segunda-feira, 17 de março de 2014

Já não existem Compadres


Já se passaram muitos anos mas ainda hoje recordo da presença de um casal de pessoas mais idosas presentes no velório de meu avô. E ainda quero saber quem eram. Quando ia para lhes perguntar, logo após os cumprimentar com um beijo, uma tia chamou por mim e acabei por não saber quem eram essas pessoas. Pensei, na minha inocência, que alguém ali saberiam quem eram. Ninguém sabia. E até hoje não sei quem eram aquelas pessoas. 

Será que sequer conheciam meu avô? Poderão ser dois «intrusos» que gostam de se introduzir numa multidão em luto por algum tipo de excitação pessoal? Ou terão se enganado na sala e não o perceber por nem conhecerem o rosto do falecido?

Não sei porquê mas por vezes esta história me ocorre. Será pelo mistério?


Conhecia todos no velório. Eram família. Nenhum rosto não familiar compareceu. Meu avô tinha amigos, ou colegas, não sei. Outros com quem se dava que eram da sua geração. No entanto nenhum desses rostos apareceu, nem amigo nem vizinho. É engraçado como nos lembramos disto. Uma vez estava a ver um programa na televisão em que depois de um velório a viúva diz isto: porque será que mesmo entre toda a comoção eu me lembro exatamente de quem apareceu e quem esteve ausente? Não queria ser mesquinha e ter estes  pensamentos...

Não é mesquinhez, é curiosidade e é um facto que fica e faz reflectir. Meu avô tinha conhecidos. Será isso? Quando ele falava de uma antiga amizade, sempre se referia à pessoa pelo nome, antecedendo da palavra compadre. Acho tão bonito! Compadre Joaquim, compadre Manuel... Mas normalmente logo a seguir referia o cemitério e o número da campa onde o «compadre» já se encontrava a habitar. No entanto ele não foi o último «resistente». Viu muitos partirem antes, é verdade. Talvez do grupo mais próximo quase todos tenham partido antes dele. Mas pelo menos um lhe sobreviveu. Pelo menos um teve de sobreviver e muito provavelmente foi aquele que o roubou depois de morto. (mas essa é outra história e não me apetece contar).


O seu velório teve a presença de algumas muitas pessoas. As que importavam. A família, que é numerosa. Mas eu fico a pensar se se pode medir o carácter de um homem (ou uma mulher) pela quantidade de «afluência» de vivos no velório. Quero dizer: conheci uma ou outra boa pessoa que morreu só. Talvez exatamente porque sempre foi boa demais. Boas pessoas, pobres e sem familiares não têm muitos a querer prestar a última homenagem. Não terão, provavelmente, quem vá depositar umas flores na campa. Contudo, de a pessoa for uma celebridade, aí muita gente comparece. Se a pessoa morrer de morte trágica e injusta, uma multidão aparece. Mas se não existir nada disso, quem aparece?

Imagino o meu velório (que gostava de NÃO ter). E imagino-o às moscas. Com um, dois, ou três gatos pingados, que comparecem de rapidinha para fazer a última homenagem. Talvez levados por alguma comoção e emoção de momentos do passado. Mas partindo do pressuposto que morrerei muito idosa (infelizmente e felizmente), já não terei pais para comparecerem ao funeral. Não terei filhos nem netos porque não providenciei nenhum. E os «postiços» pertencem a quem os pariu. Terei talvez umas caridosas almas. Mas sabem? Não é ideia que me incomode ou que pense muito nela. O que acho importante é a vida que a pessoa levou e a consciência com que parte, não a quantidade de ligações de interesse que estabeleceu. Prefiro uma lágrima a uma choradeira desenfreada e prefiro, sinceramente, uma única e sincera reza (nem que seja a do padre) do que uma só não sentida ou forçada. Enfim... considerações :D

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