segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Portugal, dentro e fora

Vi num portal de emprego um anúncio pelo qual me interessei e decidi candidatar-me. A mensagem dizia para enviar um SMS com o nome e número de telemóvel. Passados dois dias decidi utilizar o contacto telefónico fornecido para saber mais a respeito da oferta de trabalho. Quem me atendeu respondeu ás minhas perguntas desta forma: “Isso é com o responsável por essa função, vai ter de esperar que lhe telefonem”.

Três vezes escutei esta resposta, para cada uma das minhas questões e afirmações:

-“Candidatei-me há dois dias e como ainda não fui contactada, decidi telefonar para este número que o anúncio também faculta” – afirmei. A voz masculina do outro lado da linha, como que maçada por o oportunar, facultou-me aquela resposta.
Expliquei que queria saber mais sobre a função, saber qual a empresa e a localização. Resposta: “Tem de esperar que lhe telefonem”.
-“Há! Mas sempre vai haver um telefonema?”
-“Tem de esperar que lhe telefonem” – novamente a resposta.
-“Está bem, obrigada. Bom dia”.

Porquê estou a escrever sobre isto? Certamente não por me agradar este caso que exemplifica a crise porque estamos a passar. O desemprego está em alta e a maioria das oportunidades que surgem são muito reduzidas e limitadas ao mesmo tipo de função. Basta abrir um site de ofertas no estrangeiro para verificar. Sinto logo entusiasmo e esperança, diante das possibilidades. Mas isso não acontece quando consulto as ofertas de emprego em Portugal.












Sou formada. Andei na universidade quando esta ainda não era uma porta totalmente aberta a qualquer um disposto a pagar para atingir esse estatuto social. Andei lá e pasme-se: realmente estudei! E mais: gostava da área, entrei na que quis, candidatei-me à universidade pública tal como tantos outros, e entrei. “Queimei as pestanas” e quase ganhei um problema mais sério de saúde. Não sabia governar a ansiedade e sempre quis fazer tudo. Mas consegui entrar e fiquei muito contente. Na altura ainda não se compravam os cursos com a facilidade dos dias de hoje. Bem, mas escrevia eu sobre as ofertas de emprego em Portugal serem o reflexo da crise que o país está mergulhado. Atenção: digo mergulhado, porque “a atravessar” implica que daqui vai sair e sinceramente, começo a crescer e a deixar de acreditar em contos de fadas.

Já fui trabalhar para o estrangeiro. Para uma situação que eu quis, por me atraírem as condições de nunca estar parada no mesmo lugar. Não era uma função que conhecesse. De facto, foi a “mais baixa” que já desempenhei, mas fi-lo sem problemas e com satisfação. Quando se faz o que se quer, não importa que também se tenha de limpar sanitas cagadas com o piaçá.

Esta experiência revelou-me porém, um lado que não conhecia e que só mais tarde, quando tudo terminou, é que tomei consciência dos preconceitos e ideias pré-concebidas que estão impregnadas pelas consciências dos indivíduos por todo o mundo.

Fui para o Reino Unido e trabalhei num meio de portugueses a atender ingleses. O nosso salário era mínimo, comparado ao que é o mínimo deles. Claro que se tratava, no fundo, de uma exploração. Tal como se explora a mão imigrante que vem para Portugal. Sempre disse para com os meus botões que, se for para ser explorada, que o seja no estrangeiro. Pelo menos não ficarei a sofrer por sê-lo no meu próprio país!

Ao verem a minha nacionalidade denunciada na estampa da bandeira portuguesa do crachá preso no uniforme, os clientes, do pouco contacto que tive com eles, enchiam-me de perguntas. Alguns tentavam mostrar o que Portugal lhes lembrava e diziam: “Oh, Portugal! Cristiano Ronaldo! Mourinho!
–“The special one! Lisbon, Algarve!”.

Nesses poucos contactos, realçou-se o preconceito e uma ignorância. Esta última não me era desconhecida. Tinha feito amizades com umas raparigas inglesas uns anos antes, quando estive em Londres no programa Erasmus. Uma coisa que me ficou na cabeça foi uma delas se lamentar por não saber falar línguas estrangeiras. Surpreendeu-se ao perceber que em Portugal estas são leccionadas na escola, aos 10 e depois uma segunda aos 12 anos. Surpreendeu-a também que falássemos inglês “very well, better than foreign students from others places” – o que nunca achei ser verdadeiro. Mas que o fui escutando, mesmo anos depois, lá isso fui.

Tinha portanto, no fundo do meu consciente, a noção de que o inglês comum está menos preparado e conhece menos do mundo, por estar mais fechado dentro da sua própria cultura e língua. Mas não estava á espera dos comentários alusivos à minha suposta vida “precária”.
Ao me verem a trabalhar longe do meu país, algumas pessoas deduziam que devia estar maravilhada por ali estar e que aquela decerto era uma oportunidade maravilhosa. De início respondia “Yes”, porque era a verdade: estava contente por ali estar. Mas não porque ali encontrei algo acima das minhas possibilidades. Na realidade, estava muito abaixo das minhas capacidades! Mas isso não me importava. Era a única que sorria de manhã e mostrava bom humor, num grupo de outros portugueses que ali estavam movidos por circunstâncias diferentes.

Um cliente deduziu que devia sentir-me maravilhada por viver naquela cidade. Uma coisa minúscula, cinzenta, sem nenhum interesse, com betão por todo o lado e ruas todas iguais. Encontrar ali um grande centro comercial com uma escada rolante, era uma festa! Mas este cliente deduziu que eu vinha da província. De um lugar onde andava descalça (barefoot- he said) e pisava terra batida. “Ho, do you like living in the city? Is much better that back at Portugal, hã? Is difficult there. There’s more to see here!”. I smiled. I normally do that a lot. To buisy working to even process the deep full meaning of those words.

O trabalho era de 12 ou 13 horas por dia, sete dias por semana. E fi-lo sempre com gosto. Uma pessoa acostuma-se. Não dava tempo sequer para pensar em nós mesmos, quanto mais em conhecer a cidade e dar passeios. Nem sabia qual o estado do tempo ou olhava para uma janela. Mas claro, os clientes não sabem isso e pensam que temos uma vida de maior liberdade. Quando me perguntavam pelo “better pay” que certamente estava a receber, ficavam de boca aberta. E não é no sentido figurativo. Abriam a boca de espanto e alguns esqueciam-se de fechá-la. Também afirmavam sempre que decerto era bom receber em libras. Quando lhes informava que o ordenado era pago em euros, é que a boca não fechava mesmo.

Trabalhar por prazer, ás vezes de graça: essa é que foi a minha desgraça! Mas o que fazer? É-se o que se é. Após esta experiência, voltei para o desemprego e para Portugal. Entrei numa profunda depressão. Pretendia voltar para Londres, de onde saí por ficar subitamente doente. Voltei para a minha “província” em Portugal: Lisboa! Mas detestaria que estas pessoas que tiraram estas conclusões acabassem por ficar com a razão. Portugal está tão mal e as oportunidades são tão escassas, que se voltarem a deduzir que venho de um país miserável, não tenho formação ou cultura, ando descalça em terra poeirenta e levo uma vida dura no campo a abrir sulcos com a enxada, espero que não se torne então verdade!

Um outro cliente perguntou-me se frequentava a rua de prostituição local. Fingi que não entendi e nem dei importância à sua observação de péssimo gosto. Assim que a afirmou logo deduziu que eu não tinha capacidade para a compreender, e riu-se. Mas nem era preciso conhecer as ruas e sua fama nocturna, quando o significado está contido na insinuação. As mulheres que o acompanhavam recriminaram-no e ele riu mais ainda. Não foram poucas as vezes que entendi que estrangeiro mulher, para alguns, representava sexo fácil. Uns copinhos a mais também não ajudava. Quando trabalhava de noite no bar era quando o meu sorriso se apagava e o contacto visual limitava-se à função. A bem dizer, no Reino Unido "copinhos a mais" é condição obrigatória todas as noites. É um estilo de vida. Ajudados pelo álcool e sem controle sobre a testosterona, os homens estavam convictos que uma mulher estrangeira tinha o objectivo oculto de os seduzir a fim de melhorar as suas condições financeiras.
Ideias pré-concebidas e depois generalizadas.




Uma parte divertida:

Coincidentemente apanhei o mesmo motorista de Táxi das poucas vezes que entrei num. O homem era simpático mas um fanático nacionalista. Para ele tudo o que era from “United Kingdom era o melhor. E lá ia enchendo os meus ouvidos de exemplos: era deles a língua mais falada do mundo. Tinham as melhores equipas de futebol do mundo. Aquela era a melhor cidade do mundo e para meu espanto até hoje, este homem não parava de falar de uma ponte local.

A melhor, única dentro do seu género, enorme, a mais larga de todas… qual Akashi-Kaikyo (caso ele soubesse qual é), qual Golden Gate! Aquela da sua cidade é que era a melhor ponte do mundo! Disse-me que detinha o recorde do tabuleiro mais comprido ou o da maior ponte elevatória. Não compreendi no meio de tanto entusiasmo.




Íamos lá passar e ele quis que o comprovasse com os meus próprios olhos. Esperava eu uma coisa fenomenal, talvez quase do comprimento da ponte Vasco da Gama, já que sabia que maior não podia ser. O homem não acreditava que Lisboa pudesse ter uma coisa maior que a que ele tinha ali na sua terra. Quando cheguei à ponte, não fiquei muito surpreendida. Tinha uma aparência moderna mas banal e fiquei com a sensação que o automóvel a atravessou rapidamente.


Como podia eu descrever a Vasco da Gama àquele homem? Nem eu própria conhecia a sua dimensão, de tão reduzidas serem as dimensões do que me habituara ver por ali. Até hoje este motorista de Táxi deve ter um conceito muuito diminuto da ponte Vasco da Gama. Da primeira ponte sobre o Tejo, já que ele quis saber quantas tínhamos em Lisboa, soube dizer-lhe que era idêntica há de S. Francisco, a Golden Gate. Mas a Vasco da Gama… nem eu mesma lembrava. Só quando voltei a Lisboa, encontrei um part-time miserável e provisório para os lados da Expo e pude respirar com saudosismo aquele ar delicioso a maresia e esgoto, é que deixei-me impregnar pela paisagem. Nunca mais vou esquecê-la. Tem uma curvatura linda. Gravei-a com os meus olhos.




Voltando ao pré-julgamentos:
Recuso-me a julgar todos por uma minoria. Ainda que fossem muitos a dar-me essa noção. Talvez hajam diferenças de mentalidade maiores de região para região. Talvez o ambiente de trabalho fosse limitado ao predomínio de um certo tipo de cliente. Ou talvez não. Talvez todos nós não saibamos nos libertar dos estereótipos e ideias pré-concebidas.

E tudo isto para dizer que estamos à mercê das empresas de trabalho temporário, e não devia ser assim. As mesmas deviam ser extintas por lei, a menos que cumprissem certos objectivos. Com o excesso de procura e a escassez de oferta, estas empresas dão-se ao luxo de seleccionar pessoas. Não de acordo com critérios decentes e claros mas sempre pela conveniência e lucro pessoal. Procuram empregar pessoas de baixo nível de formação e com poucas alternativas. Dão preferência a desesperados (quem não está hoje em dia) para os terem na mão e controlar melhor. Querem pessoas que trabalham e estão dispostas a ganhar (muito) pouco. As condições de remuneração são propositadamente confusas, para que o trabalhador não saiba exactamente quanto vai receber no final do mês. Uma coisa que este realmente não sabe é quanto a empresa ganha por o empregar. É muito. Soube de um caso que chegava ao quádruplo do ordenado do trabalhador. Vi com os meus olhos e ouvi com os meus ouvidos o acto desesperado de vários angariadores de trabalhadores para conseguir alcançar o número exigido pelas empresas no prazo estipulado, caso contrário perdiam o cliente ou um determinado nível de pagamento mais elevado. Não queriam saber das qualificações ou reais interesses dos candidatos. Queriam cabeças. Para serem pagos por cabeça. Isto dura há 10 anos, e ninguém faz nada.

Portugal, adoro-te. Mas deixas-me doente!

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