quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Claudette ainda está viva!


Há muito tempo que não via um filme.
Na TV estava a começar "Homens de Negro III". Já não me recordava da história.



Há uma parte que me chama a atenção. Quando J se prepara para viajar no tempo até o ano de 1969, é avisado para ter cuidado pois aquela não era uma boa altura para a «sua gente». "J" (Will Smith) é negro e daí a referência à América de 1969. A história avança e já se sabe que J descobre quem era o seu pai: um general militar encarregue da segurança do cabo Canavial. E sim, o pai de J é negro. 


Então fiquei a pensar na referência. Como era a américa para o negro, em 1969? 
Podia o pai de J ser realmente um general tão importante? Era o filme verosímil?



Fui pesquisar. E descobri que em 1969 jamais poderia um negro estar a ocupar uma posição no exército americano, menos ainda como general, cheio de subalternos que à primeira ordem obedecem sem sequer questionar o que lhes é dito. Não poderia quando, apenas alguns anos antes, ainda estavam a lutar para poder frequentar a mesma escola que os brancos. 

E então vi uma fotografia. De uma senhora chamada Rosa Parks.
Basta o nome, para saberem quem foi, certo?
Espero que sim...

Nós, em Portugal, somos tão bombardeados com história americana que é natural que a maioria saiba que Rosa Parks ficou «mundialmente» conhecida por se recusar a ceder o lugar que ocupava na dianteira de um autocarro. E rosa era negra.

Ou melhor: mulata. A primeira surpresa que apanhei ao olhar o seu retrato foi o quanto estava mais para branca do que para negra. Ao fundo vê-se o rosto de um senhor, de tom de pele mais escuro, e isso até destaca o quanto Rose era, afinal, mais clarinha de pele do que escura.

Se bem que, naquela altura (e suspeito que até hoje mas de forma totalmente oposta) qualquer indício de um tom de pele para o diferente do pálido podia ser visto com maus olhos. 

Aqui fica a imagem de Rosa Sparks.

Uma mulher bonita, espantosamente parecida... com qualquer mulher de outras etnias.
Se fosse possível mudar o tom de pele como faz o camaleão, podia encaixar na perfeição em qualquer etnia. Rose possui o prototipo de beleza que se ajusta a todas, bastando para isso, mudar. Se tivesse a cor de pele mais escura e a usar um véu, podia passar por muçulmana, com um Bindi (pontinho vermelho no centro da testa) passava bem por indiana. Também passava bem por mexicana e, se totalmente branca, também ia «encaixar» perfeitamente nos traços gerais dessa etnia e assim sucessivamente.

Não vos parece?


Em Montegomery, Alabam, EUA, ela sentou-se num autocarro, num lugar que estava vago à frente, e  recusou-se sair e ir viajar de pé no fundo do veículo, quando o motorista lho pediu, visto que a secção destinada aos brancos (onde Rose se encontrava) já estava cheia e a norma era os não-brancos terem de ceder os seus lugares caso o autocarro lotasse. Isto aconteceu a 1 de Dezembro de 1955, exatamente nove meses depois de Claudette Colvin ter feito o mesmo, na mesma cidade, num outro autocarro. 

Sim, perceberam bem: este ícone e símbolo da luta pelos direitos, apelidada até hoje de "primeira dama dos direitos civis" e "mãe do movimento pela liberdade" não foi pioneira em coisa alguma. Na verdade, nem sequer Claudette Colvin, na altura com apenas 15 anos. Claudette, no dia 2 de Março de 1955, foi presa, juntamente com outros, por se recusar a fazer exatamente o mesmo: ceder o seu lugar dianteiro no autocarro que estava a encher de passageiros. Mas a sua recusa - pasme-se, também derivou de uma circunstância em que a iniciativa partiu de outra pessoa. 

A dois de Março de 1955 Claudette sentou-se dois lugares de distância da saída de emergência na secção dos "coloridos". A convenção da altura ditava que, caso o autocarro ficasse cheio e os supostos "lugares para brancos" na frente não estivessem disponíveis quando uma pessoa branca entrasse, um negro que tivesse sentado teria de levantar-se, ir para a secção de trás do autocarro e viajar de pé, para ceder o lugar ao branco, pois a companhia rodoviária impunha essa prática anti-constitucional. 

(é o que dá não fazerem autocarros segregados, ahaha. Pois, a lei já não permitia...)

Nesse dia uma mulher branca entrou no autocarro e já não tinha lugar sentada. O motorista, Robert W. Cleere, cumprindo o estipulado, mandou que Claudette e outras três mulheres negras sentadas na mesma fileira de assentos, se levantassem e fossem para a traseira do autocarro. As outras três levantaram-se e foram. Mas aí uma mulher negra grávida, Ruth Hamilton, entrou e sentou-se ao lado de Claudette. 
(fica esquisito entender como entra uma mulher negra e grávida na história e a branca que estava de pé terá se sentado?)
O motorista observou pelo espelho retrovisor e pediu para que saíssem. Ruth, a grávida, disse que não ia levantar-se pois pagou o bilhete e não lhe apetecia ficar de pé. "Então eu respondi ao motorista que também não ia sair do assento" - contou Claudette. 
-"Se não se levantam, eu irei chamar a polícia".
A polícia foi então chamada e convenceu um homem negro sentado atrás das duas mulheres negras a ir para o fundo do autocarro, de modo a que a sra. Hamilton, que estava grávida, pudesse viajar sentada. 
(nossa, que o cavalheirismo continuava morto até nestas alturas! Um homem assiste a mulheres a viajar de pé e não cede o seu lugar? Nem em 1969? Nem a uma grávida?? PORRA! Não esperava esta desilusão...)

Feita esta troca, Claudette continuou a recusar-se a abandonar o lugar onde se sentou e gritou que era um direito constitucional seu. Foi removida à força do autocarro e presa pelos dois policiais que compareceram à ocorrência. (Só dois, hoje seriam uma dezena), acusada de perturbar a paz, violar a lei e conduta violenta.


Como disse, isto aconteceu na mesma cidade de Rose Parks, mas 9 meses antes. Claudette contou que, quando se recusou a sair do assento, estava a pensar num trabalho de casa que tinha escrito naquele dia sobre o costume local de impedir negros de experimentar roupas nas lojas de venda de vestuário e usar as cabines para esse propósito. 

-"Não podiamos experimentar as roupas. Tinha-se de usar um saco de papel castanho para desenhar os contornos do nosso pé e levá-lo para a loja". 


Porque não é Claudette, então, a "filha do direito pela liberdade"?
Claudette Colvin em 1953

Como a descriminação sempre existiu (e sempre existirá), acontece que Claudette era uma miúda muito nova, dizia-se que tinha engravidado de um homem casado e isso era extremamente mal visto na altura... Há coisas que demoram mais tempo a mudar do que o racismo: a condenação social de uma mulher solteira que não é mais virgem e engravida, por exemplo. Não há cor que se sobreponha à descriminação de género.

Adiante: Antes de Claudette Colvin ou Rose Parks existiram, documentados, casos que remontam até o ano de 1942. Curiosamente, excepto pelo primeiro, só exemplo de mulheres...  Bayard Rustin é a excepção e encabeça a lista documentada na wikipédia do pioneirismo dos freedom riders, por ter recusado sair da segunda fila do autocarro numa viagem de Louisville para Nashville, corria o ano de 1942. O «pobre» rapaz, além de activista pelos direitos dos negros, também defendia a causa gay... (pensando bem, faz sentido). Ui! Conseguem imaginar o fardo?? Que coragem! Ou falta dela...

Bom, figuras "controversas" não eram bem vistas fossem negras ou brancas. Por isso, tanto Bayard, que era gay e conhecido por proceder a encontros sexuais na via pública com prostitutos brancos (aqui a cor sempre teve pouca importância, não é mesmo?) quanto Claudette foram um pouco afastados (bastante) das luzes da ribalta pelos próprios colegas de causa, que pretendiam pessoas menos controversas. 

A surpresa é que Claudette é viva!
De toda esta geração surpreendente de pessoas que SABIAM na sua maioria, o que é ter uma causa e lutar por ela (o que me entristece que hoje se faça uma palhaçada de tudo e se envergonhe com lama a nobreza dos gestos destes pioneiros) Claudette é a única que ainda habita o planeta terra. Tem atualmente, segundo o wikipédia, 78 anos. 


Voltando ao MIB 3, a história perdeu toda a credibilidade assim que apresentam o pai de J. como um homem negro, que chegou a uma patente bem elevada no exército, corria o ano de 1969 e o dia e hora do lançamento dos astronautas americanos à Lua.

Tivessem feito o pai de J um homem branco e a história, além de verosímil, teria ficado bem mais interessante! Será que J alguma vez teria imaginado ser filho de homem branco? Esse detalhe ia ajudar, inclusive, a eliminar remanescentes noções de racismo. Afinal ia mostrar que o herói, o homem de quem todos gostam, é, afinal, filho de pais de etnias diferentes. 

E já agora, a "pioneira" Rosa Sparks, clarinha como era e com aqueles traços em que nem o cabelo saiu igual ao característico da etnia negra, tinha ascendência irlandesa. 

É mesmo uma estupidez descriminar por género, opção sexual ou cor de pele.
Descrimine-se sim, mas pelos motivos certos: falta de carácter, malícia, falsidade...


2 comentários:

  1. Concordo contigo. A discriminação devia ser pelo caracter e não pela cor de pele ou religião. Infelizmente o racismo e preconceito ainda existe hoje em dia e em alguns países está a surgir em força como dantes!

    Feliz Natal cheio de saúde, paz e amor.
    Beijos

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  2. Não conhecia este episódio.
    Estamos sempre a aprender!

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