Vamos lá ver o outro lado da moeda.
Neste caso foi em França mas em Inglaterra já haviam adoptado medidas diferentes com o mesmo objectivo. Esta localidade a sul de frança, contudo, optou por uma medida que dá bastante nas vistas e não deixa margem para dúvidas: decidiram vedar os bancos públicos, que são confortavelmente lisos e com assento em madeira, com gradeamento, para impedir os sem abrigo de os ocupar durante a noite. Segundo o responsável pela segurança local, a medida foi tomada devido a isto: «quase todos (os bancos) são usados exclusivamente por pessoas que ingerem álcool diariamente» «a decisão foi tomada depois de os comerciantes locais terem alegado que esse tipo de comportamentos afastava os clientes». Nas redes sociais não tardaram a condenar o gesto.
Mas vamos olhar para o outro lado da moeda, siiiimmmm??
É muito seguro condenar e julgar e ainda mais seguro manifestar, por escrito, palavras de indignação perante a indiferença para com os sem abrigo. Pessoas que já não têm onde morar, como podem privá-los de escolherem um qualquer canto para dormir?
Bom, se não o fizessemos seria um caus. Vamos lá colocar de lado a hipocrisia natalícia e vou já perguntar: qual de vós ia gostar de ter um sem abrigo todas as noites a dormir à entrada do vosso prédio? Com toda essa compreensão e empatia, o levariam para vossa casa? Dariam-lhe comida à entrada? Estariam de bem com a ideia de ter um ser humano ali, todas as noites, a dormir quando vocês vão a passar, a criar a sua "casa", impondo a sua presença, impondo uma interacção?
Só estou a querer ser realista e também chamar a atenção para outros lados desta história de todos nós. Até o mais bondoso do ser humano pode sentir algum incómodo perante algo do género. Não digo para afastarem estas pessoas à mangueirada - infelizmente já não somos bárbaros, somos (e daí o infelizmente) demasiado politicamente corretos e algo coquinhas. Podemos dirigir uma "mangueirada" a alguém de quem não gostamos, que vai a passar e está a jeito de ser humilhada com o jacto de água, mas se usar-mos o mesmo impulso para um sem abrigo, as reacções públicas são diferentes. O gesto é o mesmo. O sentimento com que foi feito, também.
Não sou o tipo de pessoa que vira sempre a cara a um pedinte. Posso conversar com a pessoa se a situação se propuser. Já dividi um assento de paragem com um sem abrigo - não me afastei com "nojo" nem devido ao cheiro. Por mim têm tanto direito de lá estar quanto outra pessoa qualquer e o meu direito de me afastar é também tão natural quanto me afastaria de outra pessoa qualquer, caso me sinta incomodada pelo cheiro ou ruído produzido. Música aos berros, fedor a álcool, fumo de tabaco ou falta de higiene, a presença de qualquer um destes factores (esqueci o dioxido de carbono concentrado, vindo dos automóveis) são razões que me levam a distanciar-me de uma paragem de autocarro. Há uns anos quando pela manhã, percebia-se que as paragens tinham servido de abrigos para alguém durante a noite. Mesmo os bancos sendo curvilíneos, curtos e de metal, alguém os usava como dormitório. Isso me perturbava mais do que ver. O imaginar era pior. E as paragens, na realidade, deixavam de ser frequentemente usadas por quem aguarda uma viatura. Porque o cheio nauseabundo é mesmo isso: nauseabundo. E a imundice no chão, os restos de comida, uma ou outra garrafa de álcool e o cheiro a urina são elementos que repelem as pessoas. Quem gostaria de se sentar à espera de um autocarro num local destes? As paragens já não são grande coisa por si só - desde que a publicidade se tornou a prioridade ao invés das pessoas. Se chover toma-se "banho", se estiver muito sol, é uma sauna que queima ao toque, tapam a visão da chegada do veículo... enfim, já de si são más. E já do seu uso normal, por vezes, o factor higiene deixa a desejar. Adicione-se isto, o stress do dia a dia e não se pode realmente esperar que as pessoas andem sempre sorridentes e afáveis, né?
Espigões anti-sem abrigo. Reino Unido |
Por isso não se seja de hipocrisias e não neguemos que o conforto, a nossa comodidade é algo que faz parte da vida em sociedade. Saibam isto e saibam mais sobre o ser sem-abrigo. Há quem o seja por escolha. Poucos, mas há. E há quem se recuse a recorrer aos centros de acolhimento de sem-abrigos - porque os há. E havendo-os e podendo usufruir deles, porque haveriam de estar nos bancos públicos? A sociedade não é assim tão mesquinha que deixa as pessoas ao relento. As atira para lá, com indiferença. Muitas almas caridosas andam noites e noites a distribuir uma palavra de afeto, junto com uma refeição quente, uns cuidados médicos e uns agasalhos a estas pessoas menos afortunadas. Desde que o mundo é mundo que existe a caridade. Ser caridoso não é razão de vergonha nem de orgulho e receber caridade também não. Compreendo quem não queira ter uns tantos sem abrigo à sua porta - neste caso, numa rua comercial. Tudo é uma bola de neve. Este simples facto pode levar um negócio à falência e colocar o antes proprietário de algo na rua, como sem abrigo... Vivemos em sociedade e esta é muito exigente para o cidadão mediano. Quem não vive nos extremos, na pobreza ou riqueza, tem de ser um cidadão exemplar e cumpridor, é exigido, aos medianos, mais do que aos extraordinários. Se os muito ricos conseguem montar mansões de quilómetros, com vedações elétricas altíssimas e sistemas de segurança de alta tecnologia, também estão a praticar exclusão. A diferença entre as grades de um banco público e as de uma vedação de uma mansão não são muito diferentes. A sociedade permite que se coloquem grades para separar os ricos dos restantes. Permite que se coloquem grades a proteger jardins que se querem só para olhar (felizmente não é muito o caso português). O quotidiano está repleto de actos de exclusão, de «pequenos recados» que informam o indivíduo se ele é ou não desejado em certos locais. Querer afastar pessoas sem nada, com falta de muita coisa, por serem prejudiciais ao negócio também é algo social. A diferença é que muitos se preocupam com aqueles que são carenciados, muitos tentam, com paciência e sabendo que o tempo é o factor principal, retirar das ruas estas pessoas carenciadas e estudam, querendo cobrir todos as possíveis falhas e fragilidades, a possibilidade de lhes restaurar um teto, de forma a não existir um retrocesso. Mas há tetos que são infernais, e as pessoas optam por ficar sem eles... Também há tetos que são confortáveis, mas dos quais certas pessoas precisam se afastar independentemente disso. E existem aqueles que não valorizaram o que tinham e fizeram da vida de todos um inferno, debaixo do seu teto... que acabou por se desmoronar. Há de tudo. E tem de se compreender.
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