O dia de hoje assinala uma data que deve entrar para o calendário da história de Portugal. Inicia-se hoje e ao mesmo tempo duas acções antagónicas: a comemoração do 102º aniversário da Implementação da República e o fim dessa mesma comemoração com direito a Feriado Nacional.
Na varanda do Largo do Município de Lisboa onde a 5 de Outubro de 1910 foi hasteada a bandeira Nacional a sinalizar o início da República, voltou hoje a bandeira a ser hasteada, pela última vez em comemoração à data e pela primeira vez, virada ao contrário.
A data ficou também marcada por três ocorrências ímpares: Pela PRIMEIRA VEZ, o governo FECHOU as comemorações da Implementação da República na cara do povo, negando-lhe acesso às habituais visitas ao Palácio de Belém e comunicando que as celebrações se realizariam num lugar mais «reservado e em porta fechada» e se transferiam para o Pátio da Galé.
E foi neste novo local, mais reservado e restrito, que ocorreram dois protestos, no feminino. Uma mulher de 57 anos ainda no final do discurso do presidente da República fez soar a sua voz de revolta vinda do fundo da sala para protestar que lhe faltava dinheiro, medicamentos, assistência social e que queria falar com algumas das entidades presentes. A pensionista disse sentir-se desesperada com os seus 224 euros mensais por viuvez e que estaria na miséria absoluta sem a ajuda financeira do filho*.
Diferente abordagem adoptou Ana Maria Pinto, cantora lírica, diferente mas não por isso menos eficiente: irrompeu pela sala a cantar a música "Firmeza", de Lopes Graça. O protesto apanhou todos de surpresa e na dúvida se o mesmo faria parte da cerimónia de celebração mas o ecoar da poesia não deixou dúvidas. Não fazia. ""Não seja o travor das lágrimas/capaz de embargar-te a voz;/que a boca a sorrir não mate/nos lábios o brado de combate./Olha que a vida nos acena para além da luta./Canta os sonhos com que esperas,/que o espelho da vida nos escuta" O poder das palavras emocionou os presentes e a cantora, ao contrário da pensionista que foi removida sem violência da sala pelos membros da segurança, terminou de cantar e recebeu uma grande salva de palmas, já não escutadas pelo Presidente da República que havia se retirado por uma das portas laterais.
Uma coisa é certa: para o ano, vão reforçar a segurança e tornar a cerimónia ainda mais restrita e de costas voltadas para o povo. Este, mais afoito e menos pacato que costume, mostra mais uma vez a sua força, o seu destemor, sabendo protestar sem apelar à violência e indo ao coração. Dois protestos no feminino, mater, pátria, uma voz anónima entre o povo, quiçá menos instruída que a outra voz de uma jovem com formação lírica. Ambas diferentes, ambas as vozes em igualdade, unidas em concordância.
* Fonte: Expresso
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