Este post ia começar por algo positivo, que transmite uma luz no final do túnel. Mas como tudo, não vai terminar tão bem. Ainda há muito para falar sobre a forma como a sociedade aceita que alguns homens lidem com as mulheres.
Caso 1: O comportamento exemplar
Maura Quint é uma escritora. Certo dia decidiu colocar na sua conta de Tweet histórias sobre as vezes que NÃO FOI assediada por homens. Eis um dos seus relatos:
«Uma vez durante o secundário, sentia-me insegura. Vesti um top apertado e curto, coloquei batom, coisas que não costumava fazer. Fui a uma festa e bebi imenso alcóol. Um homem perguntou se eu desejava sair da festa com ele. Respondi. "talvez". O rapaz respondeu: "um talvez não é um sim" e voltou a juntar-se aos amigos.»
Noutro relato, aos 20 anos numa saída com amigos, Maura conheceu um empregado de mesa. No final do turno deste aceitou ir conversar com ele fora do bar. O rapaz disse-lhe que vivia ali perto e perguntou-lhe se queria ir para a casa dele. Com dúvidas, Maura hesitou. O rapaz disse-lhe que ela podia voltar para o bar, se era o que queria fazer. E foi o que fez. Com estes epísódios ela concluiu que não sofreu nada, porque naqueles dias não conheceu um violador.
Caso 2: O assédio precoce
Talvez um dos subconsciente motivos pelos quais não aprecio talent shows infantis que "adultizam" crianças. No Brasil uma menina de 12 anos foi sexualmente assediada em comentários no tweeter, enquanto participava em Mastershef - um programa televisivo onde crianças entram em competição umas com as outras para serem eleitas "melhor chef" de cozinha. Um homem escreveu assim: "se for consensual é pedófilia"?
Este caso levou uma organização a lançar no tweeter a hashtag #PrimeiroAssedio.
E a conta foi entupida de relatos de mulheres a contar que o primeiro assédio acontece na infância.
E esta é uma triste realidade. O assédio começa, por vezes, mesmo antes do corpo feminino se tornar mais adulto e sexualmente apelativo. Há cérebros que não fazem distinção, olham para a criança como um pedaço de carne que irá florir para algo que já lhes apetece provar. A ideia de vir a ser o "primeiro" a proporcionar a experiência sexual a uma fêmea é primária em alguns homens.
#PrimeiroAssedio
Aquele que lembro mais ancestral, remota a uma ida à praia onde um homem de cabelos brancos muito velho e barrigudo não parava de olhar para mim, criança de uns seis ou oito anos. Ele andava de um lado para o outro, mas sempre fixado. Tentou aliciar-me a ficar perto dele. Aquilo deixou-me desconfortável e fez com que não me apetecesse ficar na praia. Senti vontade de vestir a camisa e ficar quieta a um canto.
Por favor, sejam homem ou mulher, deixem aqui na secção de comentários, a vossa #PrimeiroAssedio
Caso 3 - O assédio documentado
Na Holanda, país que julgamos avançado no pouco que lhe conhecemos uma jovem, de nome Noa, sai todos os dias à rua para ir trabalhar, mas o que mais a incomoda é o previsível assédio diário. Vai que decidiu tirar uma selfie cada vez que se sentia assediada e colocar na sua conta no tweeter, seguindo de um texto assim: "Caro assediador...". A experiência durou um mês. Vejam o tipo de foto que ela publicou e digam se não vos parece familiar.
Mona só terá chances de sair à rua sem ser assediada quando envelhecer ou se prescindir do uso de roupas normais e bonitas ou andar com o cabelo menos vezes solto que apanhado. É como se impusessem uma burka invisível, porque, na prática, tens de estar com uma aparência que não chame a atenção dos olhares masculinos, para poderes ser... respeitada.
#EusouNoa
Já quando tinha transitado para a possibilidade de andar na rua sem ser alvo de olhares ou comentarios (algo obtido através de anos de uma atitude de nenhum contacto visual, ignorancia e indiferença, perfeitamente assegurado pelo uso de roupas velhas, largas, simples e aparência nada atrativa), sai naquele dia à rua com casaco e calça preta. Cabelo solto, ao invés de apanhado. Quando fui a atravessar a estrada, notei os carros a abrandar, ao invés de acelerar e sem buzinar se lhes "passasse à frente". Notei, inclusive, enquanto esperava o semáforo ficar verde para os peões, esses carros a desacelerar ao invés de acelerar para passar o sinal ainda "amarelo". Era o que habitualmente fazem. Quando atravesso a passadeira, sinto e percebo que o homem que vinha no carro e levou o seu tempo para parar, gostou de ficar a olhar enquanto lhe passava à frente. O seu pescoço acompanhou todo o meu movimento. E quando o sinal para automóveis ficou verde, ele não reagiu de imediato. Foi preciso levar com uma buzinadela do de trás para arrancar. Eye-candy, como dizem na américa. Uma visão que dá gosto ver. Como os comportamentos mudam! Nesse dia, a única coisa que alterou na minha pessoa foi a indumentária. Contudo, a atitude das pessoas foi mais civil, mais tolerante, mais simpática.
Partilhem o vosso #EUsouNoa na secção dos comentários.
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A Holandesa nas selfies com os homens que se meteram com ela e disseram/fizeram algo que a deixou incomodada |