Se pudesse escolher, presentearia todos no dia de Natal, mas só se abriam os presentes hoje, dia seis de Janeiro. Sinto que é assim que devia ser. Faz sentido, ficar a "curtir" ali os embrulhos fechados, deixando-os a marinar num caldo de carinho, expectativa, tranquilidade, reflexão, lembrança... lição.
E depois, quem sabe, todos telefonariam uns aos outros, só para agradecer a lembrança?
Seria mais uma forma de manter a união, que praticamente quebra no dia seguinte ao Natal. Nem que fosse por obrigação, as pessoas teriam de se contactar por telefone, falar umas com as outras, porque ficaria mal não o fazerem. Para mim, seria assim.
Seria mais uma forma de manter a união, que praticamente quebra no dia seguinte ao Natal. Nem que fosse por obrigação, as pessoas teriam de se contactar por telefone, falar umas com as outras, porque ficaria mal não o fazerem. Para mim, seria assim.
Mas este dia traz-me também saudades. Saudades da expectativa de cortar uma fatia de Bolo-de-Rei esperando encontrar nela o brinde, e desejando que não fosse a fava!
Hoje preferia receber a fava. Ia juntá-las, plantá-las e ter umas favinhas para comer. Será que alguém, alguma vez, se lembrou de plantar a fava que lhe saiu no bolo-de-rei?
Hoje preferia receber a fava. Ia juntá-las, plantá-las e ter umas favinhas para comer. Será que alguém, alguma vez, se lembrou de plantar a fava que lhe saiu no bolo-de-rei?
Ela não era da família. Ou melhor, não era de sangue, mas era de afecto. Uma senhora amiga dos meus avós, que ajudou a tomar conta da minha mãe quando esta era criança. No Natal, ela era convidada para almoçar connosco. Tirando essa ocasião, só a via um outra vez o ano inteiro: quando ia a uma consulta médica anual num hospital perto da sua casa. Faziamos-lhe uma visita, eu e a minha mãe. A sua alegria era muita. Vivia sozinha, num apartamento pequeno, num prédio iguais a muitos desses dessa Lisboa antiga. Sem elevador, só com escadas. A sua companhia eram os pombos, que alimentava à janela. Tirando isso, uma vizinha ou outra e, na qualidade de viúva sem filhos, penso que seria solitária. Ela sempre guardava (não sei onde os ia buscar) os brindes dos Bolo-de-Rei para mos oferecer. E fazia-o com tanto gosto, que eu com mais gosto aceitava, porque a via feliz, com um sorriso de orelha a orelha. Era gulosa, gostava de doces. Gostava de crianças. Mas houve um Natal em que decidiram não a convidar. Senti que estava errado. Estava a afligir-me! Tinham de a buscar! Ela contava com isso e ia ficar desolada, indesejada, a julgar que se cansaram dela, triste e infeliz. Sentia-o. Pedi, implorei, para que a fossem buscar. Puxei de todos os argumentos que, como criança, pensei poderem fazer diferença. Temi e disse-lhes: se não a fossem buscar, ela ia ficar tão triste que no ano seguinte já não estaria viva para se poderem redimir.
E aconteceu. Nesse ano, por motivos que não saberei nunca ao certo, telefonaram-lhe a desejar um feliz Natal mas não a foram buscar para estar à mesa. Morreu meses depois.
E aconteceu. Nesse ano, por motivos que não saberei nunca ao certo, telefonaram-lhe a desejar um feliz Natal mas não a foram buscar para estar à mesa. Morreu meses depois.
Associo à sua memória os brindes do bolo-de-rei, em forma de jarro, sapato, carro...
Feliz dia dos Reis!