quarta-feira, 12 de março de 2014

Tudo o que os pais fazem pelos filhos

Estava aqui a recordar: quis trabalhar pela primeira vez quando tinha 16 anos. E até tinha arranjado um emprego numa loja de um centro comercial. Mas precisava da autorização de meus pais, por ser menor. Eu insisti, insisti e insisti. Tentei por tudo lhes fazer ver que eu sentia vontade de trabalhar. Tirava boas notas na escola mas não me bastava. Eu sentia vontade de lidar com outras responsabilidades e ter outro género de relacionamentos interpessoais. O emprego seria em part-time ou aos fins-de-semana... tinha tudo para dar certo. Mas meus pais não o autorizaram. Disseram que a minha obrigação era estudar e me formar. Depois teria «muito tempo» para trabalhar. Para me calar garantiram que iam conversar com um parente que tinha uma loja, sobre a possibilidade de eu lá ir dar uma ajuda. Claro, nada aconteceu. Fiquei triste por demais, custou-me muito mesmo.  

De seguida recordei o «apoio» que me deram anos depois, quando entrei na Universidade e também comecei à procura de um emprego em part-time. Antes de ter a sorte de encontrar um, ocupei o meu tempo com alguns estágios, onde me dei muito bem. Um deles numa empresa de pessoas conhecidas que estavam ainda a começar. Lá fiquei cerca de um ano. Depois arranjei finalmente um part-time atrás de um balcão e aí sim, comecei a ter uma ocupação verdadeiramente contratual e remunerada. Durante todas estas experiências minha mãe telefonava-me para perguntar:
-"Então, ainda estás na empresa?"
-"Sim."
-"Ah, pensei que já tinhas saído"
-"Porquê?"
-"Pensei que já te tinham despedido."
-"E porquê haviam de despedir?!"
-"Porque sim. Não é coisa para ti. Tu não és disso... não vai durar muito. Tu tens é de estudar!


Volta e meia passava um dia, no outro o telefone voltava a tocar e a pergunta era a mesma. Aliás, a pergunta já vinha acoplada com uma resposta: "Já foste despedida ou ainda estás naquele trabalho?


"Isso não presta! Isso não é para ti! Isso não traz futuro!"

Quando meus pais apareciam para me fazer uma visita iam diretamente para o meu trabalho atrás do balcão. Onde ficavam a observar e a contar histórias comprometedoras sobre a minha vida a quem quisesse escutar. Um dia disseram umas coisas distorcidas que me infantilizaram de tal forma que podem bem ter prejudicado a minha posição ali.Quando chegou o momento do emprego atrás do balcão terminar a voz do outro lado do telefone finalmente teve a resposta que ansiava ouvir. "Já não trabalho". "Tanto o desejaste que ia acabar por acontecer!" - afirmei à minha mãe.

Quando terminei os estudos arranjei de imediato um estágio na área. Mas não era um estágio qualquer. Era um estágio numa prestigiada empresa, uma oportunidade difícil que poucos conseguem alcançar. Decerto invejada pelos invejosos de serviço e tive muita sorte em a obter. Sentia-me grata e feliz. E com o estágio veio um factor que na altura nem me ocorreu o quanto era prejudicial para o meu desenvolvimento: o retorno à casa dos pais. 

Vivendo com eles debaixo do mesmo teto enquanto estagiava na prestigiada empresa na área na qual me licenciei, fui bombardeada incansavelmente para largar o estágio. Ora porque "não tinha futuro", ora porque "não me pagavam", ora porque "tiravam proveito do trabalho de graça". Não faltaram argumentos que me eram assim atirados à cara mal colocava os pés em casa. Cada vez que chegava feliz e partilhava com eles uma conquista ou um sucesso laboral, faziam pouco caso ou nem prestavam atenção. Não existiu qualquer tipo de apoio ou contentamento nesta altura tão importante da minha vida. 


Meus pais pretendiam que eu largasse imediatamente o estágio para começar a trabalhar num call-center. Como se oportunidades em call-center fossem raras de encontrar e o meu estágio numa prestigiada empresa fosse irrelevante! Era o que eles queriam e não se calavam com isso. Massacraram-me o juízo. Não me deram tréguas ou sossego. Disseram-me que era uma grande oportunidade, que devia começar o quanto antes. Atender telefones era TUDO o que eu menos gostava na vida. Mas tanto insistiram, tanto me infernizaram a cabeça dia após dia que acabei por pedir autorização na empresa onde estagiava para poder conciliar as funções simultaneamente com um part-time. Escusado é dizer que tal postura acabou por ser interpretada como falta de empenho e interesse - o que estava longe de ser verdade. 

Mas meus pais estavam convictos que o melhor para mim era largar o estágio e ir atender telefones... porque um dos chefes da empresa era um familiar e garantiu que com muito trabalho e começando por baixo a promoção era garantida dali a uns anos. Lá se ia a VOCAÇÃO e todos aqueles anos de formação e estudo pela janela fora... E o pior: por um emprego pelo qual acabei por não ser admitida! 

Sabem, muitas vezes eu penso em tudo o que os pais fazem pelos filhos. Em tudo o que os meus fizeram por mim. Deram-me de comer, vestiram-me e pagaram-me os estudos. Mas por vezes penso realmente em TUDO o que fizeram por mim. TUDO.  


3 comentários:

  1. Credo...até me custou ler este post...nem sei o que dizer...É por isso que tudo tem de ser tão bem ponderado.

    É por estas e outras que dizer-me que "fizeram mal, mas com boas intenções"...não me chega.

    ResponderEliminar
  2. Nem sempre os pais agem da forma mais correcta, mas não o fazem por mal, é uma forma de amar possessiva e protectora... Sei que percebeu isso e consegue distinguir o TUDO bom do TUDO menos bom.
    Abracinho meu!

    ResponderEliminar
  3. Belo exemplo e bela lição. Os pais nem sempre sabem o que é o melhor para nós.
    Eu tento que ninguém se meta mas é complicado.

    Beijocas

    ResponderEliminar

Partilhe as suas experiências e sinta-se aliviado!