quarta-feira, 15 de março de 2023

Fora da intimidade

 

No emprego, uma colega que conheço há muito tempo mas que nunca me falou lá muito bem, começou a contar-me a vida toda. Desde criança até o casamento e separação. Eu queria continuar a trabalhar, mas ela queria conversar. Sendo como sou, escutei-a pacientemente. E quando pude, regressei ao trabalho. 

Numa destas ocasiões, de conversa, também partilhei alguma coisa. Notei que estava menos receptiva a me ouvir. Ou seja, a conversa era mais unilateral. Porém, não é isso que me trouxe a fazer um post sobre este instante. Foi ela ter recebido um telefonema de um gerente. Supostamente, a perguntar-lhe quando é que o trabalho estava feito e por mim. 

É costume ser enviada para vários lugares para fazer coisas diferentes. Se eles sabem que precisam de alguém rápido costumam me chamar. Mas essa possibilidade - que ela avançou, não me convenceu. Porque nessa noite, tinham excesso de pessoal. O que achei foi que esse gerente nos viu a conversar - principalmente ela, e deve ter achado muito estranho. Telefonou para interromper a conversa que estavamos a ter (esta vez, ao mesmo tempo que executavamos a tarefa). 

Todos sabem que os dois, se não estão juntos, já estiveram. Que ela tenha mencionado a sua vida como sendo uma mulher independente - foi escolha dela. Mas se é, não está sem companhia. Que eu saiba, ao que todos sabem, os dois estão juntos, embora ele se mantenha casado. Antes que julguem, há que mencionar que a cultura deles não é europeia, é outra. Não permite bigamia, como os muçulmanos que também por aqui existem em quantidade qb, mas o estigma da separação é indesejável, não é bem visto, a família vira as costas. E assim, todos se mantem casados com parceiros "arranjados" pelas respectivas famílias e, infelizes, vão traindo uns com os outros, mas não dissolvem o matrimónio. 

Ocorreu-me que podia ser uma chamada para a silenciar. Ela não fala com quase ninguém ali e faz anos que ali trabalha. Não me dava nem os "bons dias", até o ano passado, quando passei a ter contrato. Aí até passou a sorrir, quando antes era carrancuda. A experiência e o bom senso me diz que devia ter cuidado. E não esquecer que o primeiro comportamento geralmente é, o mais realista. Mas sou como sou e acolhi o seu desabafo. 

Contou-me que se tinha divorciado por não ter nada em comum com o ex-marido. E que este nem discutiu, deu-lhe o divorcio. A família só começou a lhe falar uns 15 anos depois, quando as irmãs também já estavam casadas e a sentir na pele as condições do casamento. Disse-me que queria ser livre e não estar a ser coagida por ninguém. 

Nisto dá-se o telefonema. E mesmo ela não dizendo, eu sei que quem lhe liga só podia ser ele. É sempre ele. A conversa termina. Eu fico a pensar se o propósito do telefonema não terá sido esse. O gerente nem estava por perto, mas estava a observar-nos. Perguntei-lhe onde ele estava e ela logo respondeu que ele tinha passado por ali. 

Será controle?

Acabei por lhe dizer: Tenho uma colega de casa que segue-me onde quer que eu vá. Noutro dia até lhe perguntei: "Estás apaixonada por mim?" - porque ela segue-me grudada a mim. Isto para te dizer, não tenho um gajo na minha vida, uma pessoa pensa que sendo assim não existe possibilidade de possessividade, e aparece um desconhecido que age assim. É só para dizer que nem sempre é preciso ter um compromisso - digo-lhe. 

Foi para lhe dar uma "achega", caso, e só em caso, de ela poder estar nessa situação. 

Homens... eles querem tudo. Querem a esposa em casa a cozinhar e a lavar a roupa, e a amante de lado. Ambas exclusivas. E é tão mau aquele homem que, tendo uma amante, não a deixa existir fora da sua relação, não acham? Que acaba por a afastar de amigos, de uma rotina de idependência...  Por egoísmo, por ciúme e por saber que não é sua dona no papel. Ele tem de ser adorado por todos, mas não se incomoda que a amante seja odiada. É uma forma de se certificar que a assegura praticamente em exclusivo e em dependência afectiva, afastando outros de si, tornando-a indesejável a amizades. 

Não sei se é o caso. Só me fez reflectir sobre esta perspectiva muito importante de ser lembrada. Comportamentos de possessividade também podem surgir fora de relações de intimidade.  



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