sexta-feira, 13 de abril de 2018

As quatro mulheres de mais idade com quem me cruzei hoje




Hoje atendi uma cliente de uma certa idade. Rosto enrugado, cabelos curtos mas ainda bem preenchidos e totalmente brancos. Vinha acompanhada de uma senhora de cabelos castanhos, com a pele do rosto lisa, excepção para umas tantas rugas de expressão. Falou-me que era o aniversário do que percebi ser uma neta. 


Então perguntei-lhe a idade da neta. Afinal falava de uma filha. Surgiu o número 55. A que a acompanhava- também filha, tinha 60. De seguida ela própria avançou a sua idade: 91 anos. Não aparentava. Porquê? Não só pelo aspecto físico, mas principalmente pelo discurso lúcido, rápido e a sua mobilidade dinâmica. Não caminhava com dificuldade, mas com soltura e ritmo. 

Quando penso em 91 anos, infelizmente associo esse número a já alguma dificuldade de mobilidade, a uma certa lentidão e falhas na memória e, também, uma certa curvatura na coluna vertebral. Garanto-lhes que não estava diante de nada disso. A senhora, inglesa, natural de Londres, perguntou-me de que país eu era originária. Respondi-lhe, o que a fez comentar:

-"Ah, vem de Portugal. Eu sei falar português." 

E não, não estou a traduzir. Respondeu-me em português e foi, também, a primeira vez que alguém a tentar falar a língua de Camões conseguiu fazê-lo de forma a entender-se na perfeição, com domínio e fluidez. Contou-me que morou alguns anos no Brasil na década de 60 e logo se despediu e seguiu caminho. 

Deduzi que aquela não era uma mulher comum. Não só pela genética que brevemente discutimos (aparentar muito menos idade parecia correr nos genes) mas pelo discurso. Perguntei-lhe se era viajada, respondeu que sim. Um sim que soou a contenção. Ser «viajada» talvez fosse uma forma simples que omitia uma experiência mais complexa - disse-me a intuição. Atribuí a sua admirável desenvoltura física e psicológica a essa condição de vida. Quem viaja, enriquece-se. No espírito e na mente. A mente não cai numa rotina imberbe, está a ser estimulada. Notei que era inteligente e culta. Ao dizer-me que morou alguns anos no Brasil deduzi - não sei porquê - que teria sido por motivos políticos, como por exemplo, ter um marido consul. Ela própria deve ter sido uma mulher de carreira e muito instruída, tendo circulado no meio de pessoas influentes e instruídas nas mais diferentes matérias. Notei, no tom empregue ao mencionar que viveu no Brasil, nova contenção. 

Simpatizei com a senhora e aprendi novamente uma velha lição: Na vida tudo é possível

Não há normas. Há estatísticas, generalidades, é certo, mas também há excepções. E estas podem deixar de as ser para se transformarem na norma. O seu português, ainda que aprendido no Brasil, não tinha sotaque nem me pareceu ser conjugado ao estilo brasileiro que hoje conhecemos. O português da década de 60 em terras de vera cruz devia ser bem mais formal do que nos dias de hoje.


As restantes três senhoras marcaram-me menos, mas também me recordo delas no final do dia. Todas com cabelo branco.

A primeira aguardava pelo marido, que tinha ficado para trás devido a uma enorme dificuldade de locomoção. Disse-me que tinha solicitado ajuda para deslocação mas que não lha tinham facultado. Fiquei tão preocupada que fiz questão de verificar que acabaria por a receber. Sem que percebesse a minha presença, confirmei que a ajuda que necessitava ia ser prestada. 

Neste país de scooters para andar no supermercado às compras, para andar na rua, para tudo e mais alguma coisa, por vezes em certas circunstâncias não facultam uma deslocação fácil a idosos com mobilidade reduzida. Nem se preocupam. E aquilo incomodou-me. Para todos os que conseguem andar, uns meros metros podem parecer coisa fácil. Quando avistei o senhor, com os bofes para fora, receei que lhe desse um piripaque no coração ali mesmo. Não foi nada fácil para ele caminhar "alguns metros" e a preocupação da esposa com a sua condição era justificada. 

 A segunda idosa falou um pouco comigo. Aguardava o filho que tinha ido comprar algo e pediu para que ela esperasse por ele num certo local. Mas ela, sabendo onde ele tinha ido, decidiu ir atrás e parou a meio caminho, onde eu estava. Falou um pouco disto e mencionou que o filho tinha ido visitá-la porque dentro de dois dias ia ser submetida a uma intervenção cirúrgica. Desejei-lhe boa sorte. Mas o que me veio à mente foi a possibilidade de dentro de dois dias aquela senhora sorridente e toda a sua energia podia estar destinada a apagar-se. Vida por mais dois dias, o filho tinha vindo visitá-la pela última vez, talvez um pouco contrariado. Um pensamento um tanto mórbido, talvez, mas intuí solidão, algum receio, amor, saudade, felicidade, desejo de ter o filho mais perto e mais presente e pouca paciência na comunicação entre mãe e filho. Continuei a trabalhar e perdi-lhe o rasto, não vi para onde foi nem se o filho, que nunca mais aparecia, surgiu e ficou mais um pouco com a mãe.

A terceira idosa esperava a neta. De início só percebi que esperava alguém e que tinham marcado um encontro por ali. Como não estavam a conseguir entender-se por telemóvel uma com a outra, a senhora pediu-me para explicar por chamada onde ela se encontrava, para a neta a localizar. Foi o que fiz. O sentido de orientação da neta não era dos melhores e acho que o receio de não encontrar a avó atrapalhou-a. Então pedi-lhe que voltasse a contactar a neta e foi então que as duas encontraram-se. Estavam a poucos metros uma da outra, mas cada qual a aguardar em sítios diferentes. Foi a idosa que partiu ao encontro da neta, ao perceber onde esta se encontrava. Uma senhora totalmente lúcida, amável, doce, com facilidade de deslocação. Ainda assim confirmei que se encontravam de facto. Ao me perceber perto, a neta agradeceu com umas vénias e eu regressei ao meu posto contente, por ninguém ter-se perdido e por perceber a felicidade naquele abraço que as duas deram. 


#idadenãotemlimites


1 comentário:

  1. Infelizmente a maioria dos idosos têm dificuldade de locomoção e essa mania das scooter está a chegar aqui também. Mania muito bem vinda porque trouxe a liberdade a muita gente que vivia presa em casa e só saia para ir ao medico.

    Nunca se sabe o que vai na vida de cada pessoa e os mais idosos têm histórias fantásticas para contar. E nós, só podemos imaginar o que está por trás daquelas rugas e cabelo brancos. kiss

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