quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Solidariedade?

Quando uma pessoa começa a investigar algo que não conhece, acho que acaba sempre por descobrir coisas que não lhe passavam pela cabeça. Julgo que o mesmo pode ser aplicado à solidariedade.

A definição de solidariedade para quem não está diariamente envolvido em associações, deve passar - julgo eu - por algo idílico. Pessoas bondosas, caridosas, e pessoas necessitadas a receberem ajuda. É o básico, portanto, é o que o nosso imaginário reproduz mentalmente como sendo o real.

Como sabem, decidi aproveitar a quadra para exercer um pouco mais esta vontade de auxiliar e decidi ajudar com bens em género uma qualquer associação de solidariedade. Qual a que necessita mais daquilo que disponho e pretendo oferecer? Isso tive de pesquisar.

O primeiro passo foi ir imediatamente buscar a tal caixa solidária disponível nos CTT. Tinha a sensação, aquando o anúncio da mesma, que esta vinha já com os endereços impressos no tampo, era só definir qual se pretende ajudar. E não me enganei: eles estão lá. Totalizam 25 e são estes:


Levei algum tempo mas pesquisei na internet cada um destes endereços. O que descobri foi o seguinte:

1) A maioria indica somente, até mais que uma vez, como fazer Donativos monetários por transferência bancária ou se tornando membro/voluntário.


2) Algumas páginas parecem estar muito desactualizadas, como é o caso surpreendente da Liga  Contra a Sida.

Anuncia evento que IRÁ ocorrer em... 2008!
Página de Rosto
Ou melhor: rostos. Pelo menos um já faleceu e todos os restantes estão
actualmente bem mais velhos, tendo-se passado já uns bons 15 anos!
3) Pelo menos uma página me deixou confusa, sem entender como pode uma pessoa prestar qualquer espécie de solidariedade. É o caso da Pro Dignitate, que abre com um poema e um belo texto a honrar a pessoa que foi Maria Barroso, mas que tirando isso, não parece viva. 

4) Muitas incluem uma loja online onde se podem comprar produtos e um número de telefone para o qual se pode ligar e doar o custo da chamada. 

5) Fiquei com a sensação que, em quantidade, é uma MAIORIA a não fazer qualquer menção de Donativos em Género na sua página pessoal.
Pergunta que surge: Se a maioria não pretende doações em género, então porque é que o nome da instituição aparece na caixa

O que esperam que as pessoas lhes enviem nas caixas? Notas de 500 euros? 
Querem brinquedos? Livros? Roupas? Arroz? Produtos para o banho? Fraldas? Mobiliário?  Medicamentos? Desta lista, o que não lhes faz falta??

 Dos 25 endereços, penso que alguns podiam não estar ali e dar lugar a outros. Afinal, existem tantas empresas, decerto que algumas ficaram de fora. A Casa do Aposentado dos Correios e Telecomunicações, por exemplo, surge ali porque os CTT, naturalmente, quiseram de alguma forma, ser contemplados com o gesto de ajuda já que estavam a facilitar a ajudar. Mas qualquer outra casa de Aposentadoria de outras profissões poderia beneficiar de actos de solidariedade em género, certo?

Procurei então uma que não está na lista: A Cais. A trabalhar com pessoas nas ruas, seria de supor que necessitassem de agasalhos, cobertas, cobertores, roupas, sapatos... Talvez até precisem. Mas a sua página na internet faz referência somente a donativos monetários. 
A menção a doativos em géneros está lá, mas o que se faculta a seguir não
é um endereço e uma lista de bens necessários.
Outros dois temas brotam deste. Mas não vou agora aflorá-los, só mencioná-los.
O primeiro é que a solidariedade, como alguns sabem, costuma ser usada como fachada para oportunistas tirarem os seus proveitos próprios. Verdade ou não, acho que todos já ouvimos falar da Margarida Martins, que durante 21 anos esteve à frente da presidência da Associação Abraço, da qual, segundo alguns boatos que não consegui confirmar, saiu por suspeitas de corrupção

Outro aspecto é o crescente "mantra" de que a pessoa comum ajuda mais se ajudar alguém próximo de si, que conheça em carne e osso, do que se se puser a ajudar à distância, por intermédio de adesão a campanhas de recolhas de alimentos ou por doação em espécie. Até porque existem muitas histórias a circular que rezam que os alimentos doados ficam a apodrecer em armazéns ou que os voluntários levam muito do que é doado para suas casas, a título de proveito próprio.

E se calhar, levanto até um terceiro: por mais que um indivíduo queira ajudar doando um pacote de fraldas, duas caixas de cereais e seis de leite, uma ajuda da parte de fabricantes ou distribuidores arrasa com qualquer outra. Estes têm capacidade, possibilidade e quantidade. Podem doar centenas de uma só vez. Não será o caso de repensar a metedologia?

Fiquei com uma certeza. Os donativos em género vão acabar. 
Por vários motivos, a solidariedade vai deixar de ser 'aquela' do tempos dos 'avozinhos', para passar a ser encarada de forma mais prática e comercial. É verdade que nem tudo o que é doado encontra uma utilidade para quem é doado. Uma página da cruz vermelha explica-o. É por isso que cada instituição tem listas de bens! E quando não têm, não haja equívocos: não é esse o tipo de ajuda que pretendem receber.

Independentemente disto, vou contribuir.

Mas daqui a diante porém, sinto que vou continuar com os meus métodos. No silêncio, sem sequer o mencionar, aqui e ali. Pouco... muito... Ocasional, impulsivo. O que não excluí, um dia em que me veja com demasiada coisa que poderia ser de utilidade a outro alguém, a pegar noutra caixa solidária e enviar a quem achar que mais precise. Mas por norma, penso continuar como sempre fui. E mais para a frente quem sabe? Talvez um dia queira estar bem perto da acção, talvez um dia seja eu que precise de ajuda!


9 comentários:

  1. Interessante artigo. Gostei de ler e saber embora para ser sincera, eu contribua para o Banco Alimentar e pelo Natal para a Paróquia apenas. Antigamente contribuía para a UNICEF e para as Mãos Unidas duas vezes por ano. Infelizmente agora tudo o que posso pôr de lado é para ajudar o filho.
    Um abraço

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    1. Qualquer contribuição feita pelo coração não é pouca coisa, Elvira. Pode ser apenas 1 e não 20, mas vale por ser autêntica.
      Sem querer aflora um aspecto novo na sociedade. Já referi num post antigo esse assunto: os mais velhos de hoje sentem os filhos e os netos em dificuldades, preferem estender-lhes a mão. A instabilidade laboral, no meu entender, é o que condena a sociedade hoje. Antes podia-se viver com pouco luxo, mas o trabalho era fixo e, se a pessoa o desejasse, para toda a vida. Daí a ajuda aos filhos... estes podem ficar desempregados a qualquer instante e encontrar novo emprego é extremamente difícil.

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  2. Gostei muito de ler este post porque é sobre um tema muito importante! Eu também vou tentando ajudar como posso. Ao longo do ano faço alguns donativos (na medida que me é possível) mas de há 3 anos para cá quis fazer alguns cabazes de Natal com amigos para oferecer a famílias que precisem mais que nós.
    Andei a pesquisar instituições porque precisávamos de um intermediário que conhecesse famílias sinalizadas. Acabámos por encontrar uma associação, a Associação Auxílio a Amizade, que tem sido incansável connosco. O que nós fazemos é combinar com eles um dia e eles contactam algumas famílias sinalizadas para ir à sede deles e nós aparecemos lá com os cabazes já feitos (tudo em géneros!) e entregamos em mãos directamente às famílias. Tem corrido muito bem!

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    1. Li a tua história sobre os cabazes, que só alimentou mais ainda a vontade de ajudar e a esperança de encontrar uma instituição receptiva a, para começar, doação em género.

      Mas devo confessar que a busca tem me deixado deprimida. Após tanta pesquisa online ainda não encontrei uma instituição que indique necessitar de roupas, por exemplo. Fico perplexa.Sempre escutei que roupas eram doadas a quem precisa mas se calhar isso não é verdade. Ninguém quer roupas. Só os contentores de rua... e a finalidade dada às roupas é dúbia. (até pode ser uma fonte de rendimento para fins sempre tão impossíveis de confirmar).

      Hoje estou um pouco apanhada pela surpresa da realização de que nem toda a solidariedade visa ajudar realmente os necessitados - um tema que ainda pretendo desenvolver. Em todo o caso Cat, o teu exemplo é positivo e diferente. Ajudas colectando dinheiro que depois transformas em bens de consumo de primeira necessidade, novos, entregues por igual quantidade em cabazes. Parabéns pela iniciativa e pelo sucesso da mesma!!

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  3. Os donativos em género são os preferidos das pessoas porque partimos do principio que não vão ser desperdiçados ou desviados. Já o dinheiro, sabe-se lá aonde vai parar...
    Uma forma de ajudar, é oferecer as roupas que não precisamos e entregá-las na paróquia ou na junta de freguesia (não sei se isso pode ser aplicado a todas).
    Abraço

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    1. Por acaso também não sei, deve depender das paróquias e freguesias. Como existe um certo distanciamento entre os cidadãos e estas entidades que os governam, uma pessoa sente um pouco de reticência em os contactar para descobrir - julgo eu. Não vá a sua tentativa de oferecer bens ser recebido com escárnio e substituida pelo dízimo ou pela mensalidade de sócio. Ai, desculpa Ana, hoje estou realmente sensível para a questão de que a caridade é muita vez aproveitada por muitos como fonte de rendimentos e poder, ao invés de realmente ajudar quem necessita. E quem necessita? - Questões que irei aflorar noutro post e depois, quem sabe, encerrar de vez este tema.

      Só uma coisa: acho que o problema do dinheiro nem é as pessoas não saberem o que fazem com ele. Acho que é mesmo as pessoas NÃO TEREM dinheiro para dar. Nesta sociedade de consumo, existem muitos bens, mas pouco dinheiro, face as despesas mensais e os salários reduzidos. Essa é uma realidade.

      E se não queremos precisar desta ajuda solidária, temos de nos orientar muito bem com o pouco que temos!
      O que não impede, como nunca impediu, a pessoa pobre de estender a mão a outra tão ou mais pobre. Acho que é mais fácil alguém que também sente carências ajudar outra, do que quem não sente. A menos que os muito ricos sejam pessoas bem informadas e formadas e tenham recebido uma educação universal do mundo (esse tipo de rico está em extinção), dificilmente surge um mecenas que dê para a caridade por caridade.

      Desculpem qq coisa mais depré nos comentários... Abraços e obrigada!!

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    2. Também é verdade... hoje em dia é mais a falta de dinheiro para ajudar do que propriamente a desconfiança que existe nessas instituições. É que para quem ganha pouco, todos os tostões contam.
      Abraços!

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  4. Então o que podia ser uma excelente iniciativa acaba por ser um logro.
    É assim??
    Bfds

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    1. O Pedro é tão sintético - qualidade que admiro - que não entendi se se refere à minha iniciativa ou às iniciativas de caridade existentes por parte das instituições.

      Mas sobre este aspecto menos feliz da caridade, pretendo ainda fazer um post. No fundo, um post que engloba algo maior, onde a caridade disfarçada pode ser um dos maiores denominadores.
      Espero que muitas não sejam Pedro. Assim espero! Mas certezas, sabe, o governo não mete mão nisso e essas não existem. Imagine o que é uma pessoa viver anos de "caridade"? Acho repulsivo!
      Mas são outras conversas... Vou continuar a praticar mas a ingenuidade e crença que um dia me dominou e ainda cá preside, desvanece com a passagem dos anos.
      Um grande abraço e obrigado por comentar!

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