segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Cotas da descriminação


Após uma conversa alongada com a nova colega sobre oportunidades e cotas, subi ao quarto exausta e com a sensação de desolação. "Se calhar sou eu que estou errada" - pensei. "Devo ter andado a minha vida inteira errada...".


Acredito que as pessoas, independente da sua condição inicial, devem ter oportunidades para atingir um objectivo. Mas não acho que devam ser seleccionadas por cotas - ou seja: raça, etnia, orientação sexual, género ou estatuto. Devem todas chegar lá, terem as mesmas oportunidades para se instruírem, mas, aquando a escolha, que esta recaia sobre os resultados, não sobre a cor da pele, orientação sexual, etc. 

Esta nova colega, de descendência Africana, não pensa assim. Ela defende a selecção por percentagem. A italiana-mais-velha, que escutava a conversa, também criticou acaloradamente o meu ponto de vista, dizendo que eu era ingénua. Admito, tenho um idealismo que muitas vezes me faz soar ingénua. De modo que saí da conversa a pensar se o que sinto está errado. Estes conceitos que nos são incutidos de igualdade... Até mesmo de justiça. Terei-os eu imaturos?

Sei que o mundo não é perfeito. O que agora se chama de cota bem se pode comparar ao que se chama de cunha. 

Mas o que é que a sociedade deve transformar em lei? Se formos a aceitar que as empresas contratem profissionais por cotas, estamos a efectuar uma impactante mudança social. Acho que é incorrecto  em relação a uma selecção por mérito. Parece-me uma medida discriminatória, que nada faz para combater injustiças, visto que actua com base na descriminação. Acaba que é insultuosa até para os indivíduos com mérito que possam dela ser beneficiados. 

Saí da conversa a por em causa os meus conceitos de igualdade e justiça. Estarei desajustada com a realidade? Deve a pressão moldar conceitos universais?


Para tirar a mente destas demagogias, fui ver um episódio de Casos Forenses, um programa antigo sobre crimes de homicídio no qual a ciência Forense desempenha um papel decisivo na identificação do criminoso. No episódio em causa, surge a especialista forense Joyce Gilchrish. Uma mulher negra, com ar de quem sabe do que está a falar. "Ora aqui está uma mulher negra que chegou longe" - pensei. Acreditando que isso se deveu porque teve oportunidades e revelou mérito, o que a permitiu destacar-se na especialidade da química.

Depois vou ler a secção de comentários e deparo-me com uma enorme surpresa: a especialista foi acusada de falsificar provas forenses. Em 21 anos de carreira, Joyce testemunhou em mais de 3000(!) casos e ficou conhecida pelo apelido de "Magia Negra" por ser capaz de ter certezas onde outros colegas seus não conseguiam. Graças às suas conclusões forenses, muitas pessoas foram condenadas, entre as quais 23 homens sentenciados com a pena de morte, doze das quais foram executados. 

Fiquei aterrorizada. Isto para mim foi providencial, pois solidificou a importância do mérito e tornou visível o perigo das cotas. Porquê esta mulher subiu meteoricamente? Por ser negra? Porque foi promovida precocemente? Pela cor da pele? Se outros colegas colocavam em dúvida a sua competência como cheguei a ler, porque trabalhou ela 21 anos? 

Talvez por ser negra, mulher, símbolo das minorias, quem falasse mal ou pusesse em causa podia ser considerado de "mau tom"... racismo. 

Provavelmente, desde o início, a sua origem foi o que lhe abriu as portas. Certamente não foi a competência. Neste programa parecia tê-la, mas aparentar e ser são coisas distintas. Também me parece que era desprovida de uma sã consciência.  Como pode ela forjar provas?? E viver anos e anos despreocupada com a consequência dos seus desmandos? Esta mulher acabou por ser uma assassina! 


Alguns homens por ela ajudados a condenar, tiveram as provas forenses revistas por outros tantos cientistas e comprovou-se que eram inocentes! A irresponsabilidade, falta de ética, falta de tudo desta «especialista» forense causou danos irreversíveis: a perda de anos de vida livre, décadas de clausura, aquele aperto constante no coração dos familiares, a amargura de se saber inocente e condenado, o ser-se associado a um crime hediondo que não se cometeu...

E tudo isto, se calhar, por ela ser negra.
Por ficar "mal" ir contra uma profissional em ascensão que é de uma etnia/minoria.



Volto a esta imagem. O meu ponto de vista é este: deve-se dar a mesma oportunidade a todos. Todos ficam com os rostos acima do muro. Todos vêm o jogo de futebol. Mas se os três o quiserem comentar e só um possa ser selecionado, então que seja o mais eficiente.


Eu nao vou querer um cirurgião a operar-me se este não tiver competência para tal. Quero acreditar que qualquer um que me aparece à frente é competente. É bom! E se for indiano (como muitos por aqui no UK), ou de outra etnia qualquer, quero continuar a admirar a sua competência e a imaginar a sua luta. Não é reconfortante imaginar que é a condição etnica/social que o transformou em médico. 

Esta pode ser uma alavanca, mas não deve ser um caminho.

Entendem

4 comentários:

  1. Como diz um vizinho meu que é brasileiro. "Estou consigo e não abro" Ou seja, claro que está certa.
    Abraço

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  2. Para mim estas super certa, mas isto infelizmente é mais uma prova que a sociedade está a piorar, a dar passos largos para se perder a humanidade!

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  3. E eu que achava que esse negócio de cotas era só aqui no Brasil. Sou completamente contra isso, pois os negros não deviam aceitar isso. Se têm competência, por que tem que ter privilégio? Isso não já não é uma forma de discriminação, de racismo? Claro que é. Não tenho paciência para esses mi-mi-mi, esses vitimismos. Vim de uma família muito humilde, quando o pobre naquela época não tinha privilégio algum, nenhuma ajuda do governo. Todos os filhos trabalhavam para ajudar no sustento da casa. Não havia esse negócio de cesta básica, auxílio condução, alimentação. Hoje as pessoas têm tudo e ainda reclama! Todos os meus irmãos estudaram com muito sacrifício, todos tinham um emprego, todos ajudavam em casa. Ninguém morreu ou se revoltou por isso, muito pelo contrário, valorizam cada gotinha de progresso. Quanto ao pão italiano, parece trabalhoso, mas não é. Apenas o descanso que precisa ser de 12 horas, nem sova precisa. Tenho feito praticamente um dia sim e outro não. Ontem inventei de fazer massa fresca em casa. Sucesso total, além de terapêutico, muito econômico. Sou paulista, onde desfrutamos de muitas cantinas maravilhosas, mas aqui onde moro atualmente (Belo Horizonte), encontrar uma boa cantina com preços justos é difícil. Aliás, como você mesma disse num post sobre a fama de ser isso e aquilo, que na realidade não é nada disso, sei muito bem do que se fala. São Paulo (minha cidade) tem fama de ser fria, cada um na sua e Belo Horizonte hospitaleira. Na prática, não é nada disso. Desejo que consiga logo uma boa colocação. Li vários posts antigos e percebi que você não está muito feliz aí na Inglaterra. Pretende voltar a morar em seu país? Torço pela sua felicidade. Beijos

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