Uma vez uma pessoa sentiu-se mal num transporte público e escutando o seu grito de ajuda fui acudi-la. A pessoa havia caído por um desfalecimento súbito mas depressa recuperou a normalidade. Porém o motorista ligou de quase de imediato para o 112. Surgiu uma ambulância e com ela vieram dois polícias. A pessoa foi auxiliada a sair da viatura para entrar na ambulância, relutante que estava, mais pela vergonha e embaraço da situação que outra coisa qualquer. Aparentemente já estava recuperada. Falava bem e articuladamente. Cheguei a pensar para mim mesma que conseguia articular os raciocínios melhor do que eu, mesmo tendo acabado de sofrer de um mal estar súbito.
Enquanto o inem não chegou, fui acalmando-a, sossegando-a para que não se incomodasse com o atraso que a situação impunha a outros, pois podia acontecer a qualquer um de nós. Essencialmente tentei tirar do seu pensamento a sensação de vergonha e constrangimento por ter causado a paragem da viatura e ter tido um desfalecimento em frente de toda a gente. Era o que realmente a incomodava. Ela lá me explicou que estava sujeita a este tipo de situação e que sempre se sentia muito embaraçada. Explicou-me que não tinha ninguém a quem contactar porque vivia sozinha, estava a viver longe da família com a qual não tinha contacto porque, segundo ela "ás vezes é melhor assim".
Fiquei com dó nesse momento, porque consegui compreender que existem famílias que é mesmo melhor não as ter, mas ao mesmo tempo só me apeteceu foi mostrar afecto por meus pais, tão cheios de imperfeições e defeitos, mas presentes para mim numa situação destas, aos quais eu podia ligar se algo do género me acontecesse. Pela sua solidão, por ter de regressar a um apartamento vazio, com receio que a doença voltasse a repetir-se, sem ter quem a acudir a não ser uma vizinha um pouco amiga, fiquei com dó da rapariga e, conforme expliquei, valorizei mais o que eu tinha.
Tive vontade de lhe dar o meu contacto para que entrasse em contacto comigo no dia seguinte para confirmar que estava tudo bem. Mas nisto chegou a ambulância e ela foi encaminhada para o veículo. Para trás ficou a mochila e o saco de compras de mercearia a pingar - com algumas frutas já transformadas em suco devido à queda.
Segui atrás dos enfermeiros com estes pertences da pessoa para que seguissem com ela. Os dois polícias perguntam nessa altura o que a pessoa transporta consigo. Ao que lhes estico o braço com a mochila e o outro com o saco. Os dois, com a pessoa plenamente consciente e já a pisar o interior da ambulância, pegam na mochila e logo abrem o zipper da pequena bolsa. Removem a carteira e bisbilhotam o interior. Fiquei ali com o outro saco na mão, estranhando não pegarem nele de imediato também.
Reviraram a carteira e depois reviraram novamente o conteúdo da mochila. Fazem isto depois de espreitar para a ambulância e repararem que a pessoa e os socorristas já está no interior. Fiquei com uma sensação de alarme nesse instante. Juro que fiquei a desconfiar que aqueles polícias procuravam mais do que saber a identidade da pessoa. Pretendiam furtar o que esta tivesse de valor, aproveitando-se da vulnerabilidade e distração desta. E se o fizessem e a pessoa só muito mais tarde desse conta, poderiam sempre afirmar que encontraram a carteira como a entregaram e se existiu roubo só podia ter sido efectuado por alguém dentro do transporte público.
Peço já desculpa a quem é polícia e honesto, a quem está por dentro dos procedimentos policiais ou vive ou tem quem viva no corpo policial e possa sentir que a suspeita não faz sentido. Mas estranhei mesmo. Algo na postura pareceu desadequado e impróprio. A pessoa não estava morta. Não estava inconsciente, nem gravemente ferida! Era só lhe perguntarem o nome e pedir permissão para lhe abrirem a carteira e remexer nos seus pertences.
E agora que estava aqui a ler uma breve notícia sobre "Polícias no Crime", policiais que ao invés de estarem do lado do bem se juntam à bandidagem para praticar roubo, extorsão e tráfico, subitamente este episódio voltou ao de cima. Tenho pena não ter dado o meu contacto à pessoa, porque sempre poderia sossegar sobre o seu estado de saúde ao invés de ficar este tempo todo a imaginar se tudo terminou bem. E atrás da orelha ficou a sensação estranha que a visão dos policiais a remexer na carteira me causou. Ainda hoje não sei se a pessoa ao receber os seus pertences de volta, notou que algo lhe faltava e se por acaso logo associou que se alguém a poderia ter roubado, esse alguém seria eu, que a auxiliei. Porque nunca poderia ser a polícia... pesamos nós!
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