As filhas da vizinha da casa ao lado deram-me uma cadeira de jardim.
Elas não moram aqui. A mãe é que morava, mas antes do Natal precisou de ir para uma casa de cuidados e elas, que moram longe, colocaram a casa à venda e começaram a deitar coisas fora.
De vez em quando re-aparecem para destralhar um pouco mais o espaço. Pode ter sido essa a principal razão da oferta mas, como foi um presente, um gesto atencioso, aceitei.
É raro receber presentes.
Não ma deram diretamente. Seria uma coisa se me vissem e ma oferecessem. Como trabalho de noite era por volta da hora de almoço quando abri a janela do quarto e elas, que se reuniam no jardim, chamam o meu nome e dizem-me que deixaram uma cadeira com o meu colega "sem cabelo", que é para eu usar.
Devem saber que gosto de ficar pelo jardim e daí se lembraram de mim. Não deixa de ser amável.
Agradeci, embora não me visse com necessidade para manter uma. Talvez a mantivesse, não fosse esta uma casa partilhada. Mas a casa também pertence a outros e é pequena. Não me cabe a mim enchê-la com coisas que podem atrapalhar os outros. Por mais esforços que produza para a manter arrumada, são todos infrutíferos.
Por estas razões decidi não ficar com a cadeira. Gostaria de a armazenar na arrecadação, onde devia existir espaço, já que removi duas cadeiras, dois sacos, dois cestos. Não no meu quarto. Afinal tenho o mais pequeno de todos e sou eu que mantenho tudo comigo. Enquanto aqueles que têm camas gigantes, em quartos amplos, com armários decentes, onde podiam manter várias malas grandes de viagem, atiram tudo para a pequena arrecadação.
Além disso temi que disponibilizar a cadeira deixando onde todos a pudessem usar fosse produzir maus resultados. Calões como são, provavelmente iam usá-la para fumar e comer confortavelmente no jardim, deixavam-na à chuva, a enferrujar e o tecido ia ficar todo molhado com cheiro a mofo, restos de comida e beatas todas espalhadas pelo chão. Bom ou mau, é naquele relvado que gosto de me deitar. A última coisa que quero é deitar-me ali e respirar o cheiro a cinza, como se tivesse o nariz debaixo de um cinzeiro. Assim que isso se tornar rotineiro, sei que nunca terá um fim. A M. já lá deixou umas tantas, a última ontem, quase dentro do vaso que eu criei a partir de lixo abandonado no jardim.
Ela é impossível. Uma destruidora. Se se mexer, podem querer que, por onde passar, vai deixar um rasto. Mas não de perfume, ou de boa energia. De destruição, dano, ruído e incómodo.
Hoje decidi colocar a cadeira perto dos contentores para o Exército da Salvação. É onde se costuma deixar artigos de todo o género. Já lá encontrei um espelho vertical em perfeito estado, uma aparelhagem, etc. Mas não trouxe. Não precisava.
Alguém, contudo, gosta de pegar em tudo. Não podendo carregar a cadeira inteira de uma só vez, primeiro levei a estrutura de metal, depois levei o colchão. Bem embrulhado num saco plástico para ficar protegido da chuva. Quando lá cheguei, a estrutura já tinha desaparecido. Deixei um recado "desculpem, alguém levou a estrutura de metal. Caso ainda seja útil usem, caso contrário, reciclem". E coloquei o almofadado dentro do contentor.
Nisto um carro estaciona ao lado do terceiro contentor a contar de onde eu me encontrava. E põe-se a olhar, como se nunca tivesse visto. Afasto-me. Para perceber que o casal que sai do carro, abre a porta da bagageira e coloca quatro sacos pretos cheios de algo parecido a roupa, dentro do mesmo contentor onde coloquei o meu. Interroguei-me porquê, tendo estacionado perto dos dois longe de mim, apenas usaram aquele que eu usei.
Será que estavam a descartar-se de coisas imprestáveis e quiseram, de algum modo, disfarçar? Ou já iam na segunda viagem e foram eles a pegar a estrutura da cadeira?
Será que foi alguém na casa que me seguiu?
Como dizia a D. Milu ( não vou explicar quem):
Mistéeeee-rio.☺️
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