Decidi valorizar o dinheiro que apliquei na compra mensal do passe para ir até à praia. A cidade mais próxima com um pouco de mar para apaziguar as vistas fica a hora e meia de autocarro.
Mochila às costas, chaves no bolso, carteira com cartões de débito, passe e cinco libras em dinheiro, telemóveis e lá fui eu. Não me apetecia ficar em casa. Não com estes que cá estão dentro e com este ambiente podre de joguinhos infantis e vis. Caguei neles e saí rumo à vida!
Encontrei gente, movimentação, alegria, normalidade.
Ao descer do autocarro perto de um de muitos jardins, fiquei a olhar as aves que andavam pelo relvado e pousavam na estátua/fonte. Se estivesse em Portugal, sem dúvida que estaria a olhar para pombos. Mas no caso estava a ver gaivotas a se comportarem como pombos. Insólito.
Tirei fotos e dirigi-me de imediato até à praia. Estava apinhada de gente e senti de imediato um rasgo de alerta. Mas foi para estar à beira da água que tinha viajado até ali, pelo que percorri o percurso sem areal até à margem onde a água sem ondas bate nos calhaus para ali se deixar morrer.
Tirei fotografias e fiz videos. Depois deitei-me para relaxar e nesse instante subitamente intuí que estava sem a carteira. Não foi sentir, pois não era suposto senti-la no bolso da frente das calças. Foi uma intuição. Levanto-me e enfio a mão no bolso onde ela devia estar. Encontrei as chaves, um lenço de papel, mas nada de carteira com cartão de débito, passe, dinheiro e dois outros cartões.
Novamente a sensação de alarme. Mas estou tranquila. Estranhamente, sinto que não vou encontrar a carteira, ainda que a procurasse por todos os bolsos, nas calças, no casaco, na mochila, nos sacos, uma, duas, cinco vezes. Intuí que não a ia encontrar, que já estava perdida e nas mãos de alguém, mas estranhamente estava a receber a sensação de "está tudo bem".
Claro, fiquei alarmada. Sem dinheiro para comprar o que fosse, sem passe para regressar e correndo o risco de ver a minha conta passar a zeros se alguém desse para usar o cartão em modo contactless. Mas estranhamente, diante destas eventualidades, senti que estava tudo bem.
O meu tempo na praia passou de calculadas duas a quatro horas relaxantes para 15 minutos. Tinha de abandoná-la para encontrar uma esquadra de polícia (porque aqui nunca se vê um polícia em zonas com gente apinhada, esse fenómeno só se encontra mesmo em Portugal, aqui eles ficam sossegadinhos nas esquadras sentados atrás das secretárias, nem sequer fazem ronda em automóveis, era vê-los todos estacionados ali no parque da esquadra, com um quarteirão de comprimento).
Fui perguntando pelos estabelecimentos comerciais que vi ainda pela praia se alguém tinha encontrado uma carteira e onde ficava a esquadra. Quando percebi que me deram indicações contraditórias, desisti da caça a gambozinos e dirigi-me a um hotel. Aí as pessoas na recepção foram simpáticas e passaram-me informações práticas e úteis. Com um mapa da cidade indicando onde era a esquadra, pedi ainda se podia ligar-me ao WI-Fi para então cancelar o cartão de débito, pois graças a eles, soube que era possivel fazê-lo de imediato, não seria preciso esperar até segunda-feira até os bancos abrirem.
Foram muito úteis, e eu fiz o meu melhor para anular aquele cartão. Por mais que eu repetisse o meu código postal e o meu nome, soletrando cada letra incontáveis vezes - P de Papa, O de Oscar, R de Romeo, T de Tango, U de Uniform, G de Golf, U de Uniform, E de Echo, S for Sierra, I de India, N de November, H de Hotel e A de Alpha - não havia meio de "encontrarem-me" no sistema. Mas após muitas tentativas, graças ao sinal do online baking ter voltado a ficar disponível, finalmente, lá consegui os dados da conta. Porque sem eles e só com a identificação pessoal, ainda que com tudo soletrado, nunca iam chegar lá.
Raios parta os britânicos que sempre se atrapalham todos com nomes!
Adiante: Agora era suposto ir à esquadra. E fui. Mas foi perda de tempo. Já não registavam casos de perdas - só de furtos. E como pode ter sido um e outro mas certeza não tenho, claro que eles descartaram-se de imediato e mandaram-me registar o caso online. Quis saber mais informações na esquadra de polícia, nomeadamente quais as minhas chances de encontrar um bom samaritano que, em último caso, se oferecesse para me pagar o bilhete de volta a casa e principalmente, caso tivesse de caminhar de volta, quanto tempo levaria a fazer o percurso. Totalmente sem compaixão, trataram de me mandar embora.
Fica o aviso: procurem hotéis e esqueçam esquadras de polícia.
Chegou a altura de ir para a paragem de autocarro tentar a sorte. O primeiro motorista disse-me que podia entrar. Fiquei muito aliviada. Mas tinha reconhecido uma passageira que viajou comigo até lá e pedi para que fosse minha testemunha de que viajei com bilhete. Ela preferiu ir no autocarro que vinha atrás - eu também pretendia usar esse que faz o percurso mais rapidamente. Porém a reação desse motorista foi diferente. Sem comprovativo de compra não me deixou viajar. Tentei ligar-me online para mostrar a compra mas não deu tempo. Ele estava a pedir-me para sair. Uma senhora de idade perguntou quanto era o bilhete que mo pagaria. Mas ao escutar 5.60 disse que não tinha dinheiro. Inspirada, numa última tentativa perguntei se alguém podia pagar-me um bilhete. Todos acenaram que não.
E saí do autocarro. O próximo, só dali a uma hora. O meu coração ficou a desejar que esse motorista fosse como o primeiro. Entretanto meti conversa na paragem e perguntei logo ali se por acaso... se fosse preciso... disseram logo que não. Responderam que escutam isso todos os dias e já não querem saber. Eu aceitei. Compreendo. Em alguns casos eu também faço o mesmo. Se vejo que a pessoa que pede dinheiro para um bilhete mas aparenta ter um ar de quem quer o dinheiro para vícios, também não tenho o impulso de ajudar. Mas já ajudei, noutras ocasiões, com pessoas que me pareceram realmente vítimas de um súbito infortúnio.
Conversei muito com o casal que me "negou" ajuda financeira. Mais para o final, surgiu um rapaz, muito conversador, e a conversa engendrou em vários temas até que o autocarro apareceu. O meu coração aos pulos. Não sabia se ia viajar naquele, ou se ia receber outra nega e a minha última chance ficaria para o último autocarro do dia. Mas a sensação de que tudo ia correr bem ainda permanecia.
Assim que abri a boca e disse.... «roubaram-me a carteira com o passe e o cartão com dinheiro» o motorista respondeu: "Sim, claro, entre". Agradeci e entrei logo. Nem hesitei. Talvez o motorista anterior tenha avisado por rádio do sucedido. Soprei um beijo de agradecimento à senhora a quem pedi para me meter na frente, pois precisava perguntar ao motorista se me deixava viajar sem a carteira que me tinha sido roubada. Ela logo se ofereceu para me pagar bilhete. Fiquei grata. Porque assim, independentemente da resposta do motorista, ia poder viajar.
Agradeci-lhe e logo lhe disse que queria a morada dela para lho devolver, mas que me deixasse perguntar primeiro ao motorista se podia viajar sem comprar novo bilhete, uma vez que tinha passe mas este foi furtado.
E pronto. Foi assim a minha ida à praia. Voltei a procurar a carteira em tudo o que é orifício, e de facto não a tenho comigo. Provavelmente deixei de a ter assim que pisei os pedragulhos que fazem as vezes do areal. E dei conta disso graças a uma misteriosa intuição. Não me desesperei como podia, também graças a uma sensação de "está tranquila" que me surgiu em simultâneo.
Foi só uma inconveniência. Não tive quase nenhum minuto de praia, só horas a procurar soluções para uma carteira desaparecida e falta de meios para regressar a casa. Entre estes factos, o tempo todo senti que tinha saído de casa para viver uma aventura e calhou ser esta. Senti que estava a passar por isto por um motivo e com algum propósito benéfico. Só mais à frente saberei que lição daqui vou tirar.
Acredito que ainda existem bons samaritanos neste mundo. E eu só tinha de encontrar alguns.
Fiquei imensamente grata a todos os que me prestaram auxílio, por pequeno que fosse.
A todos queria agradecer - e agradeci, mas queria também mostrar gratidão.
Se pudesse, enviava a todos um ramo de flores, uma garrafa de vinho e voltava a enaltecer os gestos que tiveram. Pequenas coisas, fazem grandes diferenças.
Hoje já vou dormir na minha cama e não no asfalto de um passeio qualquer.
Sim, pequenos gestos fazem grandes diferenças.
Bem-haja!
Mas que chato! Novamente penso que, se isso acontecesse aqui no Brasil, muitos diriam: "só acontece nesse país!" ladrões estão em toda parte! Graças a Deus que ainda existe gente boa que pode lhe dar auxílio para regressar. Bjs
ResponderEliminarNão é só no Brasil. A violencia nao tem exclusividade, embora tenha maior predominancia mais em certos locais que outros. Não sei bem se fui roubada - pode ter caido. Ou podem ter tirado do bolso sem eu perceber. foram uns minutos entre uma multidão, numa praia. Nunca se sabe. Sei que foram apenas 15 minutos, recuei nos passos e nada encontrei. Mas já tudo se resolveu.
EliminarUma aventura pela qual também já passei há uns anos. São nestas situações que nos apercebemos que ajudar deveria ser o ponto número um e faz-nos pensar nas vezes que negamos a mesma ajuda que pedimos. Consegui dar baixa de tudo mas na polícia, talvez o agente para além de muito bonito foi tremendamente prestável. Em casa só pensava na onda terrível que se enfrenta na renovação dos documentos. Fiz tudo mas algo me dizia que iria aparecer. Não dormi nada e no dia seguinte ia sair mas não sei porquê resolvi ver a caixa do correio. Vi um pequeno embrulho num envelope e BINGO a carteira com tudo (o dinheiro tenho sempre noutra bolsinha. Havia um pequeno papel com mais ou menos isto: Encontrei no cais do comboio X. Até hoje não sei quem foi.
ResponderEliminarBeijocas e que encontres o que perdeste.
também já passei por isso em Portugal.É muito burocrático recuperar os documentos, e caro, porque se paga pela emissão.
EliminarO que perdi não me causou reais preocupações. Foi o cartão de débito, mas por telefone resolveu-se tudo e na terça já tinha um novo em casa. Sem complicações e sem custos. O cartão para entrar no emprego, deram-me outro. E no dia a seguir, fui à "Carris" de cá e deram-me outro passe, sem custos de emissão.
Em lisboa, paga-se e bem por um passe da carris, mesmo se ainda na validade mas extraviado. Deve rondar no mínimo uns 20 euros até uns 30.
Olhe, seja quem tivesse sido que encontrou a sua carteira, você sabe uma coisa sobre essa pessoa: é honesta.
Muito bonito da parte dela em descobrir o seu endereço, deslocar-se até si e meter na caixa do correio. Será que também tinha um número de telefone?
Geralmente as pessoas procuram os perdidos e achados do local - neste caso da CP. Entregam a carteira a uma autoridade. Já me aconteceu perder o BI bem longe de casa, noutra cidade, e este ter ido parar á junta de freguesia, que me enviou uma carta a comunicar que tinha a identidade ali. Não foi preciso renovar. Já encontrei um passe da carris na loja do cidadão e entreguei-o ao segurança do local. Fiquei na dúvida, para ser sincera... Mas achei que a pessoa ia voltar ao local para perguntar por ele.
Boa semana!