terça-feira, 24 de março de 2009

Borboletas



Quando era criança sabia apanhar borboletas.

Com a mão, agarrava-lhes as asas. Não sei quem me ensinou ou se aprendi. Nem tão pouco sei se esta era uma habilidade comum entre nós, crianças dos anos 80.

Recordo a sensação distinta do toque. A impressão digital pintada de multicores cintilantes. O toque era aveludado. Observava-as e depois deixava-as ir. Alguém me disse que as borboletas vivem pouco. Uma ou duas semanas, talvez.



Depois alguém disse que, por agarrá-las, tirava-lhes o pó das asas e assim, deixariam de poder voar e morreriam. Foi então que deixei de as apanhar e passei a admirá-las sem lhes tocar. Elas parecem saber que não lhes faço mal e quando caminho pelos campos, gostam de esvoaçar à minha volta.


Agradeço-lhes pelo presente da sua companhia. Aprecio-as com o olhar, tal como aprecio tudo o resto que a Primavera trás. Como a beleza pura que são, duram pouco. Poder observar o esvoaçar de borboletas e sentir o aroma das primeiras flores da Primavera, é uma benção que adoro sentir.



A Primavera é uma estação tão bonita, que se torna perfeita para a morte.

É a altura da renovação da vida!



Poema de Fernando Pessoa:

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.


Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" Heterónimo de Fernando Pessoa

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