segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O fado do pobrezinho

Uma semana antes do Natal um familiar contou-me que apanhou uma multa por excesso de velocidade. E depois saiu-se com esta:

-"A sorte de todos é que já tinha comprado os presentes porque senão, não ia haver dinheiro para oferecer nada a ninguém neste Natal."

Aquilo incomodou-me. Achei uma comparação desnecessária e de mau gosto. 

Além de intuir que tal não podia ser verdade, o incómodo foi por estar a presenciar a "cantiga do pobrezinho". Não sei explicar bem mas tenho cá para mim que muitos dos que lerem estas linhas vão entender do que falo. Se calhar, alguns praticam este "fado" faz anos e nem se dão conta. 

Refiro-me ao costume de estar sempre a "choramingar" as despesas só porque se aproxima o Natal. E depois no tão esperado dia, durante a troca de presentes ou numa conversa circunstancial, fazem referências regulares às finanças pessoais: "Este ano o Pai Natal está pobrezinho", "O dinheiro não estica", "Este ano foi mau...", "Este Natal quase que não comprei presentes", etc.

Na realidade, todos temos despesas! Acho que revela uma certa mesquinhez quando falam do assunto daquela forma. Ainda por cima, uma lembrança natalícia não implica grandes despesas. Uma lembrança pode até ser feita, pode ser filmada, pode ser tanta coisa... Pode não implicar gastos elevados.

O Natal é revelar num gesto simples aquilo que és. Com ou sem dinheiro. Este não devia ser o centro da quadra. 

Sacrilégio. Queres o Menino-Jesus ou a vaca? Lol.
Como referi, não sei explicar de forma mais direta e sintética este costume tuga que estou a tentar trazer à superfície. Na minha família os Natais - os jantares e almoços - onde reside realmente o factor "despesa" e onde faz mais sentido trazer à tona o tópico "finanças" eram quase sempre sustentados em grande parte pelos meus pais. Que estão longe de ser os mais abastados na família. Depois passaram mesmo a ser eles a se encarregarem disso. E do absurdo de dinheiro que colocavam em cada coisa que serviam à mesa - o típico bacalhau de véspera e depois o cabrito, coelho ou a carne assada com castanhas, os muitos doces típicos e bebidas - tudo para umas 20 pessoas, nunca que os ouvi fazer uma referência «queixosa» do valor que despenderam para realizar a quadra.

Agora já não dá para tanto, até porque cada qual vem de outras casas. Mas em público, em tom de "fado do pobrezinho", diante de desconhecidos ou da família toda reunida, eles não "pregavam" este sermão do "pobre com a barriga cheia". Têm muitos defeitos os meus pais. Eu cá sei. Mas entre algumas qualidades que lhes posso apontar, a generosidade para com os outros no que respeita a pagar-lhes almoços ou oferecer algo, é uma delas. São capazes de mencionar "aquele cabrito custou 60€" mas não num tom de lamento ou martírio. E só entre o círculo mais próximo, com pessoas que estão à vontade e o assunto acaba por surgir naturalmente. Será que me faço entender?

Bom, como não estou a conseguir explicá-lo bem, vou resumir. A pessoa que me disse isto em Dezembro passado - que estava sem dinheiro para comprar presentes, recebeu ontem pelo dia de S. Valentim, um smartphone novo. E dentro de dois meses vai duas semanas de férias para o Brasil.

E estava «pobre» em Dezembro...
Mais valia ter ficado calada.



6 comentários:

  1. Bom, sinceramente eu não gosto de pessoas assim, mas também detesto as pessoas com manias de grandeza e depois chegam ao dia 15 e andam a pedir dinheiro para o resto do mês. E eu sei do que falo. Conheço alguns. Um casal que conheço bem, têm dois carros, não lhes falta nada em casa, mas todos os meses sobram facturas para os pais pagarem.
    Eu deixei de dar prendas de Natal quando meus psi morreram Há seis anos. Dou à netinha, que é criança, e para os pais, dou-lhes um cabaz de compras que este ano foram 4 sacos grandes, daqueles de supermercado, que comecei a fazer em Agosto, aproveitando todas as promoções até ao Natal. Enchi-lhes a dispensa.
    O resto da família, desde que os pais morreram não mais nos juntamos e por isso ló levam prenda nos anos.
    Um abraço e uma boa semana

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Elvira, entendo bem. Dentro dos jovens encontrei muitos a viver vida "independente" mas que depois o apoio dos pais vai para além do que seria suposto para uma verdadeira independência. Se pagam metade das contas, ou o colégio do filho ou enchem a dispensa, então a pessoa ainda não está totalmente entregue a si própria, apenas disfarça que está. Talvez seja suposto existir um período de transição destes, mas a questão é que há uns que só terminam quando os pais definham.
      Uma vez surpreendi-me quando uma jovem com um emprego fixo e seguro, disse que só ganhava 900€ e por isso todos os meses os pais avançavam com uns 300€ para ajudar com as despesas, caso contrário não sobrevivia a pagar um aluguer (barato).

      Loooool!

      Eliminar
  2. Esse choradinho já só convence quem quer ser convencido.
    São muito poucas as pessoas com genuínas dificuldades.
    Os outros são chorões, uma espécie de carpideiras.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pedro, costumava ser de uma ingenuidade a esse respeito. As pessoas faziam confidência sobre as suas dificuldades financeira e eu não tinha porquê duvidar. Contudo, nunca fui de fazer o mesmo. E volta e meia anos depois descobria que afinal, dispunham do triplo das condições que eu tinha. Tentar não ser tão ingénua ainda é uma batalha a ser travada :) Há momentos de recaídas. Daí às vezes suspeitar de actos de caridade e necessidade. Pela experiência pessoal.
      Boa semana!

      Eliminar
  3. Isso é típico de alguns portugueses. Eu cá acho que a explicação é bem simples: reclamam que não têm dinheiro com medo que outro amigo bem mais pobre, peça-lhes.
    Conheço várias pessoas que dizem não ter dinheiro para isto e aquilo mas até alugam iates para irem passear. Pagar o que devem é que não dá!
    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sinceramente, não entendo as motivações.
      Eu não tenho $$ para muita coisa que precisaria de obter para ser mais feliz nesta vida, mas chiça, não ando sempre a choramingar menos ainda de barriga cheia.

      Eliminar

Partilhe as suas experiências e sinta-se aliviado!