo que disseram aos familiares do jovem David Duarte num caso extremo de vida ou morte.

Semelhanças?
O fim-de-semana...
Não serve para salvar vidas nem para dar o descanso final às vidas que não são salvas.

Adenda: Existiu também uma circunstância envolvendo falta de recursos (ambulância) que acabou por contribuir para o desfecho de morte. Esta podia ter sido evitada se - cá está - a ajuda tivesse chegado horas antes, ai invés de ter ficado indisponível. Escrevi um longo texto contando cada detalhe mas acabei por não publicar. O que interessa reter é que, lá atrás, existiram cortes no Sistema de Saúde que fizeram com que pessoas a sentirem-se mal ficassem sem auxílio de ambulância, que não chegava ou aparecia muito tarde. Será que também fizeram uma lei que diz que é CORRETO aguardar uma hora ou uns dias por uma ambulânciaAlgumas pessoas morreram enquanto esperavam por socorro. De certa forma, meu avô pertence a essa estatística de mortos por falta de pronta assistência

JAN 2015 - Técnicos denunciam mortes por atraso do INEM
OUT 2015 - Pedido de demissão do presidente do INEM por alegadamente privilegiar atendimento a amigos.
2008 - criança de 4 anos (falta ambulâncias)
2008 - rapaz de 14 anos (meia hora de espera por ambulância)
2008 - idosa de 72 anos a residir a 200m dos bombeiros (ambulância demora meia hora a chegar até o entretanto cadáver)
2008 - senhor de 44 anos, após queda - bombeiros atrapalhados sem saber o que fazer e como chegar ao local

6 comentários:

  1. O que se passa com os doentes em fins de semana é realmente de lamentar. Como foi de lamentar o que aconteceu ao seu avô se bem que aqui ma minha zona se fazem funerais ao domingo. Meu pai foi a sepultar num domingo há 6 anos, e a minha vizinha de baixo também foi a sepultar num domingo o mês passado.
    Um abraço

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  2. É triste que às vezes corra tudo tão mal.

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  3. A morte desse jovem ao fds, apressadamente atribuída a cortes na Saúde, está muito mal explicada.
    Como é que um caso urgente não é tratado durante um fds, naquele hospital ou noutro qualquer, e se deixa a pessoa morrer??
    No juramento hipocrático não é isso que se diz.

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    1. Pedro, se não foi em consequência de cortes na gestão do hospital, então foi incompetência ou intencional. Incompetência parece que não foi, devido à conclusão que o atendimento foi realizado de "forma correta". Se foi intencional - e irei fazer um post sobre isto, então é porque os órgãos internos de um indivíduo à beira da morte são mais valiosos do que a sua vida. Para quê salvá-lo se podem tentar salvar outras vidas com as partes de uma?

      Claro, em qualquer dos casos, nenhum está em conformidade com o juramento de Hipócrates.

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  4. Infelizmente é o sistema de saúde que temos. O melhor remédio para evitar isso é mesmo ter muita saúde, pois a partir do momento que caímos nessa teia não sabemos se nos libertamos vivos. Beijoca.

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    1. Nem a propósito! Vou mencionar isso (e outras coisas) no próximo post.

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