sexta-feira, 17 de março de 2017

Olhar o meu rosto


Minha avó.

Uma vez disse-me que não era ela que aparecia ao espelho. "Aquela não sou eu, pareço velha". 

Ela sabia que tinha envelhecido, que era avó, aceitava muito bem tudo. Nunca foi vaidosa. Então porque o disse? 

Porque tinha um «eu» por dentro, que não correspondia à pessoa ao espelho. A sua identidade não era aquela imagem que o espelho retribuía. 

Estava eu longe de imaginar que ia intuir o mesmo. 


Como também nunca fui vaidosa, apesar de estar rodeada de espelhos raramente olhei para um. Essa falta de vaidade estende-se às práticas que a sociedade actual estipulou como rotineiras e «necessárias» para a «beleza»: uso de cremes no rosto, no corpo, maquilhagem, etc, etc. Facilita passar meses sem apanhar a nossa imagem reflectida num espelho, quando não se tem estes hábitos. Nunca olhei para me ver, avaliar. Sempre apanhei o meu reflexo por acaso, sem lhe prestar atenção. Contudo, construí uma identidade visual de mim mesma, onde a aparência do rosto tinha características próprias. Essa identidade foi construida devido à existência de fotografias.



Durante anos apareci nas fotografias sempre com o mesmo tipo de rosto e de cabelo. Sem que tivesse percebido, acabei por me identificar com aquelas características. Reconheço-me.

Quem tem vaidade, quem cuida de si, acaba por ter vantagens. Porque está muito consciente das mudanças que o corpo pode sofrer. Tanto que faz de tudo um pouco para as combater. Então cada ruga, cada alteração, é assimilada como fazendo parte da sua pessoa.



Quem não é vaidoso e não se olha ao espelho, um dia tem um choque. Não se identifica com a imagem reflectida. Quando se procura no reflexo, encontra «outra pessoa».

Quando me olho, dou conta de uma série de características que não tinha e não dei conta de vir a ter. Rugas debaixo dos olhos, pele não mais de 20 anos...

Continuo a não ser vaidosa, a não cuidar de mim com os critérios que a sociedade impõe. Critérios esses ainda hoje discutíveis se verídicos ou fantasiosos. Seja como for, a realidade é que criei uma identidade como pessoa. E essa identidade sou eu entre os 20 e os 30, com um rosto mais ou menos maturo, mas ainda fiel pelo tempo. Este rosto de hoje mudou um tanto. Existem características que ele perdeu, que faz com que «não seja eu».



ESPIRITUALISMO

Dizem que a alma da pessoa não morre e esta, quando pretende comunicar-se com o mundo dos vivos, pode escolher a imagem que quiser. Recordo «testemunhos» de pessoas que afirmam ter vivido milagres ou ter sido visitadas por entes queridos já falecidos em sonho ou em doença ou mesmo despertas. Algumas descrevem que a pessoa parecia "o meu tio/pai/tia/mãe, mas mais novo". 

Algumas pessoas que afirmam comunicar-se com os espíritos dos mortos, costumam dizer que a pessoa está bem, em paz, num mundo sem dor e sem muita coisa que aqui sobrevalorizamos, e que escolheu como aparência para se comunicar "os seus 20 anos". Lembro-me de um episódio que vi de um destes programas sobre contactar os mortos, em que o contactado era um idoso que sofreu muito, acabando por ficar amputado, em cadeira de rodas, etc, outro caso era uma senhora que chegou a muitos anos de vida e que costumava ser muito vaidosa. No caso do senhor, foi dito que "onde ele está" pode correr como sempre gostou e que se sentia muito feliz porque ao fim de muitos anos conseguia finalmente andar com os movimentos livres e correr, que foi a sua paixão na vida. Do outro lado, não existem sequelas de doenças, não existem marcas de tortura, nada. A mulher que em vida tinha muita pena de ter perdido os seus fartos cabelos, mandava dizer que adorava os seus fartos cabelos e que escolheu essa sua imagem. Outros dizem que quem morre na infância, pode escolher aparecer como adulto.


Tomemos como exemplo o mundo do cinema.
Ali, todas essas mudanças ficam registadas. Mas, de alguma forma, o «mundo» seleciona a imagem que vai querer associar àquela pessoa. Algumas, ficam estigmadas com uma imagem mais madura. Outros, são sempre associados a uma imagem de muita juventude. 


1 comentário:

  1. Olha também sou assim. Não ligo nada a vaidades e todas as vezes que tento seguir uma rotina de colocar creme no rosto, acabo por quebrar essa rotina em poucos dias.

    Já ouvi falar nisso dos espiritos dizerem que estão bem e não sofrem como sofriam em vida. Tomara que seja verdade porque há tanta gente a sofrer nesta vida que seria injusto se tudo simplesmente acabasse.
    Não sei se existe vida após a morte e essa é uma daquelas certezas que nunca vamos ter até chegarmos ao dia.
    Se os espiritos comunicam para descansar os seus familiares dizendo que estão bem (sem doenças), imagino que seja uma situação temporária porque ao darem-se conta da eternidade, pouco importa a farta cabeleira ou a pele de pêssego. Isso é coisa do ego que só existe nos vivos.
    E se a vida acontece depois de morrermos, quando o espírito desapega-se do corpo e a morte é aqui na passagem terrena?
    Isto são só teorias porque na prática nada sabemos...

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